
Filhos e aliados pr�ximos do presidente Jair Bolsonaro foram pe�a-chave no compartilhamento a milh�es de brasileiros de desinforma��o sobre persegui��o a crist�os durante a campanha eleitoral.
As mensagens — compartilhadas n�o apenas por pol�ticos influentes como tamb�m por usu�rios comuns — associam candidatos de esquerda, principalmente o ex-presidente Luiz In�cio Lula da Silva, a falsos projetos para proibir prega��o de pastores, criminalizar a f� evang�lica e at� retirar o nome de Jesus da B�blia.
Outras fazem refer�ncia a casos reais de viol�ncia contra comunidades religiosas em pa�ses da Am�rica Latina, �sia e �frica e alardeiam que isso pode ocorrer no Brasil.
"No cen�rio eleitoral e pol�tico brasileiro atual, isso se traduz em uma representa��o de Lula como um anticrist�o, enquanto que o Jair Bolsonaro � representado como um grande Messias", afirma D�bora Salles, professora da Escola de Comunica��o da UFRJ e uma das pesquisadoras do NetLab respons�vel pelo relat�rio 'Evang�licos nas redes'.
O relat�rio monitorou perfis de influenciadores com grande alcance no segmento evang�lico entre janeiro e agosto de 2022 e identificou os macro-influenciadores e perfis mais relevantes no terreno da desinforma��o de fundo religioso.Entre eles, personalidades com ampla base de seguidores nas redes como o senador Fl�vio Bolsonaro (PL), o deputado Eduardo Bolsonaro (PL) e o vereador Carlos Bolsonaro (PL); os deputados Marco Feliciano (PL) e Carla Zambelli (PL); e o pastor Silas Malafaia, l�der da Assembleia de Deus Vit�ria em Cristo.
A BBC News Brasil analisou as redes sociais dessas seis figuras expoentes entre 6 de agosto e 6 de setembro e encontrou pelo menos 85 mensagens que usavam o temor de persegui��o para "demonizar" advers�rios como Lula e Ciro Gomes.
Foram identificadas 14 postagens nas p�ginas do senador Fl�vio Bolsonaro, 11 nas do deputado Eduardo Bolsonaro, 2 na do vereador Carlos Bolsonaro, 8 nas de Carla Zambelli e 3 na do pastor Silas Malafaia no per�odo. O campe�o de postagens, por�m, foi Marco Feliciano, com um total de 47 em apenas um m�s.
Desse total, tr�s mensagens chegaram a ser proibidas pelo TSE por "deturpar e descontextualizar" not�cias a fim de gerar a "falsa conclus�o no eleitor".
"Percebemos oportunismo de muitos pol�ticos ligados ao bolsonarismo para usar os ambientes de troca de informa��o dos evang�licos para ganhar confian�a, disseminar desinforma��o e angariar votos", diz a professora Rose Marie Santini, fundadora do NetLab, laborat�rio vinculado � Escola de Comunica��o da UFRJ dedicado a estudos de internet e redes sociais.
"As pessoas est�o mais informadas em rela��o ao perigo das fake news do que estavam em 2018, quando muitos foram pegos de surpresa. Mas certamente esse tipo de desinforma��o com fundo religioso ter� grande impacto no resultado", diz Magali Cunha, doutora em Ci�ncias da Comunica��o, pesquisadora do Instituto de Estudos da Religi�o (Iser) e editora-geral do Coletivo Bereia, especializado em checagem de not�cias falsas com teor religioso.

'Banir a religi�o crist�'
Uma das fake news compartilhadas nos perfis monitorados pela BBC News Brasil afirma que Lula editou um decreto para "banir a religi�o crist�" em 2010.
Trata-se de um v�deo que combina reportagens da Band e da TV Globo sobre o decreto conhecido pela sigla PNDH-3 (Programa Nacional de Direitos Humanos), de 2009.

Antes do v�deo, uma narra��o faz a seguinte pergunta: "Voc� sabia que em 2010 o presidente Lula assinou o decreto PNDH-3 para censurar a imprensa e banir a religi�o crist� e dar direito de posse da terra a invasores? Mas o projeto foi barrado pelo Congresso. Acha que se ganhar a elei��o, ele n�o vai tentar novamente?".
A alega��o � falsa. O documento assinado por Lula n�o cita qualquer tipo de banimento da religi�o crist�. O decreto, que ainda est� em vigor, prop�e justamente o inverso: incentivar a liberdade religiosa e combater a discrimina��o.
O documento tamb�m n�o prev� censura � imprensa ou dar o direito de posse de terra a invasores. O v�deo foi compartilhado em diversas redes sociais. No TikTok, uma das postagens tem quase 100 mil visualiza��es.
Ele tamb�m foi compartilhado pelo senador Fl�vio Bolsonaro em suas p�ginas no Facebook e Instagram no dia 19 de agosto e retuitado pelo deputado Eduardo Bolsonaro a partir de outro perfil no Twitter em 25 de agosto.
A BBC News Brasil entrou em contato com os dois filhos do presidente, mas eles n�o responderam aos pedidos de coment�rio at� a publica��o desta reportagem.
Nas postagens do senador Flavio Bolsonaro, entre coment�rios de 'Lula nunca mais' e '#bolsonaro2022', uma usu�ria escreveu: "Isso precisa ser divulgado em todas redes sociais". Uma outra vers�o da mesma not�cia falsa foi postada pelo deputado Marco Feliciano no Facebook e Instagram em 20 de agosto.
Em 19 de agosto, Eduardo publicou no Twitter, Facebook e Instagram uma montagem afirmando que "Lula e PT apoiam invas�es de igrejas e persegui��o de crist�os". Na mesma imagem, h� recortes de not�cias sobre a persegui��o de religiosos na Nicar�gua e de declara��es do PT e de Lula sobre o presidente Daniel Ortega.
Ap�s um pedido da campanha do petista, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) determinou no in�cio de setembro a remo��o das publica��es, que n�o est�o mais no ar, por "deturpar e descontextualizar quatro not�cias a fim de gerar a falsa conclus�o, no eleitor, de que o ex-presidente Lula e o Partido dos Trabalhadores apoiam invas�o de igrejas e a persegui��o de crist�os".
A reportagem entrou em contato com a campanha de Lula, mas n�o obteve resposta.

Eduardo Bolsonaro j� tinha recebido ordens do TSE para tirar do ar um v�deo que, segundo o tribunal, apresentava de forma descontextualizada e editada um material cujo objetivo era dizer que Ciro Gomes, candidato � presid�ncia do PDT, prega a desarmonia entre as religi�es.
A postagem afirma, entre outras coisas, que Ciro "comparou igrejas com o narcotr�fico em 2018". "Os recortes s�o manipulados com o objetivo de prejudicar a imagem do candidato, emprestando o sentido de que ele seria contr�rio � f� cat�lica e odioso aos crist�os", escreveu o ministro Raul Ara�jo, do TSE, na decis�o.
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'Discurso de �dio para destruir as igrejas evang�licas'
As mensagens que fazem refer�ncia a uma amea�a de persegui��o aos crist�os n�o est�o apenas no Facebook, Instagram e Twitter. S�o compartilhadas tamb�m por usu�rios desconhecidos em aplicativos de mensagem como WhatsApp e Telegram, com muito menos controle das autoridades.
Segundo levantamento feito pelo Monitor de WhatsApp da UFMG a pedido da BBC News Brasil, a mensagem mais compartilhada nos mais de mil grupos p�blicos acompanhados na rede social desde o come�o do ano e que cont�m express�es como 'cristofobia', 'destruir as igrejas' e 'intoler�ncia religiosa' � tamb�m de ataque ao ex-presidente Lula.
A postagem diz, entre outras coisas, que o candidato "n�o tem apre�o por pastores e militares, faz um verdadeiro discurso de �dio para destruir as igrejas evang�licas" e foi enviada um total de 19 vezes por 6 usu�rios distintos em 15 dos grupos monitorados pelos pesquisadores.
A segunda mais repostada, por�m, tamb�m cont�m distor��es, mas contra o presidente Jair Bolsonaro.
"O povo de Deus abandonou Bolsonaro e suas mentiras, ele � o enviado da morte, fome, desgra�a e desemprego, que veio para destruir as igrejas evang�licas com pol�tica, e jogar irm�o contra irm�o", diz o texto, enviado 18 vezes por 3 usu�rios distintos em 10 grupos.

Entre as mensagens detectadas pela UFMG h� ainda uma que se refere a uma suposta "lei de prote��o dom�stica" em debate no Senado Federal que proibiria a prega��o religiosa. Ela foi enviada um total de 68 vezes por 49 usu�rios distintos e apareceu em 63 grupos.
A mensagem cita uma iniciativa debatida no Senado que teria como objetivo, entre outras coisas, determinar a pris�o religiosa por prega��es em hor�rios impr�prios e a san��o de congrega��es e fi�is. Segundo o coletivo Bereia, trata-se de uma not�cia falsa, e n�o existe Projeto de Lei em discuss�o denominado "Prote��o Dom�stica".
O texto em tramita��o mais pr�ximo ao citado � o PL 524/2015, que est� parado no Senado Federal e prev� estabelecer limites para emiss�o sonora nas atividades em templos religiosos, sem men��o � pris�o religiosa, proibi��o de prega��es ou limita��o da liberdade religiosa.
'Um alerta � igreja'
Mas nem todos os posts identificados pela reportagem s�o imediatamente reconhecidos como fake news. Enquanto alguns usam not�cias ou declara��es tirados do contexto com o objetivo de desinformar, outros simplesmente reproduzem o discurso que explora o temor de restri��o � liberdade religiosa.
Um v�deo em que o ex-presidente Lula aparece falando justamente do crescimento das fake news religiosas e acusa algumas pessoas de "fazer da Igreja um palanque pol�tico" foi compartilhado com frequ�ncia no final de semana de 20 e 21 de agosto e associado a um ataque a pastores e igrejas.
"Tem muita fake news religiosa correndo por esse mundo. Tem dem�nio sendo chamado de Deus e gente honesta sendo chamada de dem�nio", diz o petista na grava��o feita durante um com�cio. Em seguida, ele afirma que, em um eventual novo governo seu, o Estado ser� laico. "Eu, Luiz In�cio Lula da Silva, defendo Estado laico, o Estado n�o tem que ter religi�o, todas as religi�es t�m que ser defendidas pelo Estado", diz
"Igreja n�o deve ter partido pol�tico, tem que cuidar da f�, n�o de fariseus e falsos profetas que est�o enganando o povo de Deus. Falo isso com a tranquilidade de um homem que cr� em Deus."

Ao ser compartilhado nas redes sociais, por�m, o v�deo foi descrito como uma demonstra��o de �dio ou zombaria. "Mais uma vez Lula zomba da f� crist�. Desta vez, atacando o sacerd�cio e a honra de padres e pastores. INACEIT�VEL!", escreveu a deputada Carla Zambelli.
A BBC News Brasil procurou Zambelli, que afirmou em nota que "existe, sim, uma amea�a � liberdade do Cristianismo no Brasil, e n�o podemos ignorar isso t�o somente argumentando que vivemos em um pa�s majoritariamente crist�o".
"Os ataques ocorrem n�o apenas a templos e igrejas, mas a valores crist�os. A censura � manifesta��o religiosa � uma t�tica antiga de ideologias de esquerda, como no regime sovi�tico, que taxou igrejas, proibiu a venda e circula��o da B�blia Sagrada e praticou diversas campanhas antirreligiosas", disse ainda a deputada, que � autora de um projeto de lei para ampliar a legisla��o sobre crimes contra a liberdade religiosa.
O v�deo tamb�m foi repostado por Fl�vio, Eduardo e Carlos Bolsonaro e pelo deputado Marco Feliciano.
Carlos Bolsonaro n�o respondeu ao pedido de coment�rio feito pela reportagem. Em nota, Feliciano afirmou que suas postagens n�o se tratam de fake news e que parte de "premissas incontestes" quando faz alertas sobre a amea�a � liberdade religiosa dos crist�os.
"Desavisados, manipuladores e as esquerdas atribuem �s ideias conservadoras como fake news. Numa narrativa rasa dos assuntos que n�o lhes conv�m! Quando eu publico um alerta ao povo que me elegeu, crist�os evang�licos e conservadores, eu parto de premissas incontestes!", disse Marco Feliciano em nota enviada � BBC News Brasil.
"Em todos os pa�ses em que a esquerda socialista-comunista tomou o poder � for�a ou pela urnas, quando n�o conseguiu uma Igreja subserviente, partiu para a mais atroz persegui��o, como estamos assistindo na Nicar�gua, que persegue a Igreja Cat�lica expulsando freiras e fechando as emissoras de r�dio crist�s, regime que tem muitos amigos por aqui (Brasil). Completo: n�o se trata de falso temor, mas da sabedoria popular: 'o seguro morreu de velho'".

Mas a professora Marie Santini, da UFRJ, afirma que mensagens como as postadas pelos filhos e aliados de Bolsonaro geram desinforma��o e alardeiam p�nico sem apresentar evid�ncias que justifiquem esse temor.
"Entendemos fake news como algo que parece jornalismo, mas na verdade � s� propaganda. A desinforma��o � algo mais amplo, inclui teorias da conspira��o, distor��o de fatos, discursos de �dio e que citam a intoler�ncia e o �dio, por exemplo", diz Santini.
Em alguns dos v�deos compartilhados pelo pastor Silas Malafaia, a reportagem tamb�m identificou o discurso classificado como desinformativo pelos especialistas e que trata, por vezes de forma impl�cita, da amea�a de persegui��o aos crist�os.
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Em um v�deo postado em seu canal no YouTube em 4 de setembro e compartilhado tamb�m em suas p�ginas no Facebook, Instagram e Twitter, o pastor faz um "alerta" � sua igreja e fala sobre um avan�o "com toda for�a" contra os evang�licos.
"Ficamos chocados quando comunistas e �mpios rasgam a B�blia e tacam fogo nela. E quando os crentes rasgam a B�blia do seu cora��o apoiando gente que nos odeia e odeia nossos fundamentos e princ�pios?", diz Malafaia, no v�deo de cerca de 11 minutos.
"Eu estou dando um alerta, depois n�o chora. Porque meu irm�o, v�o vir em cima da igreja com toda for�a (...), porque n�s somos o �ltimo guardi�o contra aquilo que eles creem e acreditam."
O v�deo tem mais de 150 mil visualiza��es no YouTube. Um trecho compartilhado no perfil de Malafaia no Instagram tem 84 mil curtidas.
A reportagem procurou o pastor Silas Malafaia, que afirmou que suas postagens n�o s�o fake news e que suas manifesta��es fazem parte de seu direito de express�o. "A minha fala n�o tem rela��o com persegui��o. O que estou dizendo � que n�o podemos apoiar um candidato que � contra nossas cren�as, valores e fundamentos", disse.
Como exemplos de medidas que corroboram sua vis�o, Malafaia citou a PLC 122/2006, que criminaliza a homofobia, como um projeto cujo objetivo era "botar padre e pastor na cadeia que impedisse que gays dessem beijo no p�tio da igreja" e que foi apoiado pelo PT.
Em sua reda��o final aprovada na C�mara dos Deputados, antes de ser enviado ao Senado, a proposta citada pelo pastor n�o mencionava padres ou pastores. Um dos artigos previa pena de reclus�o de dois a cinco anos para quem impedisse ou restringisse a express�o e a manifesta��o de afetividade em locais p�blicos ou privados abertos ao p�blico por discrimina��o ou preconceito de g�nero, sexo, orienta��o sexual e identidade de g�nero. O projeto, por�m, foi arquivado.
Malafaia disse ainda que, durante seu governo, a ex-presidente Dilma Rousseff "promoveu atrav�s do secret�rio Rachid da Receita Federal persegui��o �s igrejas". "Eu sou um que sofreu persegui��o e multas violentas, de pura maldade", disse � BBC News Brasil.
'Cristofobia'
O uso do tema da persegui��o a crist�os pela esquerda, por�m, n�o � novo. O discurso remonta �s elei��es de 1989, quando o PT lan�ou Lula candidato pela primeira vez e apoiadores de Fernando Collor de Mello usaram o imagin�rio da amea�a comunista relacionada ao PT e o discurso de que ele fecharia as igrejas para apoiar sua campanha.
A narrativa foi retomada com mais for�a mais recentemente, nas elei��es municipais de 2020, sob o r�tulo do termo "cristofobia". Dentro das esferas evang�licas, o termo tem sido usado para se referir a persegui��es sofridas por adeptos do cristianismo em diversos pa�ses, principalmente em locais onde eles s�o minoria. Bolsonaro usou a express�o em discurso na ONU naquele ano.
"H� alguns anos, eram mais comuns as postagens que identificavam casos de persegui��o a crist�os no Oriente M�dio, na China e em pa�ses ligados ao comunismo. As mensagens criavam um certo p�nico em torno disso e chamavam os crist�os brasileiros para que tivessem solidariedade", afirma Magali Cunha.
"Mas de 2020 para c�, temos observado que se est� trazendo para a realidade do Brasil esse tipo de abordagem."

O antrop�logo Fl�vio Conrado � assessor de campanhas do grupo de pesquisa Casa Galileia e coordena um projeto de monitoramento de perfis crist�os nas redes sociais.
Segundo ele, a narrativa de persegui��o religiosa tem objetivo de atingir especialmente os grupos evang�licos, mas em muitos momentos tamb�m acaba por chamar a aten��o de cat�licos mais conservadores.
"Algumas das vozes por tr�s das postagens usam uma estrat�gia de se associar aos cat�licos e passam a falar em nome dos crist�os como um todo", diz. Para Conrado, o objetivo por tr�s da campanha de desinforma��o � usar o temor de um ambiente de persegui��o para atrair votos.
De acordo com D�bora Salles, o discurso de amea�a � liberdade religiosa dos crist�os tamb�m se mistura de forma intensa com uma outra narrativa que vem sendo difundida com frequ�ncia nas redes sociais — a de que existe uma "guerra" de valores morais entre evang�licos e a esquerda.
"Essas narrativas se baseiam em uma l�gica populista em que tenta se criar a ideia de que h� uma guerra pol�tico cultural em que os evang�licos deveriam se juntar pela defesa dos seus valores, que est�o amea�ados por uma esquerda associada a institui��es democr�ticas, � m�dia tradicional e a figuras importantes do cen�rio cultural", explica a pesquisadora
Em alguns de seus v�deos para as redes sociais, o vereador mineiro Nikolas Ferreira (PL-BH) d� voz a esse discurso.
"Esse v�deo � um alerta para abrir os nossos olhos para a guerra silenciosa que estamos vivendo", diz ele em um v�deo de mar�o, em que fala sobre uma "doutrina��o" nas escolas e universidades e cita a cria��o de um ex�rcito pelo que define como "o inimigo" dos crist�os.
Em outra postagem, associa a campanha do ex-presidente Lula � ditadura da Nicar�gua e � invas�o de igrejas. "Essa galerinha de esquerda gosta de invadir uma igreja n�? Imagina quantas igrejas n�o ser�o invadidas se o Lula estiver no poder?", diz no v�deo, que tem mais de 500 mil curtidas.
O vereador de 26 anos tem uma grande comunidade de f�s nas redes, com 3,1 milh�es de seguidores no Instagram e 1,4 milh�o no TikTok.
Nikolas Ferreira, enviou a seguinte nota � reportagem: "Eu n�o me baseei em achismo ou levantei meras suposi��es, mas expus fatos que evidenciam igrejas sendo invadidas, imagens sendo quebradas e profanadas nos pa�ses da Am�rica Latina. A persegui��o j� existe. Inclusive, o amigo do Lula, Daniel Ortega, est� fechando r�dios cat�licas e perseguindo fi�is na Nicar�gua. Desinformar � dizer o contr�rio."
Segundo o antrop�logo Fl�vio Conrado, tamb�m s�o comuns os conte�dos desinformativos que, por exemplo, associam o PLC 122/2006, projeto de lei chamado informalmente de "projeto anti-homofobia", apresentado em 2001 para punir criminalmente discrimina��o de g�nero e de orienta��o sexual, com a persegui��o a pastores e o fechamento de igrejas.
A proposta foi arquivada no final de 2014, mas em junho de 2019 o STF decidiu pela criminaliza��o da homofobia e da transfobia, com a aplica��o da Lei do Racismo (7.716/1989).
Em um v�deo compartilhado no in�cio de agosto, o deputado Marco Feliciano afirma que pastores de todo o Brasil est�o sendo perseguidos e processados por se recusarem a celebrar casamentos entre pessoas do mesmo. "A liberdade de consci�ncia e cren�a est� em jogo. A Igreja precisa resistir!!!", escreveu na legenda.
Mas h� ou n�o persegui��o a crist�os no Brasil?
Todos os anos, a ONG internacional Portas Abertas, que auxilia crist�os que sofrem opress�o por conta de sua religi�o, produz um ranking dos 50 pa�ses onde seguidores do cristianismo s�o mais perseguidos por causa de sua f�.
O estudo � feito a partir de relatos de incidentes de viol�ncia. Na edi��o de 2022 do ranking, os �nicos pa�ses da Am�rica Latina citados como localidades onde h� persegui��o severa s�o Col�mbia (30ª posi��o), Cuba (37ª) e M�xico (43ª).
H� ainda uma lista de pa�ses em observa��o, que engloba outras 26 na��es — entre elas est�o Nicar�gua (61°), Venezuela (65°), Honduras (68°) e El Salvador (70°). O ranking � elaborado anualmente e a edi��o atual foi feita entre setembro de 2020 e outubro de 2021, o que significa que a classifica��o de alguns pa�ses pode mudar na pr�xima publica��o.
O governo da Nicar�gua, citado em muitos dos conte�dos desinformativos identificados pela reportagem, tem sido, de fato, denunciado por repress�o � Igreja Cat�lica no pa�s. A tens�o entre o Executivo do presidente Daniel Ortega e a institui��o cresceu desde que o clero forneceu abrigo a estudantes envolvidos nos protestos de 2018.
Mas desde que a lista do Portas Abertas come�ou a ser feita, h� quase 30 anos, o Brasil n�o aparece no ranking e � classificado como livre de persegui��o.
Segundo o soci�logo Clemir Fernandes, pesquisador do Instituto de Estudos da Religi�o (Iser) e pastor da Igreja Batista, o discurso em torno da cristofobia sequer faz sentido em um pa�s como o Brasil, onde 86,8% da popula��o se identifica como crist�, entre cat�licos e evang�licos, segundo dados do censo de 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica).
"N�o � poss�vel falar de persegui��o a um grupo que n�o s� � majorit�rio numericamente, como tamb�m tem grande representa��o nos poderes Executivo, Legislativo e Judici�rio e na cultura brasileira", diz.
Ainda de acordo com o pesquisador, o ambiente de confian�a criado em torno das igrejas evang�licas e os la�os formados entre os fi�is facilita a difus�o dos conte�dos falsos nesse ambiente.
"Muitas pessoas podem julgar as informa��es passadas nos grupos evang�licos como verdadeiras porque n�o verificam a sua veracidade, mas tamb�m porque elas foram repassadas por irm�os de f�", diz Clemir Fernandes.

Mas h� preconceito?
Embora n�o haja evid�ncias de persegui��o concreta a crist�os no Brasil, pesquisadores afirmam que h� "arrog�ncia" e "preconceito", especialmente por parte da elite de esquerda, ao falar sobre evang�licos.
No segundo turno da elei��o de 2018, o ent�o candidato do PT � Presid�ncia, Fernando Haddad, chamou o pastor Edir Macedo, fundador da Igreja Universal, de "representante do fundamentalismo charlat�o".
Para o historiador e antrop�logo Juliano Spyer, isso custou votos a Haddad e deu muni��o a segmentos evang�licos que defendiam um apoio formal de suas igrejas a Bolsonaro.
"As camadas m�dias e altas do Brasil t�m uma vis�o fora de foco do Brasil popular e ignoram esse fen�meno [evang�lico]. Isso � problem�tico, porque generaliza a imagem de um grupo de brasileiros com imensa import�ncia cultural, econ�mica e pol�tica", diz Spyer, que � autor do livro O Povo de Deus: Quem s�o os evang�licos e por que eles importam.
"Ao tratar os evang�licos de forma desrespeitosa, arrogante, desinformada e com uma s�rie de cr�ticas por serem religiosos, estamos abrindo m�o do di�logo com as pessoas que t�m valores conservadores".
'Realmente acho que pode acontecer aqui no Brasil'
Luciana Casa Grande, de 40 anos, frequenta uma Igreja Batista em S�o Jos� dos Campos, S�o Paulo. Assim como muitos outros evang�licos no pa�s, ela vem sendo exposta nas redes sociais a conte�dos que alardeiam uma amea�a � liberdade religiosa dos crist�os.
"Leio com frequ�ncia postagens e not�cias nas redes sociais que falam sobre invas�es, inc�ndios e atentados em igrejas ou assassinatos de crist�os na �frica e em outros lugares", afirmou a arquiteta � BBC News Brasil. "Pela intoler�ncia que vejo, principalmente dos partidos de esquerda ou daqueles que se autodenominam socialistas ou comunistas, realmente acho que pode acontecer aqui no Brasil."
Luciana afirma acompanhar com frequ�ncia o perfil de alguns dos aliados de Jair Bolsonaro citados pela reportagem, como Nikolas Ferreira e a vereadora Sonaira Fernandes (PL-SP), outra aliada de Jair Bolsonaro que d� voz ao discurso desinformativo de persegui��o religiosa.
Em um post na p�gina do Instagram de Fernandes, em que a vereadora que se autodenomina crist� fala sobre a possibilidade de ataques ao cristianismo no Brasil a partir de um v�deo de uma homilia de um bispo cat�lico, Luciana expressou sua apreens�o: "Deus � maior! � hora dos crist�os se posicionarem e se colocarem � disposi��o de Nosso Senhor Jesus Cristo!", escreveu a paulista nos coment�rios.
Em nota enviada � reportagem, a vereadora Sonaira Fernandes disse que � crist� "antes de ser qualquer outra coisa, e tenho todo direito de expressar minhas convic��es religiosas, conforme prev� a Constitui��o".
"Diz o fil�sofo Luiz Felipe Pond� que o �nico preconceito ainda socialmente aceito no Brasil � contra evang�licos e cat�licos. Isso fica evidente quando uma declara��o minha, que reflete minha cosmovis�o crist�, � demonizada e criminalizada", afirma.

Luciana j� tem seu candidato � presid�ncia definido: "Vou votar no Bolsonaro, principalmente porque ele defende as coisas em que eu acredito", diz.
"Gosto da defesa que ele faz pelo fim da sexualiza��o das crian�as. A quest�o do aborto tamb�m, eu sou contra o aborto".
Algumas informa��es que circulam nas redes sociais sobre o ex-presidente Lula tamb�m influenciaram Luciana no momento de escolher seu candidato. "Temos ouvido falar que o Lula vai colocar os padres e os pastores em seu devido lugar. Sempre faz um ataque nesse sentido", diz a arquiteta.
"Vi na internet e em cortes de v�deos, mas n�o me lembro onde exatamente. Leio muita coisa, n�o fico catalogando."
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62985337
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