
O presidente acusou a Corte de "interferir" em seu governo, xingou ministros, defendeu que precisam ser "enquadrados" e amea�ou descumprir suas decis�es.
Bolsonaro falou ainda que sofre uma "persegui��o" com o intuito de desgastar o seu governo e prejudic�-lo por conta de uma "obsess�o" por tir�-lo da Presid�ncia e impedir sua reelei��o.
O presidente �, no entanto, bem menos vocal sobre momentos em que o STF tomou decis�es a seu favor, detalhados nesta reportagem a partir de um levantamento feito pela BBC News Brasil.
Na verdade, analistas que acompanham o Judici�rio afirmam que o Supremo cumpriu durante o governo Bolsonaro o papel esperado de um tribunal constitucional e que o discurso anti-STF do presidente n�o corresponde aos fatos e � uma estrat�gia pol�tica.
Procurado pela BBC News Brasil, o Planalto n�o respondeu at� a publica��o desta reportagem.
Os analistas destacam ainda que o Supremo buscou inclusive uma concilia��o com Bolsonaro, teve cautela em a��es penais que o afetam diretamente e n�o barrou pol�ticas importantes para seu governo ou sua campanha pela reelei��o.
Todos os ministros do STF proferiram votos ou tomaram decis�es em algum momento ou outro que beneficiaram o presidente e seus familiares e aliados.
Esses momentos, listados a seguir, ajudam a compreender melhor n�o s� como o Supremo agiu durante o governo Bolsonaro, mas a pr�pria din�mica do STF em si.
Janeiro/2019: Luiz Fux suspende investiga��es contra Fabr�cio Queiroz e Fl�vio Bolsonaro
Era o primeiro m�s do governo, e uma den�ncia de corrup��o rondava o presidente.
Um promotor havia afirmado que poderia denunciar criminalmente seu filho mais velho, o senador Fl�vio Bolsonaro (PL-RJ), e seu ex-assessor Fabr�cio Queiroz por suspeitas dos crimes de organiza��o criminosa, lavagem de dinheiro e peculato.
Queiroz e Fl�vio eram investigados pelo Minist�rio P�blico (MP) por movimenta��es financeiras de R$ 1,2 milh�o na conta do ex-assessor identificadas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) enquanto Queiroz trabalhava para Fl�vio quando ele era deputado estadual.
Queiroz diz que ganhou o dinheiro vendendo carros, mas o MP afirmou que haveria um esquema de "rachadinhas" no gabinete de Fl�vio em que os funcion�rios repassariam parte dos sal�rios para Queiroz.
A investiga��o encontrou transfer�ncias entre o ex-assessor e uma de suas filhas, que trabalhava no gabinete do ent�o deputado federal Jair Bolsonaro na C�mara. E, no per�odo investigado, Queiroz fez dep�sitos na conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro. O presidente disse que Queiroz pagou um empr�stimo.

Fl�vio Bolsonaro tamb�m negou qualquer crime e pediu na �poca que o Supremo considerasse as provas contra ele ilegais porque o Coaf teria repassado ao MP informa��es sigilosas sobre ele sem autoriza��o do Judici�rio.
Tamb�m argumentou que ele teria direito a foro privilegiado por ser senador e que seu caso deveria ficar a cargo do Supremo e n�o da Justi�a comum, como vinha ocorrendo.
O Judici�rio estava em recesso, e o ministro Luiz Fux, vice-presidente do tribunal na �poca, estava de plant�o e atendeu o pedido. Fux concedeu uma liminar que paralisou as investiga��es at� que o caso fosse analisado pelo relator, o ministro Marco Aur�lio Mello.
"Foi uma decis�o importante, porque era uma den�ncia de um grande esquema de corrup��o envolvendo Bolsonaro, e o caso ficou atravancado naquele momento", diz Wallace Corbo, professor de Direito da Funda��o Get�lio Vargas (FGV). Bolsonaro, Fl�vio e Queiroz sempre negaram qualquer envolvimento em irregularidades.
O cientista pol�tico Pablo Holmes, da Universidade de Bras�lia (UnB), destaca que o caso tinha o potencial de "arranhar a imagem" de Bolsonaro, eleito com uma campanha fortemente calcada no discurso anticorrup��o, logo no come�o de seu governo. "Acho que foi crucial", afirma.
Diego Werneck, professor de Direito do Insper, diz que, nesta �poca, havia d�vidas sobre como seria o comportamento do Supremo no governo Bolsonaro.
"O Toffoli vinha sinalizando uma coopera��o entre os poderes, e n�o se sabia ainda se o tribunal estaria disposto a conter o presidente e se conseguiria fazer isso", afirma.
Corbo avalia ainda que a decis�o monocr�tica de Fux, como � chamada aquela proferida por um �nico ministro, pode ter sido tomada "para contemporizar com o presidente e gerar estabilidade pol�tica".
No entanto, Marco Aur�lio rejeitou o pedido assim que o tribunal voltou a funcionar no m�s seguinte. Ele explicou que Fl�vio n�o tinha direito ao foro e mandou as investiga��es continuarem.
Julho/2019: Dias Toffoli suspende processos com dados banc�rios compartilhados sem autoriza��o judicial

Atendendo a um pedido de Fl�vio Bolsonaro, o ministro Dias Toffoli suspendeu investiga��es que tivessem como base dados sigilosos compartilhados pelo Coaf, pela Receita Federal e o Banco Central sem autoriza��o judicial.
A decis�o veio no recesso do Judici�rio de meio de ano, e era o plant�o do ent�o presidente do STF.
Toffoli argumentou que as investiga��es deveriam esperar uma decis�o definitiva do Supremo a respeito para que os processos n�o fossem anulados depois.
Na pr�tica, a decis�o paralisou por seis meses centenas de casos, entre eles o do filho do presidente, que come�ou a ser investigado a partir de informa��es compartilhadas pelo Coaf depois que a Justi�a do Rio autorizou a quebra do seu sigilo banc�rio.
Holmes destaca que a decis�o neste caso foi "controversa". "O Coaf vinha agindo desta forma h� anos e estava cumprindo seu papel, e Toffoli barrou isso. Por que n�o fez antes?", questiona.
Corbo avalia que a decis�o ter sido proferida pelo ent�o presidente do STF a torna mais significativa. "A decis�o foi monocr�tica, mas tem um car�ter tamb�m institucional, como se ele estivesse falando em nome do Supremo. De novo, acho que a l�gica da contemporiza��o com o governo prevaleceu."
Werneck concorda. "Quem estava imaginando que o STF tentaria evitar conflitos com Bolsonaro entendeu essa decis�o como evid�ncia disso."
Setembro/2019: Gilmar Mendes suspende investiga��es contra Fl�vio Bolsonaro
Os advogados de Fl�vio Bolsonaro alegaram que, mesmo depois da decis�o de Toffoli, os processos contra ele continuaram a andar e entraram com um novo pedido no Supremo.
O ministro Gilmar Mendes concordou e determinou a suspens�o de todas as a��es que envolviam a quebra de sigilo do senador at� que o plen�rio julgasse a quest�o.
Corbo afirma que a decis�o frustrou temporariamente "a expectativa que havia na �poca de que se confirmasse eventuais esquema de corrup��o envolvendo a fam�lia Bolsonaro".
Holmes destaca que, em 2019, o governo Bolsonaro ainda n�o tinha conseguido formar uma coaliza��o pol�tica para se fortalecer e estava sob press�o do Congresso.
"Tudo que Bolsonaro mandava para l� n�o passava, e a decis�o barra um esc�ndalo de corrup��o em um momento de fraqueza do governo", diz.
Por�m, em dezembro, o plen�rio do STF decidiu, por 10 votos a 1, que as informa��es podem ser repassadas sem permiss�o da Justi�a e estabeleceu regras para isso. Marco Aur�lio foi o �nico contra.

Mar�o/2020: Ministros arquivam den�ncias contra Bolsonaro na pandemia
A pandemia de covid-19 foi declarada, e n�o demorou para Jair Bolsonaro ser alvo de v�rias den�ncias por causa de seu comportamento diante da crise.
O presidente foi acusado de cometer crimes ao contrariar as recomenda��es de isolamento em manifesta��es e atos p�blicos e ter criticado essas medidas, supostamente contribuindo para a propaga��o do v�rus.
No entanto, a Procuradoria-Geral da Rep�blica (PGR), sob o comando de Augusto Aras, indicado por Bolsonaro, concluiu que Bolsonaro n�o havia cometido crimes e disse que as a��es deveriam ser arquivadas.
Ricardo Lewandowski e Marco Aur�lio seguiram a recomenda��o. Marco Aur�lio voltaria a arquivar outra den�ncia contra Bolsonaro pelo mesmo motivo um ano depois.
Corbo destaca que Marco Aur�lio estava prestes a se aposentar e poderia ter decidido de forma contr�ria sem sofrer grandes consequ�ncias por isso.
"Marco Aur�lio era conhecido por ter interpreta��es minorit�rias e decidir de forma pol�mica. � dif�cil dizer quais incentivos o levaram a agir assim e se havia algum alinhamento com o bolsonarismo que era desconhecido na �poca", afirma.
O professor da FGV resume que a manifesta��o gerou "frustra��o" na �poca. "Era um momento pand�mico, e havia uma expectativa de responsabiliza��o do governo."
Mas, conforme destaca Holmes, n�o havia como o STF processar o presidente por um crime comum sem o apoio da PGR. "Embora houvesse uma como��o social e o presidente tivesse uma baixa popularidade, o que dava espa�o para alguma contesta��o se o Supremo estivesse mesmo perseguindo ele", complementa.
Werneck ressalta que, na �poca, estavam chegando ao tribunal muitas den�ncias contra Bolsonaro porque "a PGR n�o estava sinalizando uma disposi��o" em fazer isso.
"Mas � natural que o Supremo tenha cautela diante da in�rcia da PGR. Isso n�o quer dizer que tenha sido generoso demais. O tribunal n�o pode aceitar toda e qualquer queixa-crime contra o presidente."

Maio/2020: Plen�rio flexibiliza regras fiscais e or�ament�rias no combate � pandemia
O plen�rio do STF decidiu que a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei de Diretrizes Or�ament�rias de 2020 n�o poderiam impedir a cria��o e expans�o de programas p�blicos para combater a pandemia de covid-19.
O pedido de flexibiliza��o partiu da Advocacia-Geral da Uni�o (AGU), um �rg�o do governo.
O julgamento confirmou uma decis�o de Alexandre de Moraes, tomada dois meses e meio antes. O ministro argumentou que a pandemia era imprevis�vel e que n�o teria sido poss�vel prever a��es para enfrentar a crise.
A decis�o foi v�lida para todos os entes da federa��o que tinham declarado estado de calamidade p�blica - isso ocorreu no �mbito federal com um decreto legislativo aprovado em mar�o daquele ano.
"O pr�prio presidente procurou o STF para se ver livre das amarras da lei de responsabilidade fiscal durante a pandemia e teve seu pleito atendido", avalia Elo�sa Machado, professora de Direito da FGV.
Holmes diz que a decis�o ocorreu em um momento em que havia um consenso social de que n�o seria poss�vel aplicar essas regras.
"O Supremo poderia ter sido contra, porque, do ponto de vista legal, � um absurdo, ainda mais diante de um governo fraco. O STF deu uma m�ozinha para Bolsonaro", diz.
Corbo destaca que o Supremo se colocou neste momento como um viabilizador das pol�ticas p�blicas contra a pandemia. "O STF tinha como justificar uma decis�o que impediria essas a��es, mas teria que assumir um �nus elevad�ssimo."
Setembro/2020: Marco Aur�lio Mello suspende inqu�rito sobre interfer�ncia de Bolsonaro na PF

Uma grande crise se abriu no governo quando Sergio Moro saiu do governo acusando o presidente de tentar interferir na Pol�cia Federal (PF).
O ex-ministro da Justi�a e Seguran�a P�blica afirmou que Bolsonaro quis trocar o comando da pol�cia para ter acesso a informa��es sobre investiga��es sobre sua fam�lia. O presidente nega.
A PGR pediu para Bolsonaro ser investigado, e o ministro Celso de Mello, relator do caso, aceitou. Mas a AGU protestou contra a determina��o que Bolsonaro depusesse pessoalmente e defendeu que ele poderia fazer isso por escrito.
A PGR disse que Bolsonaro poderia escolher como faria seu depoimento. Celso de Mello discordou e determinou que Bolsonaro fosse pessoalmente.
A AGU recorreu de novo, e a decis�o coube a Marco Aur�lio Mello, que a jogou para o plen�rio e suspendeu o processo at� l�. Os ministros se reuniram em outubro, mas a sess�o foi suspensa ap�s Celso de Mello votar contra o depoimento por escrito.
Holmes avalia que a decis�o "n�o foi usual". "N�o se costuma trancar um inqu�rito. O juiz que faz isso est� interferindo na atividade policial."
O inqu�rito ficou parado por dez meses e s� foi retomado quando Alexandre de Moraes assumiu a relatoria, depois que Celso de Mello se aposentou. O ministro argumentou que a PF tinha dilig�ncias a cumprir e que poderia fazer isso independentemente do depoimento.
O julgamento recome�ou em outubro de 2021, mas foi de novo suspenso depois que Bolsonaro aceitou depor pessoalmente. Ele fez isso no m�s seguinte.
Dezembro/2020: Kassio Nunes Marques suspende lei que pro�be pesca de arrasto no RS
Em novembro de 2020, o primeiro indicado por Jair Bolsonaro para o STF, Kassio Nunes Marques, tomou posse.
No m�s seguinte, o ministro concedeu uma liminar que suspendeu uma lei que pro�be a pesca de arrasto na costa do Rio Grande do Sul, criada em 2018 porque a pr�tica foi considerada prejudicial ao meio ambiente.
O pedido foi feito pelo Partido Liberal (PL), que fazia parte da base de apoio de Bolsonaro e ao qual o presidente se filiaria um ano depois. A legenda alegou que a lei � inconstitucional porque caberia exclusivamente � Uni�o legislar sobre a �rea mar�tima.
O pedido havia sido recusado um ano antes por Celso de Mello, ent�o relator do caso. O ministro concluiu que os Estados podem legislar sobre a pesca em defesa do meio ambiente.
Mas o PL pediu para o Supremo reconsiderar, e Nunes Marques, que assumiu a vaga de Mello depois que ele se aposentou, assumiu o caso.
Nunes Marques concedeu liminar e se justificou acrescentando que a proibi��o poderia prejudicar o sustento dos pescadores locais.
Na campanha para presidente, Bolsonaro havia prometido que pediria ao governo ga�cho para revogar a lei e parabenizou Nunes Marques publicamente pela liminar.

Corbo, da FGV, diz que a manifesta��o do ministro foi "emblem�tica". "Foi contra at� mesmo � l�gica do Supremo de defesa do meio ambiente e deu o tom da sua postura nos anos seguintes."
Holmes avalia que a decis�o foi controversa juridicamente e que o ministro atuou desde que assumiu de forma "muito dissonante" do restante do tribunal. "Sempre muito alinhado com o presidente", diz.
Um ano depois, Bolsonaro diria, ao se referir ao ministro: "Hoje, eu tenho 10% de mim dentro do Supremo".
"� dif�cil para o ministro conviver com o fato de que o presidente que o indicou est� constantemente dizendo que Nunes Marques joga no time dele", avalia Diego Werneck, do Insper.
"Diante disso e como ele costuma decidir sistematicamente alinhado com o presidente, fica dif�cil n�o ler suas decis�es sob a chave de que ele atua conforme os interesses de Bolsonaro."
Depois de quase dois anos, Nunes Marques ainda n�o enviou o caso para ser analisado pelo plen�rio.
Maio/2021: Marco Aur�lio Mello arquiva pedido para investigar Bolsonaro no caso dos dep�sitos de Queiroz para Michele Bolsonaro
O ministro mandou arquivar um pedido de investiga��o para investigar o poss�vel envolvimento do presidente no caso dos R$ 89 mil em cheques depositados por Fabr�cio Queiroz na conta da primeira-dama, Michele Bolsonaro, entre 2011 e 2016.
O pedido foi feito pelo advogado Ricardo Bretanha Schmidt. A PGR foi contra e disse que n�o havia encontrado ind�cios de crimes do presidente.
Marco Aur�lio Mello, relator do caso, seguiu a avalia��o da PGR. Mas Schmidt recorreu, e o ministro levou o caso ao plen�rio. Dois meses depois, por 10 votos a 1 (Edson Fachin foi o �nico contr�rio), o STF arquivou de vez o pedido.
"De novo, uma decis�o do STF tomada a partir da posi��o da PGR frustrou a expectativa de responsabiliza��o do presidente e seu n�cleo pol�tico", avalia Corbo.
"Vira uma quest�o quantitativa, do n�mero de decis�es no mesmo sentido que se acumulam."
O professor da FGV diz que, se o STF tivesse uma inclina��o contra Bolsonaro, poderia ter autorizado a investiga��o e ganho poder pol�tico contra o presidente. "Mas acabou favorecendo ele ao impedir que o caso prosseguisse."
Werneck afirma que este � mais um caso em que o STF teria dificuldade de agir de outra forma por causa da posi��o da PGR. "N�o d� para ignorar isso, porque � o �rg�o que tem prerrogativa de oferecer uma a��o penal no Supremo por atos cometidos por pessoas com foro privilegiado", diz.
"O problema � que, no fim das contas, nada do que Bolsonaro fez mereceu, na vis�o da PGR, algum tipo de considera��o sob forma de a��o penal. Aras n�o precisaria concordar que � crime, mas outra coisa � dizer que n�o h� uma d�vida razo�vel. Isso � estranho para um presidente radical que coleciona pedidos de impeachment."
Holmes diz que a decis�o amenizou o desgaste que o caso vinha gerando para Bolsonaro. Mas ressalta, no entanto, que abrir investiga��es contra o presidente a cada den�ncia que chega o impediria de governar.
"Vira ca�a �s bruxas. Inclusive, o presidente n�o pode ser investigado por atos que n�o envolvam seu mandato enquanto ele estiver no cargo."
Junho/2021: Ministros suspendem quebras de sigilo da CPI da Covid
A Comiss�o Parlamentar de Inqu�rito aberta no Senado para apurar as a��es e omiss�es do governo na pandemia de covid-19 gerou um enorme desgaste para Bolsonaro.
Integrantes do governo tiveram seus sigilos quebrados para apurar poss�veis irregularidades. No entanto, ministros do STF barraram a devassa em alguns casos.
Kassio Nunes Marques, por exemplo, concluiu que os pedidos de quebra de sigilos telef�nico e telem�tico de Elcio Franco e H�lio Angotti, que trabalharam no Minist�rio da Sa�de sob o comando do general Eduardo Pazuello, foram gen�ricos e n�o justificavam o acesso aos dados.
A quebra dos sigilos de comunica��es e banc�rio de outro assessor de Pazuello, Zoser Plata, tamb�m foi suspensa por Dias Toffoli, que considerou que o pedido da CPI foi baseado em argumentos gen�ricos e n�o tinha uma boa justificativa para isso.
Nunes Marques tamb�m tamb�m considerou "precipitada e sem base jur�dica" a quebra de sigilo banc�rio, fiscal, telef�nico e telem�tico da Calia Comunica��o, ag�ncia que havia sido contratada pela Secretaria de Comunica��o da Presid�ncia da Rep�blica para fazer uma campanha sobre "cuidado precoce".
Em agosto, Lu�s Roberto Barroso suspendeu a quebra de comunica��es de dois servidores da Sa�de porque o pedido n�o estava "adequadamente fundamentado".

Quatro meses depois, Alexandre de Moraes suspendeu a quebra de sigilo telem�tico do presidente Jair Bolsonaro por n�o consider�-la "razo�vel". O ministro argumentou que havia outras vias mais adequadas para pedir esses dados caso fosse necess�rio.
"Essas decis�es monocr�ticas no contexto da CPI refor�am o ponto que o Supremo, ainda mais em decis�es individuais, pode agir de uma forma que n�o vai contra os interesses de Bolsonaro", ressalta Werneck.
Corbo ressalta que, embora a comiss�o possa quebrar o sigilo de investigados, h� limites para isso. "Isso de qualquer forma acabou enviando uma mensagem p�blica de limita��o da capacidade da CPI de investigar o governo", afirma.
"Tem casos que podem ser absurdos, uma CPI n�o pode sair quebrando o sigilo de todo mundo, e cabe ao STF controlar", concorda Holmes.
"Mas, estando o STF certo ou n�o juridicamente, do ponto de vista objetivo, isso beneficiou o governo em um momento de extrema fragilidade."
Novembro/2021: STF mant�m foro privilegiado de Fl�vio Bolsonaro
A Segunda Turma do Supremo, por 3 votos a 1, manteve o foro privilegiado do filho do presidente no caso das supostas rachadinhas.
Uma decis�o da Justi�a do Rio havia reconhecido que Fl�vio Bolsonaro tinha direito ao foro, e o MP recorreu ao STF porque a decis�o contrariava um entendimento da Corte de que isso era restrito a casos que tenham rela��o com o mandato ou exerc�cio do cargo.
Fl�vio Bolsonaro havia sido denunciado pelo MP por suspeita de ter se apropriado dos sal�rios de funcion�rios de seu gabinete quando era deputado estadual e participado de um suposto desvio de R$ 6 milh�es.
Para o MP, Fl�vio s� teria direito ao foro se estivesse sendo investigado por suas a��es como senador.
Mas Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Kassio Nunes Marques entenderam que a tese n�o se aplicava aos mandatos cruzados, quando um parlamentar deixa um cargo legislativo para exercer outro. Edson Fachin foi o �nico contr�rio.
No mesmo julgamento e pelo mesmo placar, tamb�m foram anulados quatro dos cinco relat�rios do Coaf de movimenta��es financeiras do senador que embasaram as investiga��es por causa de irregularidades detectadas na sua elabora��o. Isso esvaziou o inqu�rito na pr�tica.
"Levou � estaca zero toda a discuss�o, mesmo diante de um tema controverso no STF, que decidiu em v�rios sentidos sobre isso ao longo do tempo", refor�a Corbo.
"O STF deu um cavalo de pau jur�dico, contrariou seu pr�prio precedente e matou o caso", concorda Holmes.
Werneck considera que o racional que favoreceu o filho do presidente foi "heterodoxo". "O Supremo disse que era um caso novo, que n�o tinha tido a oportunidade de apreciar, e v� l�, isso � verdade, mas s�o argumentos ousados", diz.
Novembro/2021: Rosa Weber nega liminar contra PEC dos Precat�rios

A ministra negou tr�s pedidos de liminar feitos pela oposi��o para suspender a tramita��o e anular a aprova��o em primeiro turno na C�mara da PEC dos Precat�rios.
A PEC permitiria o parcelamento a partir de 2022 do pagamento das d�vidas do poder p�blico determinadas por a��es na Justi�a e alterava a regra do teto de gastos do governo para abrir espa�o no or�amento para o pagamento do Aux�lio Bras�l de R$ 400 na �poca.
As a��es alegavam irregularidades na tramita��o que contrariavam a Constitui��o, por�m Weber disse que era uma quest�o interna do Congresso e que n�o havia uma urg�ncia que justificasse uma interven��o.
Holmes avalia que, nesta quest�o da PEC, o STF n�o enfrentou o governo Bolsonaro, mesmo que a medida seja "uma irresponsabilidade fiscal". "A conta vai ficar para o pr�ximo governo", diz.
Embora a decis�o tenha favorecido o governo, Corbo explica que era esperada. "A tramita��o de uma PEC s� � suspensa se h� uma viola��o muito clara aos par�metros constitucionais", diz.
"Se Rosa fosse movida por quest�es pol�ticas, poderia ter agido diferente e gerado problemas de governabilidade para Bolsonaro, mas ela � muito t�cnica e comprometida com a jurisprud�ncia."
Para Werneck, esse � um exemplo do "Supremo cl�ssico de sempre". "Se for uma quest�o central para a agenda do governo, o STF vai ter cuidado."
Junho/2022: C�rmen L�cia decreta sigilo em inqu�rito sobre interfer�ncia de Bolsonaro em investiga��o no MEC

Em uma conversa por telefone com sua filha, o ex-ministro da Educa��o Milton Ribeiro afirmou que o presidente havia lhe dito que havia tido um "pressentimento" de que Ribeiro poderia ser alvo de uma opera��o de busca e apreens�o da PF.
A opera��o ocorreria de fato, e o ex-ministro chegaria a ficar preso brevemente.
A PF afirma que dois pastores criaram um esquema de libera��o de verbas para educa��o em troca de propina com o conhecimento e aval de Ribeiro, que nega qualquer crime.
A ministra C�rmen L�cia, que disse haver uma "gravidade incontest�vel" no caso, decretou sigilo no inqu�rito, que continua em andamento.
Werneck avalia que o sigilo em um caso como esse n�o busca necessariamente proteger o alvo da investiga��o, no caso, o presidente. "Isso pode acontecer para proteger o pr�prio inqu�rito", afirma.
No entanto, Corbo ressalta que, em ano eleitoral, isso beneficiou Bolsonaro. "Independente de ser uma decis�o acertada ou n�o, � bom para ele que n�o haja acesso �s informa��es de investiga��es contra ele."
Junho/2022: Andr� Mendon�a determina que al�quotas do ICMS dos combust�veis sejam uniformes no pa�s
Jair Bolsonaro cumpriu sua promessa de colocar um ministro "terrivelmente evang�lico" no STF com a indica��o do advogado e pastor Andr� Mendon�a, ent�o chefe da AGU. Ele foi empossado em dezembro de 2021.
O ministro teve um papel importante em uma das pol�ticas mais sens�veis do �ltimo ano: a imposi��o de uma al�quota �nica para o Imposto sobre Circula��o de Mercadorias e Servi�os (ICMS), cobrado pelos Estados sobre combust�veis, g�s natural, energia el�trica, comunica��es e transporte coletivo.
A medida levou na pr�tica a uma queda dos pre�os em um momento em que o pa�s enfrentava uma alta da infla��o que desgastava o governo e atrapalhava a campanha pela reelei��o.
Depois que o projeto foi aprovado no Congresso, no entanto, o Conselho Nacional de Pol�tica Fazend�ria (Confaz), �rg�o colegiado formado por secret�rios estaduais e o ministro da Economia, estabeleceu um conv�nio a respeito do diesel com um valor mais alto do que o cobrado anteriormente e que, por permitir aos governos estaduais aplicar descontos, poderia levar � cobran�a de um ICMS diferente em cada Estado.
A AGU recorreu ao Supremo alegando que a norma permitia a continuidade de um "sistema de tributa��o disfuncional, federativamente assim�trico e injustamente oneroso para o contribuinte". Mendon�a concordou e determinou uma al�quota �nica, conforme a lei.
Corbo avalia ser natural que o ministro, que trocou o governo pelo Supremo, tenha um alinhamento com Bolsonaro.
"Ainda mais em uma quest�o que envolve a pol�tica econ�mica e n�o jur�dica e que n�o gera controv�rsias entre ele e o presidente. Assim, ele viabilizou o interesse de Bolsonaro, que era jogar para baixo o pre�o dos combust�veis", diz.
Julho/2022: Andr� Mendon�a nega liminares contra PEC que ampliou benef�cios sociais

Coube tamb�m a Mendon�a analisar dois pedidos de liminar, feitos pelos deputados federais Nereu Crispim (PSD-RS) e Alexis Fonteyne (Novo-SP), contra a tramita��o no Congresso da proposta de emenda � Constitui��o (PEC) que decretou estado de emerg�ncia e ampliou benef�cios sociais pagos pelo governo �s v�speras da elei��o.
A medida foi amplamente criticada e considerada ilegal - a legisla��o pro�be criar benef�cios em ano eleitoral - e foi considerada uma forma do governo de contornar as regras para favorecer a tentativa de reelei��o.
Mendon�a concluiu, no entanto, que n�o havia "inequ�voco e manifesto desrespeito ao processo legislativo e disse que o controle judicial da aprova��o de leis e emendas deve ser excepcional, quando h� um problema flagrante, e que conceder a liminar poderia colocar em risco a separa��o dos poderes.
Holmes avalia que, neste caso, havia um consenso pol�tico no Parlamento, inclusive com a oposi��o, a respeito da amplia��o dos benef�cios.
Corbo afirma que, al�m disso, o Supremo tem dificuldade em controlar a tramita��o de uma PEC, mesmo que fosse controversa.
"O STF � reticente em suspender projeto de lei, porque entende que o processo tem que ocorrer no Legislativo e, se houver inconstitucionalidade, suspende depois. A n�o ser que a proposta viole uma cl�usula p�trea da Constitui��o, porque a� n�o pode nem ser deliberada", diz.
Agosto/2022: Andr� Mendon�a pede vista em julgamento sobre divulga��o de dados sigilosos de inqu�rito da PF e associa��o da covid-19 � Aids por Bolsonaro
A dois meses da elei��o, o ministro fez pedidos de vista, ou seja, solicitou mais tempo para an�lise, do julgamento de recursos da PGR e da AGU contra decis�es de Alexandre de Moraes em investiga��es envolvendo o presidente. Os recursos haviam sido enviados ao plen�rio por Moraes.
Na pr�tica, isso interrompeu os julgamentos por tempo indeterminado, j� que n�o h� um prazo para que os pedidos de vista sejam devolvidos.
Em um dos casos, Bolsonaro � investigado pelo suposto vazamento de dados sigilosos de um inqu�rito da PF sobre um suposto ataque ao sistema interno do Tribunal Superior Eleitoral nas elei��es de 2018.
O presidente tratou do inqu�rito em uma transmiss�o ao vivo pela internet e depois o publicou na �ntegra nas redes sociais.
O outro caso envolve a falsa associa��o feita por Bolsonaro entre a aplica��o da vacina contra covid-19 ao risco de desenvolver a Aids. De acordo com a PF, o presidente cometeu crimes em ambos os casos.
Holmes critica os pedidos de vista. "Isso est� sendo usado a torto e a direito no STF para fazer pol�tica", diz.
Corbo diz que esse instrumento tem sido usado quando os ministros "entendem que o momento n�o � favor�vel para que o assunto seja decidido ou mesmo para impedir uma decis�o."
Holmes avalia que Mendon�a teve no STF um comportamento mais "estrat�gico" do que o outro indicado por Bolsonaro, Nunes Marques.
"Nunes Marques acabou se isolando dentro da Corte, enquanto Mendon�a tenta chegar a um ponto m�dio em que ajuda a avan�ar a agenda do governo sem romper com o funcionamento do tribunal", diz.
Afinal, Bolsonaro tem raz�o em dizer que � perseguido pelo STF?

Elo�sa Machado, da FGV, n�o v� fundamento nos ataques reiterados do presidente ao STF e diz que o tribunal apenas cumpriu seu papel ao julgar a��es de controle de constitucionalidade.
"Dentre as diversas a��es levadas ao tribunal e julgadas, que podem ser classificadas de interesse de Bolsonaro, algumas lhe foram favor�veis e outras contr�rias, naturalmente", diz.
Na sua avalia��o, o presidente ataca o Supremo porque tem "inclina��es autorit�rias" e "busca governar sem controle sobre seus atos".
"Bolsonaro n�o critica o tribunal pelo o que ele julga, critica e ataca pelo que ele �: uma inst�ncia de defesa da Constitui��o que, naturalmente, atrapalha seu projeto de destrui��o", afirma Machado.
Diego Werneck, do Insper, diz que o STF nunca foi historicamente um tribunal que se posicionou contra decis�es do governo, em especial aquelas consideradas centrais para seu programa. "O entendimento � que o governo foi eleito para fazer certas coisas e que n�o � papel do Supremo substitu�-lo."
Werneck aponta que, em outros casos, Bolsonaro avalia que decis�es do tribunal foram contra a ele, especialmente em rela��o a quest�es de direitos fundamentais, mas avalia que o Supremo manteve-se coerente com decis�es que vinham sendo tomadas antes.
"O presidente pode achar que a criminaliza��o da LGBTfobia, por exemplo, foi contr�ria a ele ou sua agenda, mas foi apenas mais um passo na mesma dire��o da permiss�o da uni�o homoafetiva de 2011. N�o houve mudan�a a esse respeito."
Ao mesmo tempo, Werneck credita algumas derrotas de Bolsonaro a falhas do pr�prio governo na elabora��o de medidas legislativas e jur�dicas. "O governo fez no come�o coisas muito contest�veis juridicamente do ponto de vista formal, foi muito incompetente, e � esperado que o Supremo tenha rea��es contr�rias a isso", diz.
Pablo Holmes, da UnB, afirma ser normal haver conflito entre os poderes em um sistema democr�tico. "Mas o hist�rico mostra que o Supremo n�o enfrentou Bolsonaro de forma clara a n�o ser na quest�o da pandemia, quando uma forte rea��o p�blica e do Congresso contra o presidente o colocou em uma posi��o fr�gil", diz.
Para o cientista pol�tico, as manifesta��es contr�rias a Bolsonaro se tornaram mais escassas a partir do momento em que o presidente formou uma coaliz�o pol�tica com partidos do chamado Centr�o em 2021. "Bolsonaro ficou mais forte politicamente, e o STF ficou acuado e foi muito mais condescendente com ele", diz.
Wallace Corbo, da FGV, destaca que muitas a��es criminais contra Bolsonaro, sua fam�lia e aliados n�o progrediram no STF. "No come�o do governo, o Supremo tentou compor com o governo e n�o enfrentar o presidente. Na esfera criminal, os ministros tiveram oportunidade de deixar a investiga��es avan�arem e n�o fizeram isso", diz.
Corbo diz que, mesmo antes de Bolsonaro indicar dois nomes para a Corte, ministros j� vinham decidindo a favor do presidente e avalia que Bolsonaro tende a escolher alguns temas e ministros que ele considera que precisam ser derrotados publicamente.
"Mas, estatisticamente, apesar do STF ter se colocado muitas vezes contra pol�ticas do bolsonarismo, n�o se colocou incisivamente contra o Bolsonaro e seu n�cleo pol�tico", diz.
"Ele se diz perseguido porque � um autocrata e adota esse discurso para tentar concentrar poder na sua figura e, para conseguir isso, ele precisa deslegitimar o Judici�rio."
- Este texto foi publicado em http://bbc.co.uk/portuguese/brasil-62989324
Sabia que a BBC est� tamb�m no Telegram? Inscreva-se no canal.
J� assistiu aos nossos novos v�deos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!