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Estado de Minas POLARIZA��O

Por que as elei��es levaram artistas a um ringue jur�dico

Depois da proibi��o do showm�cio, especialistas analisam processos contra quem fez o 'L' no palco, como Ludmilla e Juliette, e os atos de Bolsonaro


30/09/2022 21:31 - atualizado 30/09/2022 22:24

Ludmilla e Lula
Ludmilla posa com Lula no Rio: ''Neutro � shampoo' (foto: Reprodu��o/Instagram)
Num dos melhores shows do �ltimo Rock in Rio, em setembro, Ludmilla repetiu um gesto que j� tinha trazido problemas para ela meses antes. "Faz o 'L'", pediu a cantora � plateia, depois de anunciar que o festival ia virar um baile de favela.

 

Foi por causa desse mesmo "L" com as m�os que o vereador paulistano Fernando Holiday, do Novo, tinha entrado com uma representa��o na Justi�a para suspender o cach� dela na Virada Cultural, em S�o Paulo, em maio. Ludmilla disse que o gesto se referia � inicial do pr�prio nome, mas ele � associado de modo inequ�voco ao ex-presidente Luiz In�cio Lula da Silva, do PT, candidato � Presid�ncia neste ano.

Ela n�o foi a �nica a ter um posicionamento pol�tico questionado. Desde que a corrida eleitoral come�ou, Nando Reis, Daniela Mercury, Juliette, Manu Gavassi e Maria Gad� foram alvos de a��es, acusados de infringir normas eleitorais.

As den�ncias n�o recaem s� em atos pr�-Lula. O presidente Jair Bolsonaro, do PL, tamb�m teve sua participa��o na festa Festa do Pe�o de Boiadeiro de Barretos, no interior paulista, enquadrada como showm�cio pelo PDT, o partido de Ciro Gomes.

Mas at� onde os artistas podem, de fato, se posicionar politicamente e participar de campanhas pol�ticas? Essas a��es judiciais intimidaram cantores mesmo ou tiveram efeito contr�rio? E ser� que esse tipo de processo pode ser considerado uma tentativa de censura?

Essa onda contra artistas nas elei��es de 2022 come�ou no Lollapalooza, em mar�o. O PL, partido de Bolsonaro, acionou o Tribunal Superior Eleitoral contra a organiza��o do festival em S�o Paulo por suposta propaganda eleitoral irregular em benef�cio de Lula depois que Pabllo Vittar levantou uma toalha com o rosto do petista no palco.

O ministro Raul Ara�jo acatou parte do pedido e proibiu qualquer tipo de manifesta��o pol�tica nos shows sob pena de multa de R$ 50 mil. Logo depois do evento, Bolsonaro ordenou que o presidente do PL retirasse a a��o contra o festival.

"Essa decis�o criou um dilema", afirma M�nica Galv�o, advogada que tem entre seus clientes a T4F, produtora do Lollapalooza. "O artista no palco � dono da sua performance, e n�o existe uma determina��o pr�via do que pode ou n�o ser dito, do que pode ou n�o ser objeto de manifesta��o p�blica.

"Do ponto de vista jur�dico, n�o faz sentido acusar o Lollapalooza de ser um evento pol�tico, diz Galv�o. Primeiro porque se trata de um festival internacional, sem nenhum vi�s com esse car�ter. Mas h� ainda um segundo motivo. "A veda��o a manifesta��es pol�ticas n�o se dirige aos artistas. Ela se dirige aos pol�ticos, aos partidos que n�o podem contratar showm�cios", afirma.

A avalia��o de advogados e especialistas que acompanham os casos � de que processos como o do Lollapalooza t�m por objetivo intimidar os artistas, mas que o efeito acaba sendo contr�rio.

A voltagem pol�tica do festival foi �s alturas depois da decis�o, com artistas se posicionando a favor de Lula. At� Anitta, que s� tinha uma participa��o na apresenta��o da americana Miley Cyrus, chegou a postar um v�deo falando que pagaria a multa de quem se posicionasse durante os dias de shows.

Ainda assim, um artista que preferiu n�o se identificar afirmou � reportagem que enfrenta processo por ter se manifestado e que, at� a poeira baixar, decidiu evitar posicionamentos em cima dos palcos.

A Festa do Pe�o de Boiadeiro de Barretos foi outro caso de evento privado acusado de ter um vi�s pol�tico. Bolsonaro foi ao est�dio onde aconteceu o evento, em agosto, acompanhado de apoiadores. Ele chegou a apresentar o jingle da campanha no ato, que teve ainda xingamentos a Lula.

O PDT afirmou numa representa��o ao TSE que o que o presidente fez no festival foi showm�cio —e essa a��o trouxe um apoio um tanto inesperado para Bolsonaro. Paula Lavigne, coordenadora do movimento 342 Artes e cr�tica not�ria do atual mandat�rio, se manifestou contr�ria � atitude do partido.

"Olha a que ponto eu cheguei. Estou defendendo o Bolsonaro", disse ela, sobre a a��o, � coluna de Malu Gaspar, no jornal O Globo.

O advogado Lucas Lazari, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Pol�tico, assinou um parecer com Lavigne contra esse processo e argumentou que uma decis�o contra o presidente seria "um enorme retrocesso".

Ele diz que h� uma mudan�a na forma como a classe art�stica entende o posicionamento pol�tico. O advogado avalia que, depois da proibi��o das apresenta��es pagas por campanhas, os tais showm�cios, em 2006, os artistas passaram por um processo de autocensura at� entenderem que h� outras formas de se manifestar politicamente, sem que isso seja proibido pela lei.

Isso, segundo Lazari, ainda acontecia em 2018. Apesar de artistas terem declarado voto e se posicionado contra candidatos, o ato de se manifestar em shows n�o era t�o recorrente. Quem marcou essa virada naquele ano foi um artista internacional, Roger Waters, ex-integrante do Pink Floyd, que enquadrou Bolsonaro entre os l�deres mundiais que ele chamou de neofascistas durante uma apresenta��o em S�o Paulo.

Essa mudan�a de postura tamb�m acontece numa corrida marcada pela aproxima��o de candidatos com o setor. Lula, que lidera as pesquisas de inten��o de votos, resgatou o jingle "Sem Medo de Ser Feliz", de 1989, que juntou gente como Chico Buarque, Gal Costa e atores da Globo e regravou a m�sica com Martinho da Vila, Pabllo Vittar, Duda Beat, entre outros artistas contempor�neos.

J� Bolsonaro, que est� em segundo lugar nas pesquisas, angariou o apoio de artistas do sertanejo, g�nero mais ouvido do pa�s, apesar de o grupo estar fazendo pouco barulho em prol do presidente nas redes sociais, em contraste com os que se mobilizam a favor de Lula.

Ainda assim, as interpreta��es do que � um showm�cio s�o usadas para tentar cercear manifesta��es pol�ticas. A festa em Barretos e o Lollapalooza s�o eventos privados, mas outros artistas t�m sido questionados por declarar apoio a candidatos em apresenta��es bancadas com dinheiro p�blico.

Foi o caso da cantora Maria Gad�, que declarou apoio a Lula segurando uma toalha com o rosto do candidato estampado, assim como havia feito Pabllo Vittar. O cach� da artista foi suspenso pela associa��o respons�vel ap�s pedido da prefeitura de S�o Jos� dos Campos, no interior paulista, onde ocorreu o show.

A tens�o desse ringue jur�dico com artistas j� mobilizou o alto escal�o da Justi�a. A ministra C�rmen L�cia, do Supremo Tribunal Federal, chegou a se posicionar sobre o assunto.

"N�o � poss�vel que, a poucos dias da elei��o, os artistas sejam amea�ados, censurados, e o Supremo j� disse que censura n�o pode existir nos termos expressos da Constitui��o", disse ela. "O que eu fa�o aqui � um apelo de respeito absoluto ao artista brasileiro."

De acordo com o texto constitucional, censura ocorre quando algum conte�do � impedido de vir a p�blico em fun��o de um filtro pr�vio feito pelo Estado.

Guilherme Varella, consultor da Artigo 19 e do projeto Mobile, o Movimento Brasileiro Integrado pela Liberdade de Express�o Art�stica, lembra que era comum, nas d�cadas de 1960 e 1970, que o governo impedisse a circula��o de obras de arte e reportagens jornal�sticas que julgasse inapropriadas. Por isso, com a redemocratiza��o do pa�s, era importante enfatizar a proibi��o dessa pr�tica.

Mas muito mudou de l� para c�. A censura ganhou outros contornos, �s vezes nas entrelinhas burocr�ticas. Varella exemplifica que cortes or�ament�rios na pasta da Cultura ou em editais voltados para as popula��es negras ou LGBTQIA+ podem ser interpretados como um tipo de censura.

Nesses casos, n�o h� um censor dizendo o que pode ou n�o pode ser produzido ou veiculado, mas a falta de dinheiro ou de projetos pr�prios para atender certas popula��es acabam inviabilizando que esses grupos produzam arte. "Ent�o decretos, portarias, instru��es normativas, mudan�as de regulamento, de documentos, tudo isso vai sendo usado para ir corroendo as institui��es e as pol�ticas p�blicas", diz.

Embora as tentativas de calar artistas tenham aumentado sensivelmente durante o governo Bolsonaro —dados do Mapa da Censura mostram que houve mais de 220 casos do tipo desde 2019 ante 16 no governo Temer—, elas n�o surgiram com ele.

Cinco anos atr�s, por exemplo, houve a pol�mica da exposi��o "Queermuseu", em Porto Alegre. Durante o governo Dilma, foram os pr�prios artistas que se juntaram para tentar proibir a publica��o de biografias n�o autorizadas.

"O posicionamento pol�tico dos artistas hoje nas elei��es n�o � uma novidade porque eles estavam sendo feitos desde o come�o da gest�o Bolsonaro. Eles j� estavam mostrando que eram perseguidos", diz Varella. "A quest�o � que ela � parte de uma estrat�gia mais ampla, que encontra no per�odo eleitoral uma forma de radicaliza��o da persegui��o."


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