
Mais de 156 milh�es de brasileiros est�o aptos a comparecer �s urnas neste domingo (02/10) para uma elei��o considerada hist�rica, em que votar�o para cinco cargos: presidente da Rep�blica, governador, senador, deputado federal e deputado estadual (ou distrital, no caso do Distrito Federal).
Os cargos em disputa s�o os mesmos a cada quatro anos, mas o pleito de 2022 tem caracter�sticas excepcionais. Pela primeira vez um presidente no exerc�cio do cargo, Jair Bolsonaro (PL), disputa um novo mandato contra um ex-presidente, o petista Luiz In�cio Lula da Silva (PT). Segundo as principais pesquisas eleitorais, ambos lideram a disputa, com vantagem expressiva para o concorrente do PT. A for�a popular dos dois acabou bloqueando o espa�o para o crescimento de outras candidaturas, como Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB).
Outra situa��o in�dita � a fraqueza do atual presidente na corrida eleitoral. As principais sondagens de inten��o de voto sugerem que Bolsonaro n�o deve se reeleger e corre o risco de ser derrotado por Lula j� no primeiro turno. Se isso se confirmar, ser� a primeira vez que um presidente fracassa ao tentar um segundo mandato.A disputa de 2022 � marcada ainda por tr�s novidades preocupantes que, segundo analistas pol�ticos ouvidos pela BBC News Brasil, indicam o enfraquecimento da democracia brasileira: a controversa tentativa das For�as Armadas de participar do processo de vota��o e contabiliza��o dos votos; a perspectiva de que o presidente, caso seja derrotado, questione o resultado das urnas; e um elevado n�vel de viol�ncia pol�tica.
Entenda melhor a seguir cada um desses aspectos hist�ricos das elei��es de 2022.
1. A disputa dos presidentes

Ap�s ser barrado da corrida presidencial de 2018, por estar condenado em segunda inst�ncia dentro da opera��o Lava Jato, Lula reconquistou o direito de disputar elei��es depois que seus processos foram anulados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2021. Isso ocorreu porque a mais alta Corte do pa�s entendeu que os direitos do petista n�o foram respeitados nos processos conduzidos na antiga vara do ex-juiz Sergio Moro.
A reviravolta permitiu o embate in�dito entre dois concorrentes carism�ticos, com forte apelo popular e que j� carregam a experi�ncia de governar o pa�s, o que dificultou o crescimento de outras candidaturas ao longo da corrida eleitoral, nota o cientista pol�tico Rafael Cortez, da Consultoria Tend�ncias.
Segundo as pesquisas de inten��o de voto, a maioria dos eleitores far� neste domingo uma escolha entre Lula e Bolsonaro. Para decidir, os brasileiros devem comparar n�o s� o desempenho que cada um teve no comando do pa�s, mas tamb�m o estilo de governar, acredita a soci�loga Esther Solano, professora da Universidade Federal de S�o Paulo (Unifesp).
"Eu acho que essa elei��o resume-se n�o s� a um comparativo entre dois governos, mas tamb�m entre dois homens, entre essas duas personalidades e os s�mbolos e os valores que as duas representam", afirma Solano, que � estudiosa do eleitor bolsonarista.
Na sua avalia��o, o forte apelo emocional das duas candidaturas que j� ocuparam o Pal�cio do Planalto refor�ou a polariza��o dessa elei��o.
"Lula e Bolsonaro s�o duas grandes figuras que despertam paix�es e afetos muito mais do que outras. S�o dois turbilh�es. � muito dif�cil entre essas duas personalidades voc� encaixar uma terceira via que n�o tem esse mesmo capital afetivo", acrescenta.
2. O primeiro a n�o se reeleger?
Desde que o Congresso aprovou a possibilidade de reelei��o em 1997, todos os presidentes que tentaram um segundo mandato foram reeleitos: Fernando Henrique Cardoso em 1998, Lula em 2006 e Dilma Rousseff em 2014.
Como explica o cientista pol�tico Rafael Cortez, da Consultoria Tend�ncias, o candidato que tenta a reelei��o geralmente tem uma competitividade maior porque tem o poder de tomar decis�es concretas que afetem a vida dos eleitores, enquanto os outros tentam atrair o eleitor "basicamente no discurso".
Bolsonaro, lembra Cortez, n�o poupou esfor�os para impactar positivamente os brasileiros nos meses que antecederam a elei��o, como a amplia��o de benef�cios sociais e a��es para baratear os combust�veis. As medidas, por�m, n�o foram capazes de reverter o alto n�vel de rejei��o que o presidente enfrenta.
Segundo pesquisa Datafolha do final de setembro, 44% dos brasileiros reprovam seu governo, 23% o consideram regular, e 32% aprovam sua administra��o.
� o pior resultado registrado por um presidente que tenta se reeleger, mostra o hist�rico de levantamentos do instituto. Fernando Henrique tinha 43% de aprova��o e 17% de reprova��o em setembro de 2018. J� Lula tinha 46% de aprova��o e 18% de reprova��o em setembro de 2006. Dilma, por sua vez, tinha 37% de aprova��o e 22% de reprova��o em setembro de 2014.
Os analistas entrevistados apontam uma s�rie de fatores para explicar a reprova��o mais alta enfrentada por Bolsonaro.
Por um lado, o aumento da pobreza nos �ltimos anos, per�odo marcado pela pandemia de coronav�rus e infla��o em alta, piorou a vida de milh�es de brasileiros durante sua gest�o. Segundo pesquisa divulgada em junho pela Funda��o Get�lio Vargas, o percentual de brasileiros em condi��o de pobreza (renda mensal inferior a R$ 497) chegou a 29,6% em 2021, maior patamar da s�rie hist�rica iniciada em 2012. Isso representa 62,9 milh�es de brasileiros. Em 2018, �ltimo ano antes de Bolsonaro assumir, eram 55,7 milh�es nessa situa��o.

Para Cortez, as medidas adotadas pelo governo pouco antes da elei��o parecem ter sido insuficientes para se contrapor a esse aumento de vulnerabilidade social. "E o eleitor pode ter visto a a��o como oportunista, buscando apenas o ganho eleitoral", acrescenta, ao analisar porque a aprova��o do governo n�o se recuperou mesmo com o pacot�o social.
Outro fator por tr�s da rejei��o alta ao presidente, avalia Esther Solano, foi sua resposta � crise do coronav�rus. Bolsonaro n�o apoiou as medidas recomendadas por especialistas, como isolamento social, uso de m�scaras e vacina��o. E, em alguns momentos, deu declara��es que foram vistas como desrespeitosas, como quando respondeu "N�o sou coveiro, t�?" ao ser questionado por jornalistas sobre as v�timas da doen�a em abril de 2020.
Em setembro, durante a campanha, ele se mostrou arrependido dessa declara��o: "Dei uma aloprada", disse, em entrevista ao podcast Collab.
Mas o recuo n�o parece suficiente para recuperar a maioria do eleitorado, acredita Solano.
"O Bolsonaro cometeu erros que dificilmente ser�o perdoados pela popula��o. Eu acho que o mais fundamental � a desumanidade da pandemia. Basicamente, no momento em que mais era preciso algu�m para cuidar da popula��o, num momento hist�rico internacional, Bolsonaro n�o s� foi um gestor p�ssimo da pandemia, como demonstrou uma desumanidade que foi brutal", critica a soci�loga.
Al�m disso, a Solano identifica um cansa�o da popula��o com a "instabilidade" gerada pelo estilo de governar do presidente, inclusive entre eleitores que votaram nele em 2018.
Na sua avalia��o, o estilo "disruptivo" de Bolsonaro empolgou parte da popula��o quatro anos atr�s, quando havia uma onda contra a pol�tica tradicional, mas n�o funcionou na hora de governar.
"Quando fa�o as entrevistas com os bolsonaristas insatisfeitos, aparece muito a quest�o da instabilidade. Esse jeito violento, que em 2018 era interessante porque era o jeito do outsider, hoje em dia transformou-se em um fardo, porque � o jeito de algu�m que n�o sabe governar e que jogou o Brasil basicamente numa instabilidade permanente", afirma Solano.
Na avalia��o da soci�loga, Lula acaba se beneficiando do contraste com Bolsonaro nesse campo, j� que o petista se apresenta como um pol�tico de "concilia��o", o "Lulinha paz e amor", que construiu na campanha uma alian�a ampla, conquistando, inclusive, o apoio de antigos advers�rios, como o ex-tucano Geraldo Alckmin, que concorre a vice-presidente ao lado do petista.
O cientista pol�tico Creomar de Souza, professor da Funda��o Dom Cabral, tem uma leitura semelhante. Na sua avalia��o, o governo Bolsonaro teve a proposta de "desconstruir" iniciativas anteriores, mas teve dificuldade em construir novas a��es.
"H� uma incapacidade de fazer pol�tica p�blica de qualidade", resume.
"Eu acho que Bolsonaro foi muito eficaz em criar uma base muito coesa de eleitores que, � semelhan�a do que a gente v� com o PT, vai seguir com o Bolsonaro, independentemente do que aconte�a. O problema � que o estilo de administra��o montado por Bolsonaro at� aqui parece ter cansado os outros 70% da sociedade. Em algum sentido, n�o aguentam mais essa ideia de que voc� administra o pa�s de uma forma que � um tanto quanto impulsiva, intempestiva", acrescenta.
Mais um fator que explica a alta rejei��o a Bolsonaro, apontam os analistas, � a percep��o de que o presidente n�o cumpriu sua promessa de combate � corrup��o. Com isso, o trunfo que presidente tinha, de se contrapor aos esc�ndalos dos governos petistas, perdeu for�a em rela��o � disputa de 2018.

Segundo pesquisa Datafolha do final de setembro, 69% dos entrevistados acreditam que h� corrup��o no seu governo, ante 23% que disseram que n�o existe e outros 8% que n�o souberam responder.
"Havia a ideia de que Bosonaro iria lutar contra a corrup��o. N�o s� n�o lutou, mas ele se aliou a setores enxergados como corruptos, como por exemplo o Centr�o", ressalta Solano.
Bolsonaro tem respondido a esse tipo de cr�tica dizendo que n�o � poss�vel governar sem essas alian�as.
"Se tirar o Centr�o, sobram 200 deputados, como vai aprovar um simples projeto de lei se n�o tiver um acordo, um m�nimo de urbanidade com eles?", disse no debate promovido pela TV Globo.
Quanto ao aumento da pobreza, ele tamb�m tem refutado que a fome seja um problema grave hoje no pa�s. "Fome no Brasil, fome para valer, n�o existe como � falado. O que � extrema pobreza? � voc� ganhar at� US$ 1,9 d�lar por dia, isso d� R$ 10. O Aux�lio Brasil s�o R$ 20 por dia. Ent�o, porventura, quem porventura est� no mapa da fome pode se cadastrar (no programa)", afirmou em agosto, no Ironberg Podcast.
3. Recusa em aceitar resultado das urnas?
O pleito de 2022 tamb�m � marcado por um n�vel alto de incerteza e tens�o sobre o que acontecer� ap�s o resultado das urnas. Caso se confirme a derrota de Bolsonaro, seja no primeiro ou no segundo turno, n�o est� claro se o presidente reconhecer� a vit�ria advers�ria e promover� uma transi��o de governo pac�fica.
Desde o ano passado, Bolsonaro tem intensificado seus questionamentos sobre a seguran�a da urna eletr�nica, sem apresentar provas que comprovem suas alega��es de poss�veis fraudes no sistema de vota��o brasileiro.
Na �ltima semana, foi divulgado um documento do seu partido, o PL, com resultados de uma suposta auditoria que teria detectado vulnerabilidades do sistema de vota��o, no que foi visto com uma prepara��o para contesta��o do resultado. O TSE classificou as informa��es do documento como "fraudulentas e atentat�rias ao Estado Democr�tico de Direito e ao Poder Judici�rio" e determinou uma investiga��o.
"A defini��o b�sica de democracia � que os partidos e os pol�ticos aceitem perder a elei��o com a possibilidade de ganhar na pr�xima vez que concorrerem. Se voc� tem um presidente n�o aceitando essa premissa b�sica, ele est� preparando o terreno para fazer algum tipo de contesta��o p�s elei��o. O que a gente n�o sabe � quanto ele vai ter de respaldo", afirma Beatriz Rey, cientista pol�tica e pesquisadora visitante da Universidade Johns Hopkins, em Washington.
"Uma parte do establishment pol�tico est� se recusando a participar do jogo. Isso significa que a democracia deixou de ser a �nica op��o na mesa. Quer dizer, tem outras op��es sendo circulando. � p�ssimo", acrescenta.

4. Atua��o das for�as armadas
Esse cen�rio � agravado pelo envolvimento das For�as Armadas, nota J�lio C�sar Rodriguez, professor de Rela��es Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
Beneficiados por aumentos de remunera��o, expans�o do or�amento para gastos de Defesa e acesso a milhares de cargos na gest�o federal desde 2019, os militares t�m atuado como aliados de Bolsonaro e fizeram uma s�rie de requisitos ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com o suposto prop�sito de aumentar a seguran�a e a transpar�ncia do sistema eleitoral.
Parte das demandas foi atendida, como a realiza��o de testes de integridade das urnas com eleitores reais, que v�o liberar a vota��o atrav�s da sua biometria. Os testes de integridade, realizados desde 2002, s�o vota��es simuladas feitas no dia da elei��o com urnas reais sorteadas para verificar se os aparelhos est�o funcionando adequadamente. Neste ano, o n�mero de urnas foi ampliado de 100 para 640, e a biometria ser� usada em 5% a 10% do total (32 a 64 urnas).
J� ap�s a vota��o, os militares pretendem fazer a confer�ncia de algumas centenas de urnas, a partir do boletim que � gerado em cada uma delas ao final da vota��o. Esses boletins, que, al�m de impressos, estar�o dispon�veis neste ano tamb�m online, servem para checar se os votos contabilizados no TSE batem com os votos registrados nas urnas. � uma informa��o p�blica, dispon�vel para qualquer pessoa ou entidade realizar a confer�ncia.
No entanto, devido ao forte v�nculo das For�as Armadas com o governo, o envolvimento dos militares t�m gerado receios de que essa confer�ncia possa ser usada de forma distorcida para apoiar Bolsonaro em uma eventual tentativa de contestar o resultado.
Para Rodriguez, o envolvimento das For�as Armadas deveria se limitar ao apoio log�stico que os militares h� d�cadas realizam no aux�lio ao transporte das urnas at� as sess�es eleitorais. "Quanto menos envolvimento pol�tico (os militares) tiverem, melhor e mais sadia estar� a nossa democracia", defende.
Na sua leitura, o TSE aceitou parte das demandas das For�as Armadas numa tentativa de distensionar a rela��o com os militares e tamb�m por confiar na seguran�a do sistema eleitoral.
"Me parece que o ministro Alexandre Moraes (presidente do TSE) aceitou (a atua��o dos militares) devido � alta confian�a que tem nos resultados. Ent�o, nada que ser� fiscalizado do funcionamento vai sair fora do esperado", afirma.
Rodriguez ressalta que h� "uma press�o grande das institui��es da sociedade para que se obede�a o resultado das elei��es" e seria muito custoso para as For�as Armadas se envolver numa contesta��o. Na sua avalia��o, a maior parte do comando militar n�o quer isso.
"O cen�rio que se avizinha � de derrota (de Bolsonaro). Se embarcarem nessa aventura de contestar o resultado e as For�as Armadas forem os respons�veis por atestar que houve fraude, isso vai ferir um n�mero muito grande de eleitores, que ser�o majorit�rios. Ent�o, h� um peso para a imagem (das For�as Armadas). Parece que preocupa", analisa.
5. Temor de mais viol�ncia pol�tica

Al�m da apreens�o sobre a atua��o dos militares, a expectativa de que apoiadores mais radicais do presidente n�o aceitem uma poss�vel derrota de Bolsonaro � outro foco de preocupa��o, em meio a um contexto de escalada da viol�ncia pol�tica, afirma Samira Bueno, diretora do F�rum Brasileiro de Seguran�a P�blica.
Nas �ltimas semanas, o pa�s registrou assassinatos e agress�es devido a discord�ncias pol�ticas, como o epis�dio no interior do Mato Grosso do Sul em que o bolsonarista Rafael Silva de Oliveira foi preso ap�s matar a facadas o colega de trabalho Benedito Cardoso dos Santos, que defendia Lula.
Segundo uma pesquisa feita pelo Datafolha a pedido do F�rum Brasileiro de Seguran�a P�blica e da Rede de A��o Pol�tica pela Sustentabilidade (Raps), 67,5% dos brasileiros afirmam ter medo de serem agredidos fisicamente por causa de suas escolhas pol�ticas ou partid�rias. A pesquisa divulgada em setembro tamb�m mostrou que 3,2% dos entrevistados disseram ter sido v�timas de amea�as por motivos pol�ticos em julho.
"Vivemos um per�odo sombrio da nossa hist�ria. Temos dois momentos de preocupa��o (em rela��o � viol�ncia pol�tica): domingo (dia da vota��o) e o que vai acontecer com esse pa�s daqui at� 31 de dezembro caso Lula ven�a", avalia Bueno.
"Porque tudo indica que o Bolsonaro n�o vai reconhecer o resultado da elei��o, vai contestar falando sobre fraude, um pouco da estrat�gia que o Donald Trump utilizou (ao contestar a elei��o de seu advers�rio, Joe Biden, presidente dos EUA). Assim como eles tiveram l� a invas�o do Capit�lio (Congresso americano), a gente precisa ficar atento a algum epis�dio desse tipo que acabe resultando em viol�ncia pol�tica", alerta.
Para Bueno, um agravante � o fato de uma parte dos apoiadores de Bolsonaro ser adepto do uso de armas de fogo, postura que foi incentivada pelo presidente no seu governo.
Na tentativa de reduzir os riscos, o TSE proibiu o transporte de armas e muni��es, em todo o territ�rio nacional, por parte de colecionadores, atiradores e ca�adores entre s�bado e segunda.
No caso de outras categorias com direito a porte de armas, tamb�m est� proibido que circular armado a menos de 100 metros de sess�es eleitorais.
- Esse texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63098025
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