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Estado de Minas

Limbo entre democracia e autoritarismo � pior modelo para economia, aponta estudo

Pesquisa analisou PIB per capita de mais de 160 pa�ses entre 1960 e 2018 e concluiu que aqueles com regime pol�tico 'intermedi�rio' entre democracia e autoritarismo t�m pior desempenho no longo prazo.


23/10/2022 06:23 - atualizado 23/10/2022 08:45


Protesto na embaixada brasileira em Buenos Aires em outubro de 2018
Pesquisa analisou PIB per capita de mais de 160 pa�ses entre 1960 e 2018 e concluiu que aqueles com regime pol�tico 'intermedi�rio' entre democracia e autoritarismo t�m pior desempenho no longo prazo (foto: Getty Images)

Nem democracia, nem autoritarismo: os pa�ses com pior desempenho econ�mico no longo prazo s�o aqueles que ficam no meio do caminho entre uma coisa e outra.

� o que mostra estudo rec�m-lan�ado por pesquisadores da University College London (Inglaterra), Paris School of Economics (Fran�a) e Universidade de Siena (It�lia).

Os pesquisadores analisam dados do PIB per capita — Produto Interno Bruto, soma de bens e servi�os produzidos, dividido pelo n�mero de habitantes de um pa�s — de 162 pa�ses, entre 1960 e 2018.

A principal novidade da pesquisa � analisar a rela��o entre desenvolvimento econ�mico e regimes pol�ticos a partir do entendimento de que, entre as democracias plenas e as autocracias (forma de governo em que o poder est� concentrado em um �nico governante), h� toda uma gama de pa�ses com regimes pol�ticos "intermedi�rios".

Ao fazer a an�lise dessa forma, o que eles encontram � que pa�ses com regimes pol�ticos h�bridos crescem em m�dia 20% menos no longo prazo, seja em rela��o a pa�ses democr�ticos ou aos plenamente autorit�rios — o principal exemplo de pa�s com poder pol�tico fortemente centralizado e crescimento robusto � a China.

"A maioria dos estudos em economia usa uma vari�vel bin�ria. Ou seja, tem duas possibilidades: o Brasil hoje � uma democracia ou uma autocracia, a Hungria hoje � uma democracia ou uma autocracia", exemplifica Nauro Campos, professor da University College London e um dos autores do estudo, ao lado de Fabrizio Coricelli e Marco Frigerio.

"O problema � que, nos �ltimos dez anos, h� um processo de eros�o democr�tica, com um n�mero crescente de pa�ses que n�o s�o mais democracias e uma s�rie de regimes que s�o intermedi�rios", diz o pesquisador, citando como exemplos R�ssia, Pol�nia e Hungria — esta �ltima classificada em setembro deste ano pelo Parlamento Europeu como uma "autocracia eleitoral".

Nascido no Rio de Janeiro, Campos pesquisa e d� aulas fora do Brasil desde 1990, devido � dr�stica redu��o do financiamento � pesquisa acad�mica durante o governo de Fernando Collor (1990-1992).

Atualmente radicado em Londres, ele se especializou no estudo da integra��o europeia, com foco nos antigos pa�ses comunistas — segundo ele, um "laborat�rio perfeito" para investigar as rela��es entre desenvolvimento pol�tico e econ�mico, por se tratarem de ditaduras que fizeram a transi��o de economias planificadas para economias de mercado, com diferentes graus de democratiza��o.

O pesquisador avalia, por�m, que os resultados encontrados pelo estudo lan�ado em setembro deste ano podem ser bastante �teis ao Brasil, j� que o pa�s est� entre os que mais se afastaram da democracia nos �ltimos anos, segundo uma an�lise de 202 pa�ses realizada pelo instituto Varia��es da Democracia (V-Dem), ligado � Universidade de Gotemburgo, na Su�cia.

Conforme relat�rio do V-Dem, o Brasil s� ficou atr�s de Pol�nia, Hungria e Turquia no processo de afastamento da democracia plena, entre 2010 e 2020. A partir de 2016, o pa�s registrou quedas acentuadas em todos os �ndices do V-Dem que medem a qualidade da democracia.


Gráfico de linhas gerado na plataforma V-Dem mostra que, a partir de 2016, Brasil apresentou queda em todos os índices que medem a qualidade da democracia (deliberativa, liberal, igualitária, participativa e eleitoral)
Gr�fico gerado na plataforma V-Dem mostra que, a partir de 2016, Brasil apresentou queda em todos os �ndices que medem a qualidade da democracia (deliberativa, liberal, igualit�ria, participativa e eleitoral) (foto: V-DEM)

"O Brasil � hoje um regime completamente intermedi�rio", opina Campos.

"O objetivo do estudo — e estou indo para a Pol�nia para apresent�-lo ao banco central polon�s — � mostrar que apostar num regime intermedi�rio � mau neg�cio. Continuar nesse tipo de regime � uma p�ssima ideia, do ponto de vista econ�mico."

Democracia gera crescimento?

Desde os anos 1990, diversos economistas — incluindo vencedores do pr�mio Nobel — t�m se dedicado ao estudo das rela��es entre regimes pol�ticos e crescimento econ�mico, observa o professor da University College London.

No per�odo mais recente, os estudos de maior destaque nesta �rea foram os dos economistas Daron Acemoglu e James Robinson — este �ltimo, coautor de Campos em alguns trabalhos conjuntos.

Campos explica que os estudos de economia pol�tica tradicionalmente tinham como alicerce te�rico a chamada "teoria da moderniza��o", que basicamente dizia que a democracia era uma consequ�ncia do desenvolvimento econ�mico. Isto �, segundo esta teoria, os pa�ses crescem, se urbanizam, aumentam a qualidade da educa��o e, como consequ�ncia, se democratizam.


Avenida Paulista em São Paulo
Teoria da moderniza��o dizia que a democracia � consequ�ncia do desenvolvimento econ�mico, mas estudos recentes sugerem que o movimento � o contr�rio: da democracia para o crescimento (foto: Getty Images)

"Nos �ltimos 15 anos, os economistas — principalmente, o Acemoglu — demonstram que esse 'lugar-comum' est� completamente equivocado, que n�o tem base emp�rica nenhuma", observa o pesquisador.

"No seu artigo mais recente, Democracy does Cause Growth [Democracia gera crescimento, em tradu��o livre], ele mostra que a dire��o de causalidade vai da democracia para o crescimento, e n�o o contr�rio."

Segundo Campos, essa desconstru��o do que antes era um lugar-comum tem diversas implica��es.

"Tem muita gente ainda hoje que acha que democracia � um item de luxo, coisa de pa�s rico. Um bem intr�nseco e que n�o te valor econ�mico. Isso n�o � verdade", afirma.

"As pesquisas, incluindo nosso trabalho, mostram que h� um retorno para a democracia muito grande e facilmente identific�vel do ponto de vista econ�mico."

Entre a democracia e o autoritarismo

O que Campos, Coricelli e Frigerio fazem ent�o � utilizar o referencial te�rico desenvolvido por Acemoglu, mas em vez de usar uma vari�vel bin�ria (democracia/n�o democracia), adotam uma grada��o que considera que, entre a democracia e a autocracia, h� diversos regimes h�bridos.

Por exemplo, em termos eleitorais, explica o pesquisador, enquanto nas autocracias n�o h� elei��es e nas democracias plenas h� elei��es frequentes, justas e livres, nos regimes intermedi�rios, uma dessas caracter�sticas � deficiente ou inexistente.

"Na Hungria, por exemplo, as elei��es s�o frequentes, s�o livres, mas n�o s�o justas. Ou seja, todo mundo pode concorrer, a frequ�ncia � dada, mas, uma vez que voc� entra, voc� est� em desvantagem", diz o pesquisador.

O primeiro-ministro h�ngaro, Viktor Orb�n, ocupa o cargo h� 12 anos. Desde que chegou � posi��o, em 2010, ele vem acumulando poderes por meio de uma guinada autorit�ria que come�ou no Judici�rio e no Legislativo, avan�ou para a imprensa e chegou �s escolas.

Em pouco mais de uma d�cada, Orb�n trocou centenas de ju�zes das cortes h�ngaras por aliados, alterou a lei eleitoral para beneficiar seu partido, transformou centenas de jornais independentes em m�quinas de propaganda do Estado e chegou a reimprimir livros did�ticos de Hist�ria.

O 'U pol�tico'

Para fazer sua an�lise, Campos e seus colegas utilizam duas bases de dados amplamente adotadas por cientistas pol�ticos para medir a democracia nos diferentes pa�ses: o Polity Index, desenvolvido pela Universidade de Maryland (Estados Unidos), e o V-Dem, da Universidade de Gotemburgo (Su�cia).

Para al�m do estudo de Acemoglu, cuja an�lise vai at� o ano de 2010, pouco depois da crise global iniciada em 2008, Campos, Coricelli e Frigerio estudaram dados at� 2018, para mais de 160 pa�ses.

Primeiro, os pesquisadores observam a evolu��o ao longos dos anos do PIB per capita, o indicador mais usado para comparar pa�ses com diferentes tamanhos de popula��o.

Mas, diante de estudos que mostram que regimes autorit�rios costumam superestimar seus dados de PIB anual em cerca de 35%, os autores tamb�m utilizam uma outra metodologia para verificar o desempenho econ�mico dos pa�ses: a an�lise de luzes noturnas atrav�s de fotos de sat�lite.

Essa metodologia vem sendo cada vez mais usada na literatura econ�mica para medir o desempenho do PIB, especialmente em regi�es ou epis�dios em que estat�sticas oficiais s�o escassas ou pouco precisas. Na pandemia de covid-19, foi bastante aplicada quando a mensura��o da atividade econ�mica ficou prejudicada pela intensidade dos lockdowns.

Um estudo do Fundo Monet�rio Internacional (FMI) publicado em junho de 2022, por exemplo, analisou imagens de sat�lite para 84 pa�ses emergentes ou em desenvolvimento. Os autores, Robert Beyer, Yingyao Hu e Jiaxiong Yao, conclu�ram que um aumento de 1% do PIB resulta em uma varia��o de 1,55% das luzes.


Exemplo de uso de luzes noturnas para medir atividade econômica em estudo do FMI
Exemplo de uso de luzes noturnas para medir atividade econ�mica em estudo do FMI (foto: FMI)

Seja atrav�s da an�lise do PIB per capita desde 1960 ou das luzes noturnas a partir de 1990 (desde quando os dados de sat�lite est�o dispon�veis), Campos e seus colegas encontram um mesmo padr�o: a rela��o entre desenvolvimento pol�tico e econ�mico tem "formato de U".

Ou seja: regimes pol�ticos "intermedi�rios" t�m pior performance econ�mica tanto em rela��o �s democracias, quanto quando comparados �s ditaduras completas. Eles chamam isso de o "U pol�tico".


Gráficos mostram a relação entre desenvolvimento político e econômico em mais de 160 países
Usando o Polity Index e a plataforma V-Dem, Campos e seus colegas encontram um mesmo padr�o: a rela��o entre desenvolvimento pol�tico e econ�mico tem 'formato de U', ou seja, regimes pol�ticos 'intermedi�rios' t�m pior desempenho econ�mico (foto: Campos, Coricelli e Frigerio)

Instabilidade prejudica a economia

Mas o que nos regimes pol�ticos "intermedi�rios" faz a economia deles crescer menos no longo prazo?

A instabilidade pol�tica, mostra o estudo. Outros potenciais fatores, como n�vel de educa��o, desigualdade e realiza��o de reformas n�o parecem influenciar a rela��o entre desenvolvimento pol�tico e econ�mico da mesma forma, observam os pesquisadores, com base nos dados emp�ricos.

"Na democracia, n�o h� revolu��o, mudan�as abruptas de gabinete, os presidentes raramente s�o assassinados e h� um ciclo pol�tico constante. A cada quatro ou cinco anos, tem uma elei��o, o poder muda, todo mundo aceita, ningu�m questiona as urnas. Isso d� uma certeza muito grande e facilita o investimento, com �bvias implica��es em termos de produtividade", diz Campos.

"Nas autocracias, � preciso levar em conta que nossas estimativas s�o de longo prazo. Ent�o, em um horizonte de 20 anos, uma autocracia est�vel ser� 20% mais rica do que um regime intermedi�rio. No entanto, a dura��o m�dia das autocracias � inferior a 20 anos, enquanto a dura��o m�dia das democracias � superior", observa o pesquisador.

Ainda segundo Campos, regimes autorit�rios duradouros — caso da China — costumam ter em comum o fato de terem in�cio com revolu��es ou guerras civis que dizimam completamente a oposi��o.

Assim, enquanto tanto as democracias, quanto as autocracias longevas s�o marcadas por uma certa estabilidade, os regimes "intermedi�rios", ao contr�rio, tem a instabilidade como norma.

"Nesses regimes, o incentivo para investir � zero. O que tem � rent-seeking [quando grupos organizados de press�o capturam o Estado em benef�cio pr�prio], ou seja, roubar o m�ximo que voc� puder, o mais r�pido poss�vel, porque voc�s sabe que aquilo vai acabar", diz Campos.

Para o pesquisador, um exemplo t�pico disso � a R�ssia, mas o n�mero de regimes intermedi�rios tem crescido, principalmente desde a crise financeira de 2008. Al�m de pa�ses como Pol�nia e Hungria, Campos inclui nesse grupo os Estados Unidos sob Donald Trump, o Reino Unido p�s-Brexit e o Brasil atual, todos considerados por ele regimes populistas e intermedi�rios.

As li��es do estudo

O professor destaca o que os resultados do estudo trazem de aprendizado para os pa�ses.


Ato em defesa da democracia na Faculdade de Direito do Largo São Francisco em 11 de agosto de 2022
Ato em defesa da democracia na Faculdade de Direito do Largo S�o Francisco em 11 de agosto de 2022 (foto: Getty Images)

"Estamos observando a eros�o democr�tica. No meio disso, h� fake news, redes sociais, mudan�as clim�ticas, toda uma s�rie de fatores. Mas h� tamb�m, no fundo, um sentimento de que a democracia n�o est� compensando, n�o est� entregando os benef�cios econ�micos esperados", observa Campos.

"O que o estudo da gente mostra � o seguinte: a democracia n�o vai te dar um crescimento espetacular, porque, por causa dos pesos e contrapesos, � um sistema que favorece a estabilidade. Voc� minimiza o risco, mas tamb�m minimiza o retorno", afirma.

"Mas migrar para regimes intermedi�rios n�o compensa. � uma p�ssima, p�ssima ideia. Voc� beneficia algumas pessoas, os sortudos o suficiente para estar no governo ou ter conex�o com o governo desses pa�ses, mas n�o � uma estrat�gia de desenvolvimento de longo prazo."

Questionado sobre o bom desempenho recente da economia brasileira sob o governo Jair Bolsonaro (PL), impulsionado pela reabertura da economia ap�s a pandemia, mas tamb�m por est�mulos do governo em busca da reelei��o, Campos destaca a import�ncia da an�lise num horizonte mais longo.

"Existem ciclos pol�tico-econ�micos", diz Campos, citando teoria que prev� que o calend�rio eleitoral influencia na atividade econ�mica dos pa�ses.

"H� toda uma literatura que mostra que, num sistema populista ou intermedi�rio, essa � a grande maneira de vencer a elei��o: distribuir renda, baixar impostos, aumentar as despesas do governo �s v�speras das elei��es", observa o pesquisador.

"Mas quem se beneficia disso na verdade � o governo, que pode ser reeleito. Mas isso cria uma bolha de consumo, sem efeito sobre os investimentos de longo prazo."

- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-63323667


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