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Estado de Minas ELEI��ES 2022

Entrada do Judici�rio no debate pol�tico pode ser tiro pela culatra, diz ativista da liberdade de express�o

"O problema � que aqueles que definem o que � desinforma��o tamb�m tendem a ter seus preconceitos", afirma advogado


24/10/2022 11:39 - atualizado 24/10/2022 13:02

Plenário do STF
Plen�rio do STF (foto: Flickr/@supremotribunalfederal)
Jacob Mchangama, 44, advogado dinamarqu�s voltado para liberdade de express�o e autor do livro "Free Speech" (Basic Books, 2022), tem um alerta para os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), �s voltas com a defesa e a supress�o de informa��es.

"O problema � que aqueles que definem o que � desinforma��o tamb�m tendem a ter seus preconceitos", afirma. "Quando o Judici�rio entra nesses debates, o tiro pode sair pela culatra. Pode comprometer a confian�a no Judici�rio, essencial para o Estado de Direito."

Ressalva ter conhecimento superficial da situa��o no Brasil, pouco al�m do "gradual retrocesso democr�tico", e cita que, em pesquisa do instituto que dirige, Justitia, junto com as universidades Aarhus e Columbia, o apoio � liberdade de express�o mostrou limites no pa�s.

"Mais de 90% dos brasileiros dizem que ela � muito importante tanto para a m�dia como para indiv�duos e online", diz. "Mas apenas 42% acham que deve proteger discurso ofensivo �s religi�es, e apenas 38% acham que deve proteger os insultos contra a sua bandeira."

A contradi��o de defender a liberdade para expressar ideias com as quais as pessoas concordam, mas n�o aquelas de que discordam, percorre a hist�ria que ele detalha em seu livro, desde a antiguidade.


Com a escala alcan�ada pela m�dia social, o cancelamento nas plataformas est� na pauta do dia, � esquerda e � direita. Por que seu livro vai, para question�-lo, at� a Rep�blica de Weimar e os esfor�os de censura contra jornais nazistas? Qual foi a li��o, na �poca?

JACOB MCHANGAMA - Um dos argumentos recorrentes para restringir o discurso online � a necessidade de proteger a democracia contra o �dio e a desinforma��o. Na Europa, esse argumento � muitas vezes sustentado com refer�ncia ao passado totalit�rio da Europa. Mas, como mostro no livro, a Rep�blica de Weimar na Alemanha n�o era uma democracia baseada no absolutismo da liberdade de express�o.

Havia estrita censura pol�tica no r�dio, jornais nazistas e comunistas eram frequentemente banidos, e nazistas proeminentes como Hitler, Goebbels e Julius Streicher eram punidos ou censurados. Ainda mais preocupante � o fato de que as leis de emerg�ncia que deveriam proteger a democracia foram usadas pelos nazistas para abolir a democracia. Sobretudo pela possibilidade de usar as leis da Rep�blica de Weimar que permitiam a censura e a suspens�o da liberdade de express�o.

 

O senhor pode explicar a Maldi��o de Milton, que destaca no livro?

J. M. - � a defesa seletiva e sem princ�pios da liberdade de express�o. Remete ao poeta ingl�s John Milton, que em 1644 publicou "Areopag�tica", seu famoso apelo pela liberdade de imprensa. Milton declarou: "D�-me a liberdade de saber, proferir e argumentar livremente de acordo com a consci�ncia, acima de todas as liberdades".

Por�m, sua defesa da liberdade de express�o veio com muitos "se" e "mas". Ele enfatizou que, com liberdade de imprensa, "n�o me refiro ao papado, que, como extirpa todas as religi�es, tamb�m deve ser extirpado". Tampouco desejava abrigar ideias que fossem "�mpias ou perversas contra a f� ou os costumes". Se livros "maldosos e difamat�rios" ainda assim fossem impressos, o rem�dio de Milton era a queima de livros. Seu objetivo era facilitar o debate das "diferen�as pr�ximas, ou melhor, indiferen�as" que levaram seitas protestantes a se enforcarem umas �s outras, n�o o discurso livre e igual para todos.

No fim das contas, Milton at� se juntou ao corpo de censores sob a ditadura militar de Cromwell. Que Milton, o flagelo dos censores, tenha se tornado um � uma das grandes ironias da hist�ria da liberdade de express�o, embora ele n�o esteja sozinho quando se trata de dois pesos e duas medidas na censura.

 

E como essa maldi��o se apresenta agora no debate sobre censura e nas press�es por ela?

J. M. - Hoje vemos isso acontecer no mundo todo. Veja o Brasil. Em 2021, fizemos uma pesquisa sobre atitudes em rela��o � liberdade de express�o, em 33 pa�ses ao redor do mundo. Mais de 90% dos brasileiros dizem que a liberdade de express�o � muito importante tanto para a m�dia como para indiv�duos e online. Mas apenas 42% dos brasileiros acham que a liberdade de express�o deve proteger discurso ofensivo �s religi�es, e apenas 38% acham que deve proteger os insultos contra a sua bandeira --reconhecidamente bela.

Portanto, o que n�s enxergamos muitas vezes � que as pessoas pensam que a liberdade de express�o deve proteger as ideias com as quais elas concordam, mas n�o necessariamente ideias ou pessoas das quais discordam fortemente. Mas se voc� acredita que a liberdade de express�o s� deve proteger ideias inofensivas, a liberdade de express�o fica, na melhor das hip�teses, vulner�vel. Na pior, in�til.

 

No Brasil, membros do Supremo s�o respons�veis pela organiza��o e por decis�es imediatas sobre as elei��es. E neste ano suprimiram publica��es, algumas delas desinforma��o, mas outras n�o. Ao mesmo tempo, ajudaram a proteger a cobertura quando �rg�os governamentais agiram contra ela. O senhor teria algum conselho ou paralelo hist�rico para oferecer a esses ministros?

J. M. - Conhe�o apenas superficialmente os acontecimentos no Brasil, portanto preciso ter cuidado para n�o fazer declara��es sem saber os fatos e a lei, especificamente. Mas pelas elei��es e os �ltimos anos me parece que o Brasil est� passando por uma fase de polariza��o profunda e gradual retrocesso democr�tico. Nesses casos, muitas vezes � tentador impedir, por meio da lei, a propaganda e a desinforma��o.

O problema � que aqueles que definem o que � desinforma��o tamb�m tendem a ter seus preconceitos. Al�m disso, quando se trata de debate pol�tico, muitas vezes se torna imposs�vel separar fato de opini�o. Quando o Judici�rio entra nesses debates, o tiro pode sair pela culatra porque, se eles decidirem que certas ideias podem ser proibidas como desinforma��o, isso far� com que os ju�zes pare�am estar tomando partido, censurando um lado e favorecendo o outro. Isso pode n�o s� ser um risco para a liberdade de express�o, mas comprometer a confian�a no Judici�rio, essencial para o Estado de Direito.

 

O senhor acha que o poder de pol�cia � outro passo na dire��o errada, para o tribunal eleitoral brasileiro?

J. M. - De novo, n�o sou especialista no sistema constitucional ou eleitoral do Brasil nem conhe�o o grau de desinforma��o no ecossistema digital. Mas insistir em remo��es muito rapidamente para desinforma��o parece um sistema em que voc� cria um perigo claro de que opini�es impopulares sejam removidas e em que �rg�os p�blicos tenham poderes para decidir o que � verdadeiro. � dif�cil imaginar que os problemas reais de desinforma��o online possam ser resolvidos por meio de regulamenta��o e censura online.

 

Seu livro foi elogiado por conservadores americanos, por questionar a cultura do cancelamento, mas tamb�m criticado por dizer a mesma coisa sobre a press�o de direita contra a chamada teoria cr�tica da ra�a. Como v� o futuro da liberdade de express�o nos EUA?

J. M. - Por um lado, os EUA t�m uma cultura robusta de liberdade de express�o, em compara��o com muitos outros pa�ses. Mas essa cultura americana parece estar em decl�nio, devido � polariza��o e a gera��es mais jovens a considerarem garantida.

Preocupo-me que, se essa cultura se deteriorar ainda mais nos EUA, a prote��o legal muito forte oferecida pela Primeira Emenda possa ser dilu�da. E que democratas e republicanos comecem a usar leis restritivas de uma maneira profundamente partid�ria. � por isso que considero da maior necessidade um compromisso de princ�pios em defesa da liberdade de express�o, especialmente nas institui��es educacionais e de m�dia, social e tradicional, pois � onde essa liberdade � exercida na pr�tica.

 

Em 2020, o New York Post publicou uma reportagem sobre Hunter, filho de Joe Biden, que foi suprimida por Facebook e outras empresas de m�dia social. O que deve ser feito para proteger a liberdade de express�o e at� de imprensa nessas plataformas?

J. M. - A remo��o da reportagem do New York Post foi um exemplo preocupante de modera��o que deu errado. Em �ltima an�lise, talvez tenha ajudado mais os republicanos do que prejudicado, porque a hist�ria foi divulgada por tantos meios de comunica��o que se tornou um exemplo do Efeito Streisand [quando a tentativa de ocultar uma informa��o acaba por chamar mais aten��o a ela]. Mas quantas reportagens menores, com impacto potencial a elei��es democr�ticas, ser�o abafadas sem essa divulga��o, pela modera��o arbitr�ria de conte�do? Imposs�vel saber.

 

O livro explora altos e baixos da liberdade de express�o na hist�ria, mesmo em alguns lugares inesperados, do Imp�rio Persa do s�culo 6 AEC [Antes da Era Comum] aos mosteiros cat�licos medievais, ao mesmo tempo em que revela o impacto tamb�m negativo, n�o s� positivo, da imprensa de Gutenberg. O senhor v� a liberdade de express�o como uma luta permanente?

J. M. - Deixe-me citar, da conclus�o do meu livro: a liberdade de express�o ainda � um experimento, e ningu�m pode garantir o resultado de se fornecer voz livre e instant�nea para bilh�es. Mas � um princ�pio baseado em mil�nios de experi�ncia, muitas vezes sangrenta, com as consequ�ncias de sua supress�o.

 

Raio-x

Jacob Mchangama, 44

Fundador e diretor-executivo do instituto Justitia, baseado em Copenhague, o advogado dinamarqu�s � autor de "Free Speech - A History from Socrates to Social Media" (liberdade de express�o - uma hist�ria, de S�crates �s m�dias sociais). Em 2018, foi professor visitante no Global Freedom of Expression Center, da Universidade Columbia, em Nova York.

 


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