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Estado de Minas ELEI��ES 2022

An�lise: os desafios de Lula no novo mandato

Um cobertor t�o curto para acolher tal dimens�o de desafios setoriais s� pode ser solucionado pela pol�tica, em pacto nacional


31/10/2022 04:00

Ilustração
(foto: Lelis)


� da ordem pol�tica e n�o econ�mica ou de qualquer outra natureza a m�e de todas as tarefas de Luiz In�cio Lula da Silva. O futuro governo ser� confrontado pelo desequil�brio fiscal; pela infla��o persistente; pelo ainda maior enfraquecimento do pacto federativo; e por demandas sociais prementes como a dissemina��o da fome, a devasta��o de florestas, em meio ao desmonte dos �rg�os ambientais e ataques por atividades ilegais aos povos ind�genas; a desintegra��o da educa��o p�blica fundamental e m�dia, o sucateamento das universidades federais e da pesquisa em ci�ncia e tecnologia. S�o investimentos vitais que n�o cabem no Or�amento da Uni�o, engessado pela medida constitucional do teto de gastos, solenemente ignorada por Jair Bolsonaro para implementar �s v�speras da elei��o pol�ticas com potencial de melhorar o seu desempenho.

Tantos problemas s�o agravados pelo contexto pol�tico: o Brasil est� perturbado por uma milit�ncia de extrema-direita barulhenta e armada; um Congresso Nacional que sequestrou o Or�amento da Uni�o e cobrar� o pre�o para pactu�-lo com o Executivo; pela resist�ncia militar em devolver a gest�o do pa�s aos civis; al�m da politiza��o e aparelhamento de �rg�os de controle. Um cobertor t�o curto para acolher tal dimens�o de desafios setoriais s� pode ser solucionado pela pol�tica, em pacto nacional alinhavado em torno de valores democr�ticos, sociais e ambientais. Em seu favor, Lula, que conta com apoio de governantes que combatem, em v�rios pa�ses, a ascens�o da extrema- direita, tem a reconhecida habilidade para a articula��o pol�tica. Ao longo da campanha, j� antevendo o que o espera, assim como tamb�m processando a baixa toler�ncia a desvios do chamado “mercado” com eleitos de imagem colada mais � esquerda, reordenou o seu n�cleo pol�tico de apoio em amplo espectro ideol�gico da esquerda � direita.

Ap�s a experi�ncia com um presidente da Rep�blica que, em quatro anos, dedicou-se a atacar as institui��es democr�ticas e a proferir declara��es desastrosas com impacto em v�rias dimens�es da vida brasileira, � na pol�tica que v�o se resolver os problemas da economia. “Lula � experiente, construiu uma frente ampla durante a campanha, n�o se trata apenas de uma frente eleitoral, mas, antes, sinaliza as condi��es de governabilidade”, afirma o economista Paulo Nogueira Batista J�nior, que foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), estabelecido pelos Brics, em Xangai (2015-2017) e diretor-executivo pelo Brasil e outros pa�ses no FMI, em Washington (2007-2015). Opini�o semelhante manifesta o economista Benito Adelmo Salom�o Neto, doutor pela Universidade Federal de Uberl�ndia e um dos organizadores do livro “Retomada do desenvolvimento” (Funda��o Astrojildo Pereira, 2022). “Lula abriu di�logo j� na campanha com for�as pol�ticas fora de seu espectro partid�rio, reunindo apoios que v�o de Luciana Genro e Guilherme Boulos a Geraldo Alckmin e Henrique Meirelles. Esta � a maior demonstra��o de sua habilidade”, acrescenta.

No curto prazo, h� boas e m�s not�cias para o futuro governo. As boas not�cias apontam para um PIB que deve crescer em 2023 mais do que o previsto pelos analistas no in�cio do ano; e o desemprego, embora continue alto, menor em rela��o ao pico. “No setor externo, a balan�a de pagamentos � favor�vel e as reservas internacionais ca�ram, mas continuam altas”, afirma Paulo Nogueira Batista. Mas h� problemas conjunturais graves: a come�ar pela infla��o persistente, contida � v�spera das elei��es pela concess�o de subs�dios para o combust�vel, telefonia, transporte p�blico e a energia, distorcendo o IPCA. “A infla��o caiu nos �ltimos meses por medidas tempor�rias, de conten��o de certos pre�os como combust�vel e energia el�trica. Mas a infla��o subjacente continua alta”, considera Paulo Nogueira Batista. Em articula��o com Arthur Lira, Bolsonaro aprovou a emenda constitucional com subs�dio para a energia suja, o que tamb�m gera um desequil�brio federativo, pois tira recursos dos estados, com a interven��o sobre o principal tributo com o qual contam governadores, critica Benito Adelmo Salom�o Neto. Estados e munic�pios perderam receitas de ICMS para financiar servi�os b�sicos de seguran�a, educa��o e sa�de e a consequ�ncia foi a judicializa��o do problema, com a��o de 11 estados junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), que estimam perdas de R$ 87 milh�es, al�m de pedido de compensa��o.

Piorado nos �ltimos dois anos pelo governo Bolsonaro, bate � porta em 2023 tamb�m o problema fiscal. “A situa��o fiscal do setor p�blico continua problem�tica. E h� v�rias press�es latentes, estourando na m�o do governo, que foram apenas postergadas”, sustenta Paulo Nogueira Batista J�nior. A lista � longa. S�o demandas sociais, da sa�de, da educa��o, da ci�ncia e tecnologia, esta, em particular, atingida pelo desmonte das universidades p�blicas federais e setores de pesquisa. “� preciso retomar uma pol�tica para a ci�ncia e tecnologia que n�o existiu neste governo. As pr�prias universidades p�blicas federais e centros de pesquisa est�o em modo de sobreviv�ncia, sofreram cortes em mais de 90% dos recursos. N�o h� concurso para reposi��o de pessoal h� muitos anos, materiais e equipamentos est�o ficando obsoletos. Estamos perdendo a infraestrutura, a for�a conquistada ao longo de 60 anos. Falta tudo. Ent�o, primeiro estamos no m�dulo sobreviv�ncia, respirando quase que por aparelhos. Num primeiro momento, � voltar a respirar”, assinala Marcelo Knobel, ex- reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), professor titular de f�sica e divulgador cient�fico. Knobel prev� longos anos para a recupera��o dos danos provocados sobre o setor de ci�ncia e tecnologia. “Um pr�ximo governo Lula herdar� anos e anos sem aumentos nas universidades e outros setores. Possivelmente, vai enfrentar mais greves, dadas as dificuldades que o pa�s enfrenta”, acrescenta.


Congresso Nacional

Para programar as pol�ticas de governo e investimentos, o governo Lula ter� de se articular com o Congresso Nacional, dominado pelo Centr�o, cooptado, nos �ltimos anos, pelo governo Bolsonaro. Para se livrar do teto de gastos, regra constitucional advogada por Henrique Meirelles, ex-ministro da Fazenda de Michel Temer, Bolsonaro fez aprovar a Emenda Constitucional do Estado de Emerg�ncia, que possibilita ao governo gastar por fora do teto de gastos mais R$ 41,25 bilh�es at� o fim deste ano. O Projeto de Lei Or�ament�ria Anual (PLOA) de 2023, que est� no Congresso Nacional, aponta para a dram�tica compress�o dos n�veis de investimentos discricion�rios, por exemplo, em infraestrutura, pesquisa cient�fica e pol�ticas p�blicas do futuro governo: o teto de gastos prim�rios foi estimado em R$ 1,8 trilh�o, sendo que, no �mbito das despesas obrigat�rias, as despesas alcan�am 92,7% do teto, inclusive sem contemplar a manuten��o do atual valor m�nimo de R$ 600 para o programa Aux�lio Brasil. Tamb�m foram cortados pela metade os aportes do Programa Crian�a Feliz. Para a sa�de, a proposta or�ament�ria representa, em valores reais, o menor n�vel de investimentos desde 2014: em compara��o com o ano passado, quando a dota��o somou R$ 162,9 bilh�es, a redu��o prevista � de 10,1%, segundo nota t�cnica conjunta das consultorias de Or�amento do Senado e da C�mara.

No amplo staff de apoiadores lulistas h� desde aqueles que defendem a manuten��o do teto a economistas que advogam a sua elimina��o, dando liberdade ao governo de emitir e instituir as suas pol�ticas de investimentos. Tamb�m se faz presente no entorno de Lula o grupo daqueles que prop�em a substitui��o da regra do atual regime fiscal por outra intermedi�ria. “Bolsonaro j� n�o respeitou o teto de gastos e conduziu a pol�tica fiscal com emendas constitucionais. O fato � que, tal como posta na Constitui��o, � uma regra inconveniente, que n�o tem paralelo no mundo, e precisa ser substitu�da”, afirma Paulo Nogueira Batista. “Na circunst�ncia atual, o teto teria de ser substitu�do por outra regra fiscal mais flex�vel. E acho que o governo Lula tende a caminhar na dire��o desse meio-termo”, considera ele. Seja qual for a mudan�a proposta, ter� de ser aprovada no Congresso Nacional, com dois ter�os de apoio exigidos nas mudan�as constitucionais.

Al�m das mudan�as constitucionais, o governo Lula precisar� repactuar com o Congresso Nacional a constru��o mais equilibrada do Or�amento da Uni�o, inclusive pondo fim a mecanismos pouco transparentes, como o chamado or�amento secreto, institu�do no governo Bolsonaro. “O Congresso se agigantou em rela��o ao Executivo, praticamente sequestrou atribui��es or�ament�rias que s�o do Executivo. A raz�o � conhecida: o governo Bolsonaro, fraco politicamente, nos �ltimos anos foi cedendo espa�o para o Centr�o. Ent�o, este � um grande problema: restabelecer as atribui��es constitucionais do Executivo para que n�o fique subordinado � agenda fragmentada do Congresso”, sustenta Paulo Nogueira Batista, assinalando que se o Congresso toma conta do processo or�ament�rio, este passa a ser conduzido por uma l�gica que n�o � a l�gica global, mas de interesses setoriais, regionais.


Desmilitariza��o do governo

Se com o Congresso Nacional o governo Lula ter� por desafio repactuar os termos da governabilidade, com as For�as Armadas precisar� negociar a desmilitariza��o da administra��o p�blica. “Uma gest�o militarizada contribuiu com a militariza��o da pol�tica. E haver� resist�ncia nas For�as Armadas: o alto oficialato recebeu muitos benef�cios, cargos e possibilidades de aumento salarial”, avalia o cientista pol�tico Pedro H. Villas B�as Castelo Branco, professor associado do Instituto de Estudos Sociais e Pol�ticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ) e coordenador do laborat�rio de Estudos Pol�ticos de Defesa e Seguran�a P�blica. “Apesar de as For�as Armadas terem grupos e tens�es internas fortes, h� em comum um forte senso de pragmatismo”, acrescenta Castelo Branco. Se por um lado, com o senso de oportunidade, os militares v�o querer manter os seus benef�cios, por outro, Lula precisar� ceder em alguns aspectos para recuperar a presen�a civil nos minist�rios, em particular � frente do Minist�rio da Defesa, aponta Castelo Branco.

Apesar das insinua��es e amea�as de Jair Bolsonaro, as For�as Armadas v�o reconhecer os resultados das urnas, avalia Castelo Branco. Para isso, contribui o posicionamento do governo Joe Biden, que manifestou apoio p�blico ao sistema de vota��o eletr�nico brasileiro. Na semana passada, o Senado americano aprovou resolu��o apresentada por Berni Sanders e outros parlamentares democratas, favor�vel ao rompimento de rela��es e assist�ncia militar entre pa�ses em caso de um golpe. “Acredito que o comando das For�as Armadas v� reconhecer o resultado das urnas, apesar de Bolsonaro e seus seguidores”, observa o cientista pol�tico, considerando que n�o � consenso, no meio militar, o modo bolsonarista de radicaliza��o contra as institui��es. “O militar que age corretamente se silencia e se necess�rio vai ter de reprimir insurg�ncias, pois os custos para as For�as Armadas de se insurgirem, quebrarem a hierarquia, � muito alto. Existe contexto internacional contr�rio a essa perspectiva”, afirma.

Diferentemente do oficialato, a base militar n�o teve benef�cios salariais no governo Bolsonaro. “O que h� � mais uma identifica��o com os valores, uma ades�o ideol�gica, uma base mais evang�lica”, aponta Castelo Branco, indicando tr�s elementos que d�o for�a a Bolsonaro: os evang�licos, os militares e o populismo, nessa rela��o direta com os seguidores, atrav�s das redes sociais. Nessa base militar, os tr�s elementos se entrela�am. “Quando as For�as Armadas se voltam para a pol�tica, acabam fabricando inimigos internos. Por isso n�o podem participar da pol�tica com autonomia, t�m de se subordinar. E o populismo tem a mesma l�gica. Os l�deres populistas sempre se apresentam como antissistema, e quando ascendem ao poder, seguem atacando permanentemente o sistema, tornam-se oposi��o a si mesmos”, considera Pedro Villas B�as Castelo Branco.

Para o cientista pol�tico, Lula precisar� investir muito no fortalecimento da democracia. “Regredimos. Por isso, Lula vai ter de voltar a fortalecer as institui��es, como os partidos pol�ticos, a imprensa, que s�o filtros importantes numa democracia. S�o corpos intermedi�rios que t�m por miss�o evitar a chegada de um Bolsonaro ao poder”, conclui o cientista pol�tico.


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