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Estado de Minas FILOSOFIA EXPLICADINHA

Brasil, p�tria dos memes: o homem � um animal que ri

De como o riso pode nos salvar de uma vida rid�cula


06/11/2022 13:25 - atualizado 06/11/2022 17:06

Meme de internet
Meme de internet (foto: Reprodu��o/Internet)


Por Renato de Faria*

O homem � uma animal que ri. Indiv�duo simples que sou, confesso que seria incapaz de ter criado uma frase com tamanho poder revelador. Por isso, dou os cr�ditos ao bom e velho Arist�teles, que na Po�tica nos oferece essa pitada de filosofia cotidiana. N�o tenho nenhuma d�vida de que, se fosse vivo, presenciar�amos o velhote maced�nico gargalhando, junto aos seus colegas peripat�ticos, de todos memes criados no Brasil. 

Os animais choram, gritam e at� reclamam. Mas rir � um atributo exclusivamente humano. Esse gesto traz � tona a forma feia, grotesca e rid�cula a que todo indiv�duo est� sujeito, ao se expor � vida em sociedade.

Por isso que o riso � uma esp�cie de exorcismo, exalta��o de uma forma contundente de rela��o humana que denuncia as ninharias da vida cotidiana, expondo aquele que se enrosca na soberba de desejar respeito a todo momento. S� o s�bio dispensa respeito eterno, pois � capaz de rir com beleza e prazer.  

As boas piadas salvam a exist�ncia di�ria e fazem com que o homem experimente, nem que seja por um mil�simo de segundo, a mais pura felicidade. N�o falo do humor raso, desses que vivem � sombra de preconceitos, racismos e xenofobias, mas do humor em sua fun��o bruta, expondo o rid�culo dos que se acham s�rios demais, possuidores da verdade, detentores da beleza e advogados da justi�a. Quanto mais alta a seriedade do momento, maior a potencialidade de uma boa ironia. 

Essa era, inclusive, a grande arma socr�tica ao enfrentar os poderosos de seu tempo: mostrar que, por mais arrogante que um sujeito possa ser, somos irm�os na ignor�ncia daquilo que fingimos saber. Com muita eleg�ncia intelectual, o fil�sofo grego conseguia mostrar aos seus conterr�neos, sempre com perguntas perspicazes recheadas de ironias finas, que muita gente afirmava saber o que, na verdade, desconhecia. Era como colocar o �tila Iamarino para conversar com a Tia do Zap.

Quando esse encontro acontecia, desvelavam-se dois caminhos poss�veis: os mais s�bios acabavam rindo da pr�pria ignor�ncia; j� os vaidosos, pelo contr�rio, justamente por serem mais fracos, acabavam por agredir nosso querido pensador. Nisso, n�o mudamos em nada ainda: todo burro tem a agress�o como resposta de sua pr�pria burrice.

Montaigne, em seus ensaios, nos oferece uma boa ferramenta para lidar com gente chata: imagine-o em pleno banheiro, fazendo for�a para defecar. Isso mesmo! O fil�sofo franc�s nos fala que basta olhar para o sujeito chato e imagin�-lo no trono para o tempo passar com maior facilidade. Tenho que admitir que isso j� me salvou de muitas conversas enfadonhas. 

Talvez por isso o Brasil ainda consiga escapar, mesmo que por pouco, de regimes totalit�rios. Somos um povo que tratamos a seriedade na medida certa: somente de segunda a sexta, de 8h �s 18h. O riso, a piada e a ironia extrapolam as classes sociais e fazem, de qualquer sujeito, um rei fugaz, experimentando a igualdade desejada pelas revolu��es e a abund�ncia prometida pela economia. 

E n�o venha dizer que voc� � aquele tipo pur�ssimo, incapaz de rir de governantes, patriarcas e chefes. Quem nunca teve uma piada escondida daquele a quem deve obedi�ncia laboral nem poderia ser tratado como gente. Nem um apelidinho sequer?  Longe de chefes, tudo � feliz. O direito de zombar �s escondidas daqueles que controlam economicamente nossas vidas � uma das ben��os distribu�das pelo Olimpo e escondidas na sala de caf�, nas reparti��es p�blicas e nas empresas privadas, deveria at� ser garantido em Constitui��o!

N�o � � toa que o riso era visto, durante a Idade M�dia, como algo diab�lico. � muita tenta��o envolvida! Ao deformar a face, ele era evitado em locais p�blicos (falo tanto do riso quanto do diabo), pois todos deveriam carregar nos ombros a tr�gica heran�a do pecado original, demonstrando toda infelicidade ao cruzar com o irm�o tamb�m pecador. O riso s� era visto passeando nas tabernas, lugar prop�cio � lassid�o dos v�cios e � vida desregrada. Toda taberna era uma esp�cie de grupo de WhatsApp da pelada de domingo. 

Chego a imaginar que nunca existiu, sobre a face da Terra, algu�m que nunca riu de seus dirigentes.  E rir dos superiores sempre nos salvou de uma vida torpe. Admita. Nem que seja para voc� mesmo: rir do poder � t�o bom que a gente s� faz isso escondido, justamente para que eles n�o nos roubem esse tesouro precioso. E do outro lado, voc� que manda nos outros, guarde sempre essa verdade em seu cora��o: quando chegar no escrit�rio e os seus subordinados estiverem rindo, n�o tenha d�vida, eles n�o gozam com voc�, eles gozam de voc�. 

E a vida � assim mesmo, uma oportunidade para rir de nossas babaquices, acreditando no humor como uma tentativa quixotesca, no melhor sentido poss�vel, de expurgar a falta de sentido que nos acompanha do primeiro ao �ltimo suspiro.

Acredite: nossa exist�ncia seria muito pior se n�o houvesse os memes, figurinhas e afins. Pense em seus dias, nesses tempos estranhos em que vivemos, sem os v�deos recebidos pelo celular. Mais do que humor, tudo isso se transforma em estrat�gia de sobreviv�ncia. Afinal, o tr�gico � bem mais diger�vel quando recebe a visita do c�mico, como essas piadas que s�o contadas ap�s o almo�o familiar de domingo, capazes de unir os cora��es mais dilacerados pelas discuss�es pol�ticas. 

Dev�amos consagrar o “meme” como um convite angelical ao para�so instant�neo, proclamando todos aqueles que os enviam como profetas de um mudo melhor, pois acabam por salvar, mesmo que momentaneamente, uma pobre alma de uma vida infernal, raivosa e melanc�lica. 

*Renato de Faria � professor e fil�sofo, buscando as problem�ticas da vida diante das solucion�ticas do mundo


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