Como psic�logos t�m tratado o adoecimento pol�tico na cl�nica
Reatar la�os que foram desfeitos ap�s brigas em fam�lias e entre amigos por causa da polariza��o pol�tica virou um desafio at� mesmo para psicanalistas
Adoecimento pol�tico: depois das elei��es, o div� (foto: Arte: Soraia Piva/EM/D.A Press)
“Meu irm�o sempre soube que eu n�o era a favor do Bolsonaro, desde a �ltima elei��o (2018). At� ent�o, ele me respeitava. Recentemente, antes do primeiro turno, ele come�ou a mudar, ficou muito agressivo. Fiz um post no grupo da fam�lia contra o Bolsonaro, a� ele respondeu com uma enxurrada de post a favor (de Bolsonaro). Um dia, �s 2 da madrugada, ele me mandou um monte de mensagem no privado, me agredindo. Desde ent�o, n�o conversamos mais. Bloqueei ele no Whatsapp. O triste � que isso gerou um racha na nossa fam�lia, que � pequena, s�o s� quatro pessoas. O Natal deste ano est� em aberto. Falei com o meu pai que enquanto ele n�o me pedir desculpas, n�o entra na minha casa.” *Ana Maria (nome fict�cio), 42 anos, designer.
Ainda se recuperando de traumas psicol�gicos do longo per�odo de restri��o e isolamento impostos pela pandemia, os brasileiros vivem outro dilema social: a polariza��o pol�tica. Assim como o relato da Ana Maria, o racha ideol�gico entre amigos, familiares e at� mesmo casais tem provocado brigas, rompimento e adoecimento mental para uma parcela da popula��o. Em uma enquete feita nas redes sociais do Estado Minas, 49% dos nossos leitores disseram que vivenciaram alguma briga s�ria na fam�lia por causa da pol�tica antes ou depois das elei��es, encerrada em 30 de outubro.
Brigas que come�aram em redes sociais, na rua ou dentro de casa e foram parar no div�. “Nesse momento de polariza��o que a gente viveu no per�odo eleitoral ou est� vivendo agora, praticamente todos os meus pacientes trazem algum tipo de problema para a cl�nica. � uma quest�o que atravessa a todos”, comenta o psicanalista Marcelo Bizzotto.
Essa esp�cie de adoecimento pol�tico, como classifica o psicanalista Christian Dunker, tem atravessado tanta gente porque atinge os recursos naturais da sa�de mental das pessoas. “Quais s�o esses recursos? S�o rela��es, fam�lia, comunidade, la�os. Pessoas que nos escutam, que fazem parte da nossa hist�ria. E por isso, essa situa��o pol�tica fez muito mal, porque fez a gente perder uma parte desses recursos”, explica Dunker, que � professor titular do Departamento de Psicologia Cl�nica do Instituto de Psicologia da Universidade de S�o Paulo (USP).
Emo��o e afeto
Marcelo Bizzotto acredita que recompor esses la�os desfeitos pelos rachas pol�ticos imp�e desafios at� mesmo para os profissionais da sa�de mental, uma vez que o problema � coletivo e todos est�o imersos no mesmo caldeir�o. “A dimens�o pol�tica, hoje, est� muito ligada a uma quest�o dos afetos. A pol�tica deixou de ser algo simplesmente argumentativo e ideol�gico passou a ser algo muito da emo��o e dos afetos mesmo”, comenta.
Bizzoto acredita que recompor esses la�os desfeitos pelos rachas pol�ticos imp�e desafios at� mesmo para os profissionais da sa�de mental (foto: Arquivo pessoal)
Da� a necessidade de um afastamento profissional durante a an�lise, como explica Dunker. "Essa neutralidade, no fundo, � um afastamento que a gente tem em rela��o � vida das pessoas, que permite dizer coisas que ajudam essas pessoas. N�o � sobre quem est� certo, quem ganhou ou quem perdeu”, comenta.
N�o existe receita simples para solucionar o problema e restabelecer a harmonia entre os desafetos gerados pela pol�tica. “O trabalho que a gente faz na cl�nica � para que a pessoa trabalhe nela para tentar separar o que � a escolha dela na pol�tica e de fazer com que isso n�o seja algo maior do que deveria ser. No sentido de atrapalhar as rela��es”, explica Bizzotto.
A tarefa, no entanto, n�o � nada f�cil. Para a psicanalista Cristiane Barreto, nem sempre vai ser poss�vel retomar ou estabelecer di�logo com quem tem ideologia oposta, mesmo que essa pessoa seja um amigo querido ou um familiar.
' A oferta da psican�lise � justamente como que cada um vai fazer para se virar com o sintoma que tem' (foto: Arquivo pessoal)
“A proposta em si da psican�lise n�o � s� terap�utica no sentido de a gente vender por terap�utica essa harmonia social. A oferta da psican�lise � justamente mostrar como cada um vai fazer para se virar com o sintoma que tem, com o mal-estar que est� localizado para construir o melhor la�o, o melhor arranjo. N�o � ent�o a promessa de uma certa pacifica��o. �s vezes um termo que aponta para um extremo � que d� essa boa medida”, analisa a profissional, que � membro da Escola Brasileira de Psican�lise e da Associa��o Mundial de Psican�lise.
Os especialistas ressaltam que a psican�lise � o lugar do acolhimento, n�o um lugar doutrinador e de julgamentos. "Nesse sentido, a psican�lise vem como uma grande aliada. O rem�dio, digamos assim, � muito mais nessa perspectiva de voc� conhecer a voc� mesmo para voc� dar conta de estar num coletivo”, afirma Cristiane Barreto.
Nessa perspectiva, segundo Marcelo Bizzotto, � importante atentar para a origem do pr�prio desconforto. “� preciso reconhecer que esse estranho que a gente localiza no outro, na verdade, est� em n�s mesmos. O trabalho de an�lise � a gente tratar isso que a gente projeta no outro como sendo mal e entender que, na verdade, est� na gente”, afirma.
Estrat�gia do �dio
Bizzotto destaca que para entender como e porqu� a pol�tica causou tantos rompimentos de rela��o aqui no Brasil, � preciso compreender que, embora haja suas peculiaridades, a estrat�gia pol�tica pautada na quest�o do �dio n�o tem nada de individual, nem � completamente nova.
“O (Sigmund) Freud, por exemplo, no seu texto sobre a psicologia das massas, fala que a estrat�gia publicit�ria do fascismo era justamente essa de voc� fazer a pessoa ficar um pouco confusa no que � verdade, o que � mentira. E com isso voc� escolher um inimigo para poder descredenci�-lo, para poder atac�-lo, elimin�-lo. Foi assim que se constitu�ram as bases do fascismo e que hoje parece ter um retorno um pouco diferente”, explica Bizzotto.
O profissional aponta que para amenizar o mal-estar social provocado pela diverg�ncia pol�tica � preciso autoconhecimento com uma boa dose de desapego. “N�o cabe a voc� resolver o que � uma limita��o que n�o � sua, � do outro. Mas � importante que voc� fale sobre isso para distinguir uma coisa da outra e a culpa n�o ficar maior do que deveria ser”, comenta.