
Ap�s criticar o presidente da C�mara, Arthur Lira (PP-AL), durante a campanha presidencial devido ao chamado Or�amento Secreto, o presidente eleito, Luiz In�cio Lula da Silva (PT), decidiu que a melhor estrat�gia para seu governo � apoiar sua reelei��o em fevereiro.
Pesou na decis�o o trauma petista com a p�ssima rela��o do governo Dilma Rousseff com o ent�o presidente da C�mara, Eduardo Cunha, crise que culminou no impeachment da presidente em 2016.
Agora, diante da certeza de que Lira deve se reeleger independentemente da vontade do futuro governo, Lula e o PT resolveram que o melhor � tentar construir uma boa rela��o com o presidente da C�mara desde j�.
Na ter�a-feira (29/11), PT, PV e PC do B (siglas que formam uma federa��o partid�ria), junto com PSB, partido do vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, oficializaram seu apoio a um novo mandato de dois anos para Lira no comando da Casa. Com isso, o alagoano se consolida para ser reeleito numa ampla alian�a, que inclui desde os partidos da futura base de Lula, como as siglas que apoiam o atual presidente Jair Bolsonaro (PL).
Lira foi aliado fiel do atual governo, engavetando dezenas de pedidos de impeachment contra Bolsonaro. Seu perfil, por�m, � bastante pragm�tico. Assim que a elei��o de Lula foi anunciada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o presidente da C�mara parabenizou o presidente eleito e disse que "a vontade da maioria jamais dever� ser contestada", num claro distanciamento do discurso bolsonarista de questionar a seguran�a do sistema de vota��o brasileiro.
Segundo o deputado Carlos Zarattini (PT-SP), seu partido decidiu apoiar a reelei��o de Lira porque sua vit�ria "j� est� praticamente garantida". Dessa forma, disse � BBC News Brasil, o PT procura construir uma boa rela��o com o comando da C�mara que facilite a futura aprova��o de projetos de interesse do governo Lula.
"N�s precisamos governar agora. N�o adianta a gente lan�ar um candidato contra um que j� ganhou por uma marca��o de posi��o", refor�ou.
Al�m da boa rela��o com Lira, Lula tenta garantir a governabilidade atraindo partidos de centro-direita para a base do governo, j� que as siglas mais � esquerda n�o garantem maioria de votos no Congresso. O presidente eleito est� em negocia��o com Uni�o Brasil, MDB e PSD.
O trauma de 2015
Zarattini tamb�m disse � reportagem que o PT "n�o quer repetir" o que ocorreu na presid�ncia de Eduardo Cunha. No comando da Casa, ele privilegiava a vota��o das chamadas "pautas-bomba", que prejudicavam o governo com aumentos de gastos, e, por outro lado, dificultava o andamento de propostas de interesse da gest�o Dilma.
Depois, com a escalada da crise com a presidente e o PT, Cunha deu in�cio ao processo de impeachment que derrubou a petista.
O pr�prio Lula reconhece que Dilma e seu partido erraram na forma como conduziram a rela��o com Eduardo Cunha. Em entrevista � BBC News Brasil concedida em 2019, quando estava preso em Curitiba, disse que o partido n�o deveria ter lan�ado o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) para disputar com o peemedebista. Segundo Lula, "havia j� um antipetismo dentro da C�mara" e a melhor estrat�gia na �poca seria ter apoiado outro nome do PMDB (partido que passou a se chamar MDB em 2017).

Cunha venceu a disputa em primeiro turno, com 267 votos, contra apenas 136 do petista.
"Eu fui alertar o PT que era humanamente imposs�vel, matematicamente imposs�vel, o PT disputar a presid�ncia da C�mara em 2015. Fui numa reuni�o com v�rios deputados do PT, coloquei meus argumentos: 'se voc�s quiserem derrotar o Cunha, a �nica coisa que podem fazer � pegar algu�m do PMDB e lan�ar como candidato para derrotar o Cunha'", contou, na entrevista.
Lula ressaltou, ainda, um segundo erro do governo Dilma: n�o ter buscado construir uma boa rela��o com Cunha ap�s sua vit�ria.
Ele lembrou que em 2005, no seu primeiro mandato como presidente, o candidato do governo ao comando da C�mara, Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), tamb�m foi derrotado. Lula, por�m, imediatamente buscou construir um bom di�logo com o presidente eleito, Severino Cavalcanti, do PP de Pernambuco.
"Perdeu, paci�ncia. Agora, mesmo sendo o Cunha, o Presidente da Rep�blica precisa se relacionar com o outro poder. Eu estava no Suriname quando o PT perdeu (em 2005) a presid�ncia da C�mara. (…) Voc� acha que eu ia ficar com raiva? N�o, peguei o telefone e liguei pro Severino: 'Companheiro Severino. Estou no Suriname e estou regressando ao Brasil, quando eu chegar o primeiro caf� da manh� � com voc�'", lembrou � BBC News Brasil.
"Olha, se o Eduardo Cunha ganhou as elei��es, o PT deveria ter estabelecido uma rela��o sabendo que ele � um outro poder. A gente n�o pode fazer do nosso comportamento na pol�tica apenas uma quest�o de princ�pio. E n�o era s� a Dilma que tinha que fazer, ela tinha a coordena��o pol�tica. Ela tinha a Casa Civil (comandada na �poca por Aloizio Mercadante). Se n�s erramos nesse trato, n�s pagamos o pre�o, paci�ncia", disse ainda em 2019.
Apesar das cr�ticas do presidente eleito � gest�o pol�tica de Mercadante, o ex-ministro da Casa Civil voltou ao centro do poder petista. Ele coordenou o programa de governo da campanha de Lula, agora � o coordenador t�cnico da equipe de transi��o do presidente eleito e est� cotado para ocupar algum minist�rio na futura gest�o.
PEC e disputa por cargos na C�mara
O analista pol�tico Ant�nio Augusto de Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), tamb�m considera que seria muito "temer�rio" o PT tentar enfrentar Lira na disputa pelo comando da Casa. Na sua vis�o, pesa ainda no c�lculo pol�tico a necessidade de uma boa rela��o com Lira para conseguir aprovar ainda neste ano uma proposta de emenda � Constitui��o (PEC) que autorize um aumento dos gastos do governo no pr�ximo ano, a chamada PEC da Transi��o.
Nessa proposta, o presidente eleito tenta liberar at� R$ 198 bilh�es de despesas acima do Teto de Gastos em 2023, mas depende que o texto seja aprovado com agilidade na C�mara e no Senado. O pr�ximo governo quer usar esses recursos para ampliar o valor do Aux�lio Brasil, que voltar� a se chamar Bolsa Fam�lia, al�m de destinar mais recursos para investimentos em obras e programas sociais, como o Farm�cia Popular e o Minha Casa Minha Vida.
Outro ponto importante no apoio do PT a Lira, nota Queiroz, � a tentativa de garantir que postos-chave da C�mara sejam ocupados por aliados do governo ou, pelo menos, que n�o fiquem nas m�os de bolsonaristas, como o comando da Comiss�o de Constitui��o e Justi�a e Cidadania (CCJ), �rg�o que analisa se as propostas em tramita��o na Casa est�o de acordo com os princ�pios constitucionais.
Como o PL elegeu 99 deputados, futura maior bancada da Casa, o partido tem prefer�ncia na escolha dos cargos. A bancada eleita, ressalta Queiroz, � uma mistura de deputados muito fi�is a Bolsonaro, que entraram mais recentemente no partido, e antigos congressistas da sigla, de perfil mais pragm�tico.
No entanto, caso o PT, que elegeu a segunda futura maior bancada (68 deputados), forme um bloco maior com outros partidos dentro da C�mara, poder� passar � frente do PL na distribui��o dos cargos.
"Eu acho que tem muita chance de, atrav�s de um partido aliado, ao formar um bloco, (o PT) indicar o presidente da CCJ. Mas, de antem�o, ao apoiar o Lira, vai ter a garantia de que (Lira) n�o vai entregar a CCJ a ningu�m ligado a Bolsonaro. Pode at� ser do PL, eventualmente, mas n�o pode ser dessa turma fundamentalista (mais fiel a Bolsonaro)", acredita.
O futuro do "Or�amento Secreto"
A federa��o liderada pelo PT e o PSB juntos somam 94 deputados. Al�m deles, outros dez partidos j� formalizaram apoio a reelei��o de Lira, o que garante maioria para reeleg�-lo: Uni�o Brasil (59 deputados), PP (47), Republicanos (41), PDT (17), Podemos (12), PSC (6), Patriota (4), Solidariedade (4), Pros (3) e PTB (1). E tamb�m s�o esperados os apoios de PL (99) e PSD (42).
Na avalia��o de Queiroz, Lira viabilizou sua reelei��o ao gerenciar na C�mara a distribui��o do chamado Or�amento Secreto — dezenas de bilh�es em emendas parlamentares que desde 2019 foram destinadas por deputados e senadores a suas bases eleitorais em opera��es pouco transparentes que t�m dado margem a poss�veis desvios.
Esse mecanismo, oficialmente chamado de emendas de relator, em refer�ncia ao parlamentar relator da lei or�ament�ria, transferiu para o Congresso um grande volume de recursos antes geridos pelos minist�rios.
A proposta de Or�amento para 2023 encaminhada pelo governo Bolsonaro ao Congresso prev� R$ 19 bilh�es para essa despesa no pr�ximo ano.
Durante a campanha, Lula chamou o Or�amento Secreto de excresc�ncia e criticou o excesso de poder nas m�os de Lira.
"O Bolsonaro � ref�m do Congresso Nacional. O Bolsonaro sequer cuida do or�amento. O or�amento quem cuida � o (Arthur) Lira, ele que libera verba, o ministro liga para ele, n�o liga para o presidente da Rep�blica. Isso nunca aconteceu desde a proclama��o da Rep�blica", disse o petista em entrevista ao Jornal Nacional em agosto.
Apesar disso, as emendas de relator n�o devem acabar no pr�ximo governo. Mas, segundo Zarattini, a gest�o Lula deseja dar "transpar�ncia total" a esses gastos. Al�m disso, disse o deputado, o governo quer definir quais ser�o as �reas priorit�rias para uso dessas verbas.
"O governo � que deve dirigir para que tipo de uso vai o dinheiro. L�gico que o deputado vai influenciar tamb�m, dirigindo os recursos para os locais das suas bases, mas a partir de um plano onde o governo estabelece as suas prioridades", defendeu Zarattini.
Queiroz, do Diap, ressalta que as emendas do relator n�o s�o uma despesa impositiva, ou seja, sua libera��o pelo governo n�o � obrigat�ria. Por isso, ele avalia que Lula ter� condi��o de fazer essas mudan�as (dar transpar�ncia e definir �reas priorit�rias).
Para tornar essas despesas impositivas, Lira teria que conseguir alterar a Constitui��o, o que exige o apoio de ao menos tr�s quintos dos deputados e senadores.
Na avalia��o de Queiroz, isso n�o � vi�vel no momento porque o tema � impopular na sociedade e o PT deve ter uma base suficientemente ampla para evitar uma altera��o do tipo no texto constitucional.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63803460
