
A sequ�ncia ca�tica dos eventos do 8 de janeiro em Bras�lia tem uma narrativa mais coesa dentro de grupos bolsonaristas porque existe a ideia de um "grande plano" em curso, afirma Leonardo Nascimento, da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Segundo o pesquisador, acontecimentos relacionados ao universo de apoiadores de Jair Bolsonaro sempre t�m uma explica��o e uma justificativa porque, na vis�o deles, "tudo foi planejado antes e faz parte de uma estrat�gia bem definida".
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"� uma pot�ncia narrativa mesmo. Nada escapa a ela. Ent�o h� a ideia de que existe um grande plano por tr�s, silenciosamente executado, e que o patriota deve acreditar no ex-presidente", diz.
"Essa arquitetura depende da a��o de certos agentes para que ela aconte�a da forma ideal, acreditam eles. Por isso que devem ir para a rua para ativar os militares e permitir que Bolsonaro volte."
As cenas de quebra-quebra e vandalismo que resultaram em destrui��o de espa�os, pe�as hist�ricas e obras de arte dentro do Pal�cio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal levaram figuras p�blicas ligadas ao bolsonarismo a criticar os atos ou a se manter em sil�ncio.
Mas a t�nica dentro de grupos de apoiadores, no dia seguinte aos ataques, foi de apostar na narrativa dos "esquerdistas infiltrados".
"Eles est�o dizendo que a manifesta��o livre democr�tica do povo foi um sucesso, mas que o 'Estado comunista' j� tinha tudo articulado para tentar incrimin�-los atrav�s de 'esquerdistas infiltrados'. A trama � essa, a narrativa � toda essa. Quem atacou e quem quebrou? Eles justificam que 'n�o eram patriotas, porque patriota n�o quebra patrim�nio, patriota n�o ataca policial'", diz o pesquisador da UFBA.
Ele cita a utiliza��o nas redes sociais bolsonaristas do v�deo de um invasor que segura uma bandeira do PT e acena para a c�mera de um drone. Segundo o site Metr�poles, o objeto foi furtado de dentro do Congresso.
"H� uma dimens�o performativa para ocultar o pr�prio ataque."
At� o sil�ncio e a ambiguidade desempenham um papel na forma como as narrativas se desenrolam dentro das redes bolsonaristas.
O pesquisador diz que o recolhimento e os raros pronunciamentos do ex-presidente ap�s a derrota no segundo turno da �ltima elei��o tamb�m ganham uma interpreta��o de seus apoiadores.
"Os psicanalistas t�m uma express�o interessante: 'aquilo que n�o � dito prolifera nas sombras'. Ou seja, quando voc� n�o fala, voc� d� margem para proliferar o trabalho do inconsciente, para milh�es de coisas. Tudo isso serve de elemento para a constru��o de uma grande narrativa oculta, silenciosa."
� uma caracter�stica semelhante a de um outro movimento que se baseia em teorias conspirat�rias — o QAnon nos Estados Unidos.
O perfil an�nimo da internet, que serviu para galvanizar uma grande base de apoio para o ex-presidente norte-americano Donald Trump, ficou conhecido por divulgar mensagens cifradas. Chegou a passar um ano e meio sem postagens. Mas seus seguidores especulavam e criavam teorias sobre a natureza desse sil�ncio.
"Costumam falar que � preciso tomar a red pill [p�lula vermelha] para entender o que est� acontecendo", diz Nascimento, em refer�ncia ao termo que se popularizou em f�runs de extrema direita e tem origem em Matrix (1999).
No filme das irm�s Lilly e Lana Wachowski, o protagonista Neo tem que escolher entre tomar a p�lula azul, que permite seguir em um mundo de ilus�es, e a vermelha, para encarar a realidade. O conceito virou uma met�fora para aceitar os preceitos de diversos grupos radicais.

Narrativas coordenadas
Nascimento, que desenvolve h� alguns anos um monitoramento do material postado em redes bolsonaristas junto a Let�cia Cesarino, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Paulo de Freitas Castro Fonseca, tamb�m da UFBA, afirma que essa "pot�ncia narrativa" tem uma din�mica que n�o � obra do acaso.
"Existe uma coordena��o. E isso � uma coisa que a gente percebe desde 2020, durante a pandemia, quando a gente come�ou a analisar posts sobre cloroquina no Twitter. E quando a gente conseguiu ter uma vis�o de rede ampliada, detalhada e complexa do Telegram, a� foi poss�vel entender como essa coordena��o funcionava."
"� tudo muito bem organizado no sentido de promover certas narrativas ou dar o start para determinadas narrativas."
E esse trabalho tem sido facilitado pela automatiza��o de postagens que tem o objetivo de espalhar e ampliar as ideias de um determinado grupo — algo que vem sendo replicado tamb�m pelos usu�rios humanos.
Os pesquisadores est�o analisando o que chamam de "botifica��o" de participantes dessas redes radicalizadas.
Bots s�o aplicativos programados para executar tarefas de uma maneira que simula uma a��o humana. � comum que bots, muitas vezes sob o avatar ou a imagem de um usu�rio humano, disparem em um determinado hor�rio do dia v�deos e not�cias que v�o pautar um grupo no Telegram, por exemplo.
"As pessoas de carne e osso, ao interagir com esses perfis botificados, elas de certa forma se modificam. Elas repetem padr�es, disseminam conte�dos sem que necessariamente interajam como humanos."
"Existem pessoas que postam v�deos todos os dias, o dia todo, de diversos canais, com conte�do que incita a radicaliza��o e a viol�ncia. Algumas delas dedicam bastante tempo do seu dia. E v�o entrando cada vez mais nessas narrativas", afirma ele.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64213693