
Em um audit�rio lotado de empres�rios, pol�ticos e jornalistas brasileiros e argentinos, em Buenos Aires, na segunda-feira (23/1), o presidente Luiz In�cio Lula da Silva (PT) toma o presidente Alberto Fern�ndez pelo bra�o e d� o comando. "Stuckinha (apelido do fot�grafo presidencial Ricardo Stuckert)! Bate a foto aqui! N�s n�o estamos em campanha", tentou alertar Lula antes de posar para uma foto de bra�os dados com Fern�ndez.
Lula, de fato, n�o est� em campanha. Assumiu o governo no in�cio do ano ap�s uma das elei��es mais disputadas do pa�s, em que venceu o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Fern�ndez, por outro lado, poder� estar em franca corrida presidencial j� nos pr�ximos meses.
A Argentina ter� elei��es presidenciais em outubro deste ano e Fern�ndez, em seu primeiro mandato, dever� tentar a reelei��o. Mas se Lula ainda vive o que se convencionou chamar de "lua de mel" do in�cio de governo, Fern�ndez vive um momento distinto.
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De acordo com pesquisa do instituto Management & Fit mencionada pelo jornal Clar�n, o maior da Argentina, 68% da popula��o desaprovava a gest�o de Fern�ndez em maio do ano passado. Em 2021, a coaliz�o de oposi��o conquistou a maioria dos assentos no Parlamento argentino.
� em meio a esse cen�rio adverso para Fern�ndez que especialistas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que a visita de Lula pode ser vista como uma tentativa de "turbinar" a popularidade do presidente argentino com vistas �s elei��es de outubro.
Infla��o, desgaste e advers�rios
Fern�ndez � um pol�tico peronista (principal for�a pol�tica de centro-esquerda na Argentina) que se elegeu em 2019 vencendo o ex-presidente Maur�cio Macri, principal l�der da centro-direita no pa�s.Fern�ndez � um dos principais nomes do peronismo, corrente pol�tico-ideol�gica fundada pelo ex-presidente argentino Juan Domingo Per�n.
No in�cio dos anos 2000, ele se aproximou do casal N�stor e Cristina Kirchner e foi chefe de gabinete dos dois quando ocuparam a presid�ncia do pa�s. Em 2008, ele se afastou de Cristina para se reaproximar nas elei��es de 2019 e vencer Macri.
Atualmente, Fern�ndez e Cristina Kirchner t�m uma rela��o estremecida em meio a disputas internas dentro do peronismo.
Fern�ndez foi eleito prometendo reverter medidas liberais adotadas pelo governo Macri, diminuir a taxa de desemprego e controlar a infla��o.
Quase quatro anos depois, por�m, o pa�s ainda vive uma crise econ�mica, dificuldades em obter divisas para financiar suas exporta��es e uma taxa de infla��o que est� entre as maiores da regi�o.
Dados do governo argentino mostram que, entre janeiro e novembro de 2022, a infla��o oficial no pa�s foi de 92%. Internamente, a vulnerabilidade do Peso Argentino faz com que seja normal, pelas ruas de Buenos Aires, fazer compras em outras moedas como o d�lar ou mesmo o real.
Para se viabilizar eleitoralmente, Fern�ndez ter� que enfrentar a disputa interna com Cristina Kirchner e superar os candidatos da centro-direita e da direita mais radical do pa�s, com nomes que v�o da opositora Patricia Bullrich, presidente do Partido Proposta Republicana, ao deputado e economista liberal Javier Miley.
"Fern�ndez provavelmente enfrentar� grandes dificuldades para se reeleger, pois o contexto � marcado por obst�culos pol�ticos e econ�micos. Politicamente, cabe lembrar as fric��es e os desentendimentos sobre a condu��o da pol�tica econ�mica entre ele e a vice-presidente, Cristina Kirchner [...] Do ponto de vista econ�mico, a Argentina enfrenta s�rias dificuldades", explicou a professora de Rela��es Internacionais e pesquisadora L�via Milani.
Para o professor de Rela��es Internacionais da PUC de S�o Paulo, Arthur Murta, a passagem de Lula pela Argentina pode "potencializar" o grupo pol�tico de Fern�ndez em um ano eleitoral.
"O fato de Lula escolher a Argentina como a primeira viagem internacional do seu mandato sinaliza um prest�gio para a opini�o p�blica dos nossos vizinhos e isso pode, em alguma medida, impulsionar a coaliz�o de Fern�ndez", disse o professor.
An�ncios em s�rie
Entre eles estavam a poss�vel libera��o de recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econ�mico e Social (BNDES) para a constru��o de um trecho do gasoduto que poder� ligar a bacia de Vaca Muerta ao Brasil. O financiamento seria de pelo menos R$ 3 bilh�es e marcaria a volta do banco aos empr�stimos para obras no exterior.
Em outra frente, autoridades argentinas chegaram a anunciar que os dois pa�ses estariam trabalhando na cria��o de uma moeda comum para transa��es comerciais bilaterais, driblando, assim, a necessidade da Argentina de obter d�lares para financiar suas importa��es.
No Brasil, a not�cia gerou controv�rsia em meio aos rumores de que o projeto poderia unificar o real e o peso argentino, ideia que foi recha�ada pelo ministro da Fazenda brasileiro, Fernando Haddad.
Para Arthur Murta, as dificuldades eleitorais de Fern�ndez ajudam a explicar a s�rie de an�ncios na �rea econ�mica feitos pelo governo argentino nos �ltimos dias.
"Para a Argentina, ter o apoio do BNDES em projetos de desenvolvimento e a cria��o de um grupo de trabalho econ�mico-comercial conjunto, � um ganho enorme, principalmente em ano eleitoral e em um cen�rio de poucas op��es para resolu��o da crise argentina", disse o professor.
"Financiamento via BNDES e a cria��o de uma moeda comum que possibilite as transa��es comerciais sem o uso de d�lar s�o iniciativas que podem ter efeitos relevantes para a economia argentina, o que � essencial para um governo em ano eleitoral", afirmou a professora Fl�via Milani.

Lula cauteloso
Do lado brasileiro, apesar da foto e das declara��es m�tuas de apre�o entre Lula a Fern�ndez, o presidente brasileiro fez quest�o de manter pontes com Cristina Kirchner, que ainda � uma importante lideran�a do peronismo no pa�s. Durante sua visita, havia a expectativa de que Lula pudesse ter uma reuni�o com a ex-presidente, o que ainda n�o ocorreu. Ele tamb�m n�o fez cr�ticas p�blicas a Macri, antecessor de Fern�ndez.
Lula tamb�m foi cauteloso ao ser questionado pela imprensa argentina durante uma entrevista coletiva. Indagado sobre sua avalia��o do cen�rio pol�tico local, Lula evitou declarar seu apoio a candidatos, mas alertou sobre o suposto risco de uma vit�ria da extrema-direita.
"Eu n�o gosto de dar palpite sobre a pol�tica de outro pa�s [...] A �nica coisa que eu posso dizer � que quando Alberto Fernandez ganhou as elei��es, eu fiquei muito feliz. N�o sei se ele ser� candidato ou n�o [...] A �nica coisa que eu espero � que a Argentina n�o permita que a extrema-direita ganhe as elei��es aqui", disse Lula.
A fala de Lula ocorreu ap�s ele fazer cr�ticas ao seu antecessor, Jair Bolsonaro, e Fern�ndez comparar Bolsonaro a Mauricio Macri.
"Pelo Brasil passou Bolsonaro e pela Argentina passou Macri", disse Fern�ndez.
Lula, por�m, n�o criticou Macri em seu primeiro dia de viagem � Argentina. Para o professor de Rela��es Internacionais da Funda��o Get�lio Vargas (FGV), Oliver Stuenkel, Lula evitou cr�ticas a Macri, considerado um integrante da direita moderada, e focou na extrema-direita por entender que uma vit�ria de um representante desse segmento pol�tico traria preju�zos � integra��o da Am�rica Latina.
"Acho que esse cen�rio da extrema-direita ganhando na Argentina preocupa (Lula) porque representaria um fechamento para pensar o futuro da coopera��o na Am�rica Latina", disse o professor.
"Mas se vencer algu�m como (Hor�cio Rodriguez) Larreta, acho que isso n�o interessaria a Lula, mas n�o ao ponto de ele se indispor com a direita moderada argentina", disse o professor, em refer�ncia ao prefeito de Buenos Aires.
Stuenkel pondera que essa aproxima��o de Fern�ndez com um l�der considerado popular como Lula normalmente � �til em anos eleitorais, mas tem efeito limitado.
"Com a campanha se aproximando, certamente � �til estar perto de pessoas conhecidas internacionalmente para passar uma imagem de estadista. Ao mesmo tempo, o impacto disso n�o pode ser superestimado. Basta olhar para o caso do Brexit. Barack Obama foi ao Reino Unido falar contra o Brexit e isso teve pouco impacto", disse o professor.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64384246
