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Estado de Minas ENTREVISTA

Gilmar Mendes: ''Democracia n�o precisa da tutela de militares''

Decano do Supremo defende puni��o rigorosa de civis e militares respons�veis pelos ataques de 8 de janeiro


29/01/2023 04:00 - atualizado 29/01/2023 07:22

GILMAR MENDES, ministro do Supremo Tribunal Federal
''Acho que h� um interesse das pr�prias institui��es de que haja a devida responsabiliza��o e puni��o para que se diga que isso n�o foi a��o da pol�cia, n�o foi a��o do Ex�rcito ou de qualquer for�a. Foi a��o de alguns com conduta desviante'' (foto: Minervino Junior/CB/D.A Press - 27/2/20)

Lisboa – O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ainda se emociona quando fala dos ataques terroristas em 8 de janeiro �ltimo. A Corte, que ele frequenta desde os tempos de estudante de direito, foi alvo preferencial dos v�ndalos, que apostavam na possibilidade de um golpe com apoio das For�as Armadas. Na vis�o do magistrado, todos os respons�veis pela destrui��o dos pr�dios dos Tr�s Poderes devem ser punidos com rigor. E isso vale pela os militares, independentemente das patentes e das for�as que integram. “Acho que h� um interesse das pr�prias institui��es de que haja a devida responsabiliza��o e puni��o para que se diga que isso n�o foi a��o da pol�cia, n�o foi a��o do Ex�rcito ou de qualquer for�a. Foi a��o de alguns com conduta desviante”, diz.

De passagem pela capital portuguesa, onde tem falado sobre a resili�ncia da democracia brasileira, o ministro reconheceu que a tens�o entre o presidente Luiz In�cio Lula da Silva e as For�as Armadas continua, mesmo com a troca do comandante do Ex�rcito. “Mas � preciso que a confian�a se restabele�a. As For�as Armadas t�m um papel importante a cumprir, contudo, a democracia n�o precisa da tutela dos militares”, afirma. Ele recomenda aos fardados que n�o aceitam o resultado das urnas que deixem os postos e se candidatem a cargos eletivos. Ressalta, ainda, que a politiza��o dos quart�is e a prote��o aos acampamentos que se tornaram abrigos para terroristas s�o consequ�ncia dos quatro anos do governo Bolsonaro, quando o pa�s se desviou do processo democr�tico. E prop�e a reestrutura��o da Justi�a Militar.

No entender de Mendes, o Supremo foi fundamental para evitar a ruptura institucional quando, em 2019, abriu um inqu�rito para investigar a dissemina��o de fake news. “A partir dali, criamos um instrumento que, talvez, evitou uma derrapagem muito mais radical”, frisa. As investiga��es, bastante avan�adas, podem resultar na inelegibilidade de Bolsonaro e mesmo na pris�o dele. “Acho que o fundamental � que o devido processo legal se fa�a sem nenhum atropelo, que as autoridades respons�veis pelas investiga��es cumpram bem o seu papel e distingam as responsabilidades. Isso � fundamental, e � isso que se espera das institui��es incumbidas de investiga��es e julgamentos”, assinala. O ministro tamb�m defende que o Congresso aproveite a nova legislatura para p�r fim ao corporativismo que evita puni��es a parlamentares que cometem crimes.

Ele reconhece que o presidente Lula tem muitos desafios pela frente, a come�ar pela pacifica��o do pa�s, e diz n�o acreditar em um eventual processo de impeachment contra o petista. “Acho que o presidente talvez ainda n�o tenha conseguido montar a sua base parlamentar em termos definitivos, mas estruturou 37 minist�rios com parcerias das mais variadas. Para usar uma express�o t�o portuguesa, podemos dizer que ele montou a sua geringon�a”, enfatiza. “Considerando esses limites, a base parlamentar inicial, que ele j� ampliou, conseguiu algo que � que � extremamente merit�rio, a aprova��o da PEC da Transi��o ainda com a composi��o anterior do Congresso. Acho que h� vontade pol�tica no sentido de uma integra��o, e ajustes ser�o feitos ao longo do tempo, um processo de experimentalismo institucional”, acrescenta.

Chocado com a terr�vel situa��o enfrentada pelos �ndios ianomamis – mais de 500 crian�as da etnia morreram de fome nos �ltimos quatro anos –, o ministro assegura que o Supremo n�o ser� tolerante com os respons�veis pela trag�dia. E os culpados ser�o punidos. “A partir das investiga��es, ser� fundamental que haja responsabiliza��o, at� para que isso n�o se repita.”

A seguir, os principais trechos da entrevista de Gilmar Mendes .

Diante do que se viu em 8 de janeiro, em Bras�lia, o Brasil ainda est� na imin�ncia de um golpe? 
O que se viu em 8 de janeiro n�o se tratou, propriamente, de um golpe, mas de uma atitude de tumulto, de um grupo inconformado com o resultado eleitoral e com falhas graves no sistema de seguran�a. Como vimos, as imagens mostraram uma condescend�ncia, quase que uma leni�ncia, quase que uma participa��o ou cumplicidade de setores da pol�cia. Aquelas imagens que mostraram o batalh�o de choque que n�o chocava ningu�m, que n�o atuava. Em suma, esse � um elemento de preocupa��o. No Pal�cio do Planalto, tamb�m se verificou que n�o houve sequer arrombamento e que entraram com imensa facilidade. Esse � um dado evidente do envolvimento de for�as de seguran�a com essa tem�tica. Como tamb�m h� erros b�sicos, e talvez n�o s� erros, mas at� uma certa toler�ncia excessiva no que diz respeito aos pr�prios acampamentos. Obviamente, n�o pode haver acampamento em frente ao quartel, como n�o pode haver acampamento em frente ao hospital por raz�es diferentes. � impr�prio. Imaginemos que o MST decidisse fazer um acampamento em frente o quartel-general em Bras�lia, ou um grupo de �ndios reclamando. N�o faz sentido, � de todo impr�prio. H� cases na jurisprud�ncia mundial dizendo exatamente que n�o se pode fazer manifesta��o em frente aos quart�is. Tudo � uma com�dia de erros.

Mas o senhor acredita que o pa�s corre algum risco de ruptura institucional? 
N�o, e h� demonstra��es claras nesse sentido, um rep�dio geral a esse tipo de manifesta��o. Mesmo apoiadores do candidato perdedor n�o aderem a esse tipo de pr�tica. Mas � claro que foi um tumulto significativo aquilo que vimos. N�o vamos tamb�m minimizar. Tanto � que, em outro momento, chamei o 8 de janeiro de dia da inf�mia. Invadir os pr�dios s�mbolos dos Tr�s Poderes em Bras�lia n�o � algo � comum.

Como se sentiu ao chegar ao pr�dio todo destru�do do Supremo? O senhor chorou. 
O Supremo j� era minha casa quando estudante e como profissional, depois, como ministro. Estou l� h� 20 anos, e ver toda aquela destrui��o, todos os andares do pr�dio principal destru�dos, vandalizados, foi dif�cil. E, nota-se, aqui, um sentimento impressionista, pessoal: exatamente aquilo que as redes carregam contra o Supremo acabou sendo efetivado, porque, de alguma forma, parece que a descarga de raiva se deu com maior for�a sobre o Tribunal.

As institui��es est�o preparadas para que esses ataques n�o se repitam? 
Acho que temos de rediscutir todo esse sistema de seguran�a. Vi, com tranquilidade e simpatia, o an�ncio feito pelo ministro (da Justi�a), Fl�vio Dino, no sentido de uma revis�o do sistema de seguran�a, inclusive com a cria��o de uma guarda nacional, de rever o sistema de pol�cia, a pr�pria prote��o daquele ambiente geral. Se olharmos ao longo desses anos, ficamos muito dependentes das GLOs (Garantia da Lei e da Ordem). Foram mais de 150 desde 1992. E uma boa parte disso se deu por conta de qu�? De greve de pol�cia ou de viol�ncia urbana, que, normalmente, era causada pela fal�ncia do sistema policial. Ent�o, temos de olhar isso com muito cuidado e, talvez, ter for�as suplementares que dispensem, tanto quanto poss�vel, as GLOs. Neste momento, temia-se muito que uma GLO pudesse ser um elemento utilizado para maiores dist�rbios.

Inclusive, o presidente Lula ressaltou isso.
Acho que temos de fazer uma revis�o disso. E, claro, despolitizar o sistema. Quem quer ser candidato, por exemplo, enquanto membro de uma for�a policial, tem de sair antes, desincompatibilizar-se, tirar a farda e ir para vida, como acontece hoje com os magistrados. E, certamente, deve-se ter um prazo de inelegibilidade mais alongado. Tamb�m � preciso uma ampla reestrutura��o da Justi�a Militar. Creio que � uma oportunidade para se discutir todas essas quest�es. H�, ainda, uma discuss�o que se trava h� algum tempo no Congresso Nacional em rela��o � pr�pria presen�a de militares em cargos civis. Isso precisa ser debatido. Quer exercer uma fun��o comissionada, que v� para a reserva ou deixe a atividade. Talvez, esse seja um aprendizado para rever o sistema de seguran�a, porque, se formos olhar, na causa disso tudo est� a politiza��o das for�as de seguran�a em sentido geral.

Na sua avalia��o, como deve ser essa guarda nacional? H� algum modelo em vista? 
Certamente, seria uma for�a federal. J� houve discuss�o se deveria ser um segmento especializado da pr�pria Pol�cia Federal ou se o caminho seria a cria��o de uma guarda pr�pria. Certamente, isso ter� de ser discutido. N�o sei se ser� uma coordena��o dos Tr�s Poderes para evitar eventuais excessos. Com certeza, haver� algumas discuss�es nessa estrutura��o, mas, obviamente, � um momento oportuno para que discutamos essas quest�es, que estavam carentes de serem revisitadas e que acabaram por dar ensejo a abusos. Acho que, h� algum tempo, vinha se cultivando essa ideia de que era preciso reunir pessoas para causar tumultos, para se ter uma GLO e, da�, sabe Deus o que seria.

Quando olhamos para a hist�ria do Brasil, h� uma s�rie de golpes ao longo de anos, e sempre com os militares na linha de frente. O senhor v� a possibilidade de os militares liderarem um novo movimento golpista? 
N�o vejo isso n�o. A pr�pria rea��o do novo comandante do Ex�rcito repudiando claramente esse prop�sito � um importante indicativo. E n�o h� clima nos segmentos organizados da sociedade civil para esse tipo de considera��o. A democracia se consolidou, e vemos, inclusive, posi��o, por exemplo, de governadores que foram eleitos com apoio do ex-presidente Bolsonaro claramente repudiando esse tipo de manifesta��o, casos dos governadores de S�o Paulo e de Santa Catarina. N�o vejo que haja esse prop�sito, esse desiderato, essa viabilidade. Mas � claro que n�s devemos consolidar a democracia. E a democracia n�o precisa da tutela de for�as militares, que devem cumprir sua fun��o constitucional. E que o fa�am bem, pois vinham fazendo bem, tanto � que havia esse reconhecimento. O que me parece � que, de uns tempos para c�, com o debilitamento das for�as pol�ticas, n�o mais partid�rias, houve os esc�ndalos de corrup��o, o impeachment da presidente Dilma e toda essa evolu��o. N�s passamos a ter uma discuss�o, e, talvez, algo que fosse velado passou a ser expl�cito sobre uma leitura do artigo 142, que, para n�s, � extravagante, e coloca as For�as Armadas como poder moderador. Essa tese encontrou, inclusive, um lastro na doutrina do professor Ives Gandra. Acho que � de todo equivocado, lament�vel, por todos os motivos, mas que encontrou respaldo e, claro, que foi muito bem recebida em alguns setores das For�as Armadas. Parece-me, tamb�m, que houve uma leitura, j� dando seguimento a esse processo em determinados setores, de que a vit�ria de Bolsonaro se d� exatamente por conta da derrocada do sistema pol�tico normal, uma vit�ria dos militares. Os militares estavam voltando ao poder, agora, pelas urnas. Acho que houve algum tipo de te�rico que deve ter elaborado esse tipo de doutrina. Infelizmente, � isso.

Como deve ser a puni��o de militares golpistas? As imagens de 8 de janeiro mostram v�rios deles atacando o cora��o da Rep�blica. 
Creio que tudo deve estar sendo verificado. Tem de punir os respons�veis e, claro, fazer as devidas distin��es entre aqueles que tinham o dever de impedir que tudo aquilo acontecesse. A pr�pria guarda do Pal�cio do Planalto, o batalh�o presidencial, a pol�cia. Isso precisa ser devidamente verificado. As imagens da televis�o t�m cenas de aparente cumplicidade, que permitiu que as pessoas, por exemplo, invadissem o Supremo Tribunal Federal. Acho que tem de haver as devidas distin��es, como, tamb�m, no que diz respeito � pr�pria responsabiliza��o dos autores materiais dos atos, aqueles que participaram como uma manada e outros que, de fato, causaram danos. Tudo precisa ser devidamente distinguido. O Senado identificou, agora, 26 pessoas, que n�o foram investigadas nem presas. E a pol�cia do Senado, que teve um papel importante, mostra que � preciso ter esse segmento especializado. Acho que h� um interesse das pr�prias institui��es de que haja a devida responsabiliza��o e puni��o para que se diga que isso n�o foi a��o da pol�cia, n�o foi a��o do Ex�rcito ou de qualquer for�a. Foi a��o de alguns com conduta desviante. � fundamental que haja essa separa��o.

O governo trocou o comandante do Ex�rcito e o ministro da Defesa, Jos� M�cio, vem dizendo que a p�gina foi virada na crise entre o governo e as For�as Armadas. O senhor acredita nisso? 
Eu tenho a impress�o de que ainda haver� algum per�odo de desconfian�a em raz�o desses desdobramentos. E, de fato, todos foram surpreendidos de alguma forma, porque, como a posse presidencial tinha ocorrido normalmente, reinou uma esp�cie de calmaria e, talvez, tenha havido um certo relaxamento, t�pico desse tipo de situa��o. Por isso, a desconfian�a. Al�m disso, h� fatos que antecederam, como os acampamentos nas portas dos quart�is, em v�rios pontos do Brasil. Tudo isso, certamente, contribui para a desconfian�a. Mas as For�as Armadas s�o institui��es extremamente importantes, cumprem um papel relevant�ssimo. Na Justi�a Eleitoral, temos uma rela��o muito clara com as For�as Armadas, empregadas em v�rios locais do Brasil e tamb�m em trabalho de log�stica, como a coloca��o de urnas em locais long�nquos. Se olharmos a lista de medidas especiais, de GLOs, vamos encontrar essa presta��o de servi�os � Justi�a Eleitoral. Ent�o, � preciso que haja um retorno dessa rela��o de confian�a e que se encerre esse per�odo de tumultos.

O governo de Bolsonaro tem muita culpa nesse processo? 
Eu interpreto os quatro anos do governo Bolsonaro como um certo desvio do nosso processo democr�tico. De alguma forma, acho que, a duras penas, n�s mantivemos a democracia. J� s�o quase 35 anos de constru��o, desde 1988, de um quadro de normalidade institucional com todas as dificuldades econ�micas e at� dificuldades pol�ticas. Mas acredito que o pr�prio sistema pol�tico tem sua responsabilidade e o sistema judicial, tamb�m. Eu j� disse, em algum momento, que a Lava-Jato � pai e m�e do Bolsonaro, pois levou � derrocada do establishment pol�tico e provocou esse cataclismo. E todos pagamos por isso.

As institui��es reagiriam � altura? 
Acho que sim. E reagiram bem. Acredito que (essa rea��o vem) desde 2019, quando o ministro Dias Toffoli determinou a abertura do inqu�rito das fake news e designou o ministro Alexandre de Moraes para ser o respons�vel. A partir dali, criamos um instrumento que, talvez, evitou uma derrapagem muito mais radical. Ent�o, acho que esse � um exemplo. E, depois, vimos como agiu a Justi�a Eleitoral, inclusive no que diz respeito �s fake news. Com todo o enfrentamento que houve, muitos apontam no ministro Alexandre um certo autoritarismo, ou querem dizer que houve autoritarismo por parte da Justi�a Eleitoral. Mas a Justi�a Eleitoral foi extremamente eficiente para evitar as maquina��es de fake news, e foi efetiva nesse sentido, dando at� um exemplo ao mundo. Ao contr�rio de criticarmos, devemos reconhecer que as institui��es funcionaram de forma cabal, como tamb�m funcionaram de forma cabal na resposta ao epis�dio de 8 de janeiro.

Como o senhor viu a interven��o no sistema de seguran�a de Bras�lia? 
S�o circunst�ncias que foram determinadas por conta do momento que se vivia. Sem entrar em ju�zo sobre a responsabilidade pessoal ou penal do governador Ibaneis Rocha, custa-me acreditar que, conhecendo como eu o conhe�o, ele estivesse envolvido numa conspirata para destruir o Supremo. N�o consigo conceber. Mas � claro que ele tem responsabilidade pol�tica, inclusive a de ter escolhido o secret�rio de Seguran�a que escolheu (Anderson Torres), que, agora, est� preso. Por isso, certamente, se deu o seu afastamento.

Qual ser� o papel do Supremo daqui por diante? A ministra Rosa Weber, presidente da Corte, retirou alguns projetos pol�micos da pauta para tentar dar uma acalmada nos �nimos. 
Essas quest�es continuam chegando, at� porque, como a gente tem dito ao longo do tempo, o Tribunal n�o tem uma banca l� fora pedindo causas. Elas chegam a partir de movimentos da sociedade civil e do movimento pol�tico. Normalmente, s�o parlamentares que fazem esse tipo de provoca��o. Tenho dito que, n�o fora a a��o do Supremo Tribunal Federal, o Brasil, talvez, tivesse se transformado numa grande Manaus durante a pandemia, com falta de oxig�nio e coisas do tipo. Vamos lembrar que est�vamos sob o signo da gest�o do general Pazuello � frente do Minist�rio da Sa�de. Foi o Supremo que determinou que estados e munic�pios estabelecessem ou pudessem estabelecer medidas preventivas, de isolamento social e coisas do tipo que o governo federal estava sendo omisso. Temos de lembrar que o pr�prio projeto de imuniza��o foi determinado pelo Supremo, ao definir a quest�o de compra de vacina. Ent�o, o Tribunal, na verdade, atuou positivamente para evitar uma debacle ainda maior.

O Tribunal Superior Eleitoral j� tem instrumentos para tornar o ex-presidente Bolsonaro ineleg�vel? 
Eu n�o conhe�o o processo todo. Como sabe, estou fora do TSE desde 2016.

Mas por tudo o que se v�? 
� preciso examinar. H� not�cias de que esse deve ser um dos processos na pauta e, certamente, h� elementos para a discuss�o sobre isso. Mas eu n�o sei qual ser� o encaminhamento. Temos de aguardar que a Justi�a Eleitoral se mova nesse sentido. H� v�rias a��es de investiga��o e o corregedor do TSE, ministro Benedito Gon�alves, est� se debru�ando sobre essa tem�tica como um todo.

H� a possibilidade de pris�o do ex-presidente em algum momento? 
Tudo depende das investiga��es. Eu n�o sei como isso vai se dar, nem quando e que processos v�o ficar no Supremo Tribunal Federal e que processos v�o, eventualmente, baixar para a primeira inst�ncia, na medida em que ele n�o tem mais a prerrogativa de foro. Temos de aguardar todos os desdobramentos. Acho que o fundamental � que o devido processo legal se fa�a sem nenhum atropelo, que as autoridades respons�veis pelas investiga��es cumpram bem o seu papel e distingam as responsabilidades. Isso � fundamental, e � isso que se espera das institui��es incumbidas de investiga��es e julgamentos.

Nos �ltimos anos, o Supremo foi acusado de ativismo pol�tico, mas se sabe que o Tribunal agiu muito no v�cuo do Congresso, que n�o fez a sua parte. O novo Legislativo toma posse nesta semana. O que d� para esperar do novo Parlamento?
N�s temos muitas discuss�es, como eu disse, em rela��o, por exemplo, � tem�tica da crise sanit�ria. Portugal tem uma jurisprud�ncia da crise, que foi a crise financeira, e n�s temos a nossa jurisprud�ncia, que foi a crise de sanit�ria. Se n�s olharmos, o Supremo atuou por provoca��o, e evitou um caos ainda maior. N�s perdemos 700 mil vidas, um n�mero muito alto, inclusive, para os �ndices mundiais. N�o fora a a��o do Tribunal, certamente ter�amos ultrapassado a marca de 1 milh�o de mortos. Quem viu aquela trag�dia de Manaus, em que estava faltando oxig�nio, pode avaliar bem o que seria os caos se n�o tivesse havido essa interven��o judicial. � preciso reconhecer a import�ncia desse trabalho. Agora, � ativismo, n�o � ativismo? N�o, o Tribunal foi provocado dentro das suas fun��es para suprir omiss�es que estavam verificados, que havia naquele momento. Esse � um dado importante. Agora, temos essa trag�dia que se abateu em rela��o ao grupo ind�gena Ianomami. Vamos ver v�rias decis�es do Supremo. Eu me lembro de algumas do ministro Lu�s Roberto Barroso determinando que a Uni�o tomasse provid�ncias de prote��o aos �ndios. Veja, aqui h� um excesso? Se o sistema estivesse funcionando razoavelmente, n�o precisaria de decis�o do Tribunal. No fundo, o Supremo tem atuado para cumprir o seu pr�prio papel. Talvez, aqui, n�s dever�amos ter sido at� mais enf�ticos, mas houve determina��o por parte do Tribunal a partir do momento que se apontavam falhas na prote��o aos ind�genas da pandemia, falta de material para vacina ou de tratamento. Aqui ou acol�, sempre pode ter algum tipo de querela.

Mas em rela��o ao Legislativo, efetivamente… 
Em rela��o ao Congresso, acho que tem havido falhas na pr�pria responsabiliza��o dos parlamentares pelos exageros que alguns dos agentes pol�ticos cometem. As comiss�es de �tica de C�mara e do Senado precisam funcionar. At� porque o seu n�o funcionamento acaba por onerar o Tribunal. Veja epis�dios como o de Daniel Silveira. Seria muito razo�vel que o pr�prio Congresso resolvesse essas quest�es. Mas, como h� muita acomoda��o pol�tica, o processo do meu n�o vai, porque tamb�m n�o vai o do seu, esse tipo de coisa acaba por gerar um protecionismo que obriga � interven��o do Supremo e, certamente, a��es penais. Talvez, muitos dos temas pudessem ser resolvidos na seara do pr�prio Congresso. Esse � um ponto que, talvez, valesse a pena o novo Legislativo refletir, a composi��o das comiss�es de �tica, dos presidentes dessas comiss�es, porque isso � uma das raz�es da judicializa��o, inclusive em mat�ria penal. Vimos, recentemente, um parlamentar eleito, ainda n�o empossado, dizendo que n�o houve nenhuma les�o ao patrim�nio p�blico na C�mara dos Deputados no 8 de janeiro. � um negacionismo diante de evid�ncias. Esse tipo de pr�tica n�o condiz com o decoro parlamentar, com a boa �tica parlamentar.

O senhor falou da situa��o dos ianomamis, que chocou o mundo. Fala-se em genoc�dio. Como v�? 
� chocante. A�, de novo, me parece que � um pouco esse colapso das esferas de administra��o, porque temos sistemas de prote��o aos �ndios, ao meio ambiente, sistemas legais. Mas a desativa��o de v�rios setores, ICMBio, Ibama, Funai, levou a isso. Li um artigo do professor Lenio Streck que fala em genoc�dio. Portanto, um crime deliberado no sentido de eliminar os ind�genas. Se a gente olhar para a autoriza��o de garimpos em �reas ind�genas ou em �reas cont�guas �s �reas ind�genas e o n�o acompanhamento dessa situa��o, tudo parece que leva a esse tipo de situa��o, de avalia��o.

H� alguma coisa que o Supremo ainda possa fazer em rela��o aos ianomamis? 
O tribunal, dentro daquelas limita��es, tomou muitas decis�es no sentido da prote��o, mas que acabaram n�o sendo efetivas, tendo em vista, talvez, um prop�sito deliberado, em alguns casos, de n�o atender ou de retardar esses comandos. Se a gente olhar, determinados setores que estavam incumbidos de zelar pela sa�de ind�gena n�o tinham a devida forma��o e compet�ncia para faz�-lo. Isso sugere, no m�nimo, uma falta grave.

O que chegar ao Supremo ser� avaliado e os respons�veis pelo massacre dos ianomanis, punidos? 
Certamente. A partir das investiga��es ser� fundamental que haja responsabiliza��o, at� para que isso n�o se repita. H� uma pergunta que certamente gravita em nossas cabe�as: como chegamos a esse ponto e o que precisamos fazer para que isso n�o mais se repita? N�s j� estamos na segunda fase. Temos de recriar uma nova institucionalidade para evitar que isso se repita.


O presidente Lula tem dito que n�o pode errar, que esse � o mandato da vida dele. Como o senhor v� o atual mandato do petista? 
Tenho a impress�o de que ele tem imensos desafios pela frente. Primeiro, creio que � fundamental fazer um mandato de integra��o. Certamente, s�o significativos, em termos num�ricos, os apoiadores do ex-presidente Bolsonaro, mas muitos n�o concordam com v�rias das pr�ticas dele que v�m sendo reveladas. Muitas dessas pessoas podem vir a apoiar o atual governo, como vimos na quest�o da depreda��o dos pr�dios em Bras�lia. Boa parte das pessoas disseram que n�o concordavam com aquilo. Ent�o, me parece fundamental que se busque, apesar de a palavra estar desgastada, um ambiente de consenso b�sico, para n�o repetir a f�rmula da chamada uni�o nacional, entre pessoas que partilhem dos mesmos valores democr�ticos. Esse � um grande desafio que se coloca. � claro que h� o desafio do desenvolvimento econ�mico e do desenvolvimento social. As desigualdades que n�s enfrentamos s�o alimentadoras, inclusive, desses chamados movimentos extremistas.

O senhor tem falado muito em uma Lei de Responsabilidade Social… 
Temos conversado, inclusive nos ambientes aqui de Portugal, sobre a ideia de uma Lei de Responsabilidade Social. Vimos que a pandemia afetou muitas pessoas, e de maneira muito grave as pessoas mais fracas na cadeia econ�mica. Quem anda pelas ruas de S�o Paulo v� o aumento de cidad�os sem teto. Demoramos muito para atender as demandas, inclusive quanto ao aux�lio emergencial. Apareceram, por exemplo, aquelas figuras que foram chamados de “os invis�veis”. De um lado, nos nossos cadastros, aparecem pessoas que estavam empregadas. Eu ouvi falar que teve gente at� em Lisboa recebendo aux�lio emergencial. Por outro lado, havia aquelas pessoas que preenchiam todos os requisitos para receber aux�lio e que n�o estavam cadastrados, portanto, n�o recebiam. N�s precisamos regularizar tudo isso, pois houve uma deteriora��o do Estado brasileiro. Somos uma burocracia bastante eficiente em muitos setores, mas precisamos voltar a aten��o para isso, � fundamental e, claro, encontrarmos o caminho do crescimento econ�mico, com a adequada distribui��o de renda. Mas eu colocaria como quest�o b�sica a redu��o da polariza��o, da conflituosidade que imperou nesses �ltimos quatro anos e que, certamente, responde � primeira pergunta sobre como n�s chegamos a esse est�gio.

Voltando ao presidente Lula, h� risco de o pa�s assistir a um novo impeachment? 
N�o acredito, pelo contr�rio. Acho que o presidente talvez ainda n�o tenha conseguido montar a sua base parlamentar em termos definitivos, mas estruturou 37 minist�rios com parcerias das mais variadas. Para usar uma express�o t�o portuguesa, podemos dizer que ele montou a sua geringon�a. Considerando esses limites, a base parlamentar inicial, que ele j� ampliou, conseguiu algo que � que � extremamente merit�rio, a aprova��o da PEC da Transi��o ainda com a composi��o anterior do Congresso. Acho que h� vontade pol�tica no sentido de uma integra��o, e ajustes ser�o feitos ao longo do tempo, um processo de experimentalismo institucional. Tenho a expectativa de que vamos viver um ambiente de paz pol�tica. Todos os setores envolvidos e respons�veis t�m a no��o de que � preciso criar essa ambi�ncia para que n�s possamos nos dedicar �s quest�es que s�o fundamentais, os desafios que s�o colocados e que s�o inevit�veis, inelut�veis.

D� para acreditar no Brasil? 
Acho que sim. O Brasil tem essa capacidade, e eu tenho falado com muitos interlocutores, de se reinventar. Esses dias vi um document�rio sobre “O pa�s das 12 moedas”, falando da infla��o e da hist�ria do Brasil em rela��o � quest�o monet�ria. Fixado neste per�odo mais recente, que envolve parte anterior e parte depois da Constitui��o de 1988, vemos o governo Sarney, com Dilson Funaro, tabelamento de pre�os, busca do gado no pasto. Tem, ainda o epis�dio da substitui��o de Bresser Pereira (no Minist�rio da Fazenda) pelo Ma�lson da N�brega. O presidente o chamou e disse: ‘Talvez vamos encerrar o governo com voc� como ministro da Fazenda, mas eu preciso que v� a este local e fale com esta pessoa’. Era um endere�o de Bras�lia. O local, a Rede Globo, e a pessoa, Roberto Marinho. Ma�lson teria passado por uma verdadeira sabatina l� e, quando voltou para o Minist�rio da Fazenda, j� tinha sido anunciado pela Globo que ele era o novo ministro. S� para mostrar em que est�gio n�s est�vamos. Depois, vem o governo Collor, com a reten��o dos ativos financeiros e Z�lia Cardoso que n�o sabia explicar aquele pacote. Algu�m at� fez uma pilh�ria dizendo que quem sabia explicar era o Ibrahim Eris, ent�o presidente do Banco Central, que n�o sabia falar portugu�s. Era um quadro muito peculiar. Veio, depois, Itamar Franco, que designa Fernando Henrique inicialmente ministro de Rela��es Exteriores e, a seguir, ministro da Fazenda. E reencontramos nosso caminho, estabilizamos a economia com o Plano Real, que foi o pressuposto de um plano civilizat�rio. N�s temos essa capacidade de nos reinventarmos. E acredito que estamos exatamente nesse momento.
 


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