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Estado de Minas BOLSONARISTAS DA 3� IDADE

Como nostalgia do 'mundo de ontem' e medo viraram arma para radicalizar brasileiros mais velhos

Inseguran�a e percep��o de amea�a a valores tradicionais, junto a suscetibilidade � desinforma��o, colocam idosos sob risco maior do populismo e do extremismo de direita.


05/02/2023 07:51 - atualizado 05/02/2023 09:12


Apoiadora de Bolsonaro durante atos em Brasília, em 8 de janeiro
Mulher durante atos em Bras�lia, em 8 de janeiro; inseguran�a, nostalgia e percep��o de amea�a a valores tradicionais, junto a suscetibilidade � desinforma��o, colocam pessoas mais velhas sob risco do populismo e extremismo de direita (foto: Reuters)

"Voc� � patriota ou 'jornazista'?", pergunta dona Helo�sa (nome fict�cio), de 67 anos, antes de aceitar conceder uma entrevista � BBC News Brasil.

Avessa aos meios de comunica��o tradicionais, ela se informa apenas pelo WhatsApp. Foi no aplicativo de mensagens que ela recebeu a convoca��o para participar, ativamente, dos atos antidemocr�ticos em Bras�lia em 8 de janeiro.

"N�o assisto � TV desde 2015. Naquele ano, eu me politizei ao descobrir o Brasil Paralelo [canal bolsonarista desmonetizado por ordem do Supremo Tribunal Federal] e o Olavo de Carvalho [ensa�sta e influenciador digital de direita, morto em janeiro de 2022]", diz dona Helo�sa.

Embora n�o tenha entrado no Congresso Nacional, ela esteve entre o grupo que subiu na rampa e na parte elevada do edif�cio legislativo. Acabou detida no dia seguinte, quando a pol�cia desbaratou os acampamentos bolsonaristas diante de quart�is. Foi fichada e liberada ap�s 12 horas, conta.

Alguns dos detidos nos atos e acampamentos agora responder�o a processo legal. At� 31 de janeiro, o Minist�rio P�blico Federal havia apresentado den�ncia contra 479 pessoas por crimes como associa��o criminosa, aboli��o violenta do Estado Democr�tico de Direito, golpe de Estado e dano qualificado pela viol�ncia.

Dona Helo�sa emociona-se ao explicar por que decidiu encarar a longa viagem de �nibus do interior de Minas Gerais, onde vive com o filho de 28 anos ("que tamb�m � de direita"), at� a capital federal.

"Quero um pa�s melhor para mim, para voc� e para todos. O Lula e a esquerda v�o implementar o comunismo no Brasil. Vamos virar uma Venezuela, uma Cuba, uma Coreia do Norte", argumenta.

O medo sentido por dona Helo�sa, embora n�o tenha base em fatos concretos, parece ser chave para entender um fen�meno vis�vel: os atos antidemocr�ticos p�s-elei��o presidencial passaram a atrair pessoas mais velhas em compara��o ao que se via em protestos populares at� ent�o no Brasil.

De um lado, h� o temor de que isso alimente uma "velhofobia", ou preconceito contra idosos. De outro, provoca debates sobre como prevenir — ou reverter — a radicaliza��o, o isolamento, a sensa��o de ressentimento e a suscetibilidade � desinforma��o de parte da popula��o mais velha, um grupo que � cada vez mais numeroso no Brasil e no mundo.

"Existe maior vulnerabilidade dos mais velhos ao discurso que provoca medo e amea�a destruir o mundo que eles conhecem e onde se sentem seguros e protegidos", diz Mirian Goldenberg, professora-titular do Departamento de Antropologia Cultural do Instituto de Filosofia e Ci�ncias Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

"O WhatsApp e a m�dia de extrema direita se tornaram armas poderosas para provocar medo e inseguran�a nos mais velhos. Eles sentem muito mais medo com as amea�as de destrui��o dos seus valores."

O perigo, por�m, segundo Goldenberg, � associar a velhice a uma inclina��o ao extremismo de direita.


Apoiadora de Bolsonaro em atos em Brasília, em 8 de janeiro
Faixa et�ria prevalente entre os mais de mil detidos nos atos de 8 de janeiro era de 50 a 59 anos; entre 60 e 69 anos, houve 40 pessoas presas. Mais duas tinham mais de 70 anos, e uma terceira, mais de 80 (foto: Reuters)

"Esse discurso n�o � s� perigoso, mas criminoso. � refor�ar ainda mais o preconceito", afirma Goldenberg, uma das principais estudiosas do envelhecimento no Brasil. "Se antes ouv�amos que velhos s�o 'teimosos' ou 'gag�s', agora estamos ouvindo que eles s�o 'fascistas e de extrema-direita'."

O que, ent�o, podemos concluir a partir da presen�a de tantos cabelos grisalhos na invas�o dos Tr�s Poderes e nos acampamentos diante de quart�is?

Os presos em Bras�lia

Os dados corroboram a percep��o de que os atos antidemocr�ticos atra�ram um p�blico mais velho, embora n�o necessariamente idoso (que, para efeitos legais, � quem tem 60 anos ou mais).

Segundo a lista divulgada pela Secretaria de Administra��o Penitenci�ria do Distrito Federal (Seape-DF) depois do 8 de janeiro, a faixa et�ria prevalente entre os mais de mil detidos nos atos era de 50 e 59 anos (393 presos).

No grupo entre 60 e 69 anos, havia 40 pessoas presas. Mais duas tinham mais de 70 anos, e uma terceira, mais de 80.

No entanto, antes disso, a Pol�cia Federal havia liberado outras 684 pessoas detidas no acampamento diante do QG do Ex�rcito, acusadas de participarem das manifesta��es pr�-Bolsonaro. A Seape-DF n�o informou quantas dessas pessoas liberadas eram idosas.

No Brasil em geral, uma pesquisa sobre a polariza��o no pa�s, divulgada em abril de 2022, das organiza��es Locomotiva, Despolarize e Tide Set�bal, identificou que 35% dos 1.300 entrevistados de 60 anos ou mais se diziam de direita — o maior contingente entre todas as faixas et�rias.

Os idosos entrevistados tamb�m se identificavam mais com express�es como "cidad�o de bem" e "patriota", em compara��o com outras faixas et�rias.


Polícia reage a apoiadores de Bolsonaro em ato no 8 de janeiro em Brasília
Presen�a de tantos grisalhos em atos e acampamentos chama aten��o, mas especialista ressalta se tratar de uma minoria entre idosos (foto: Reuters)

Mas n�o se pode dizer que houve nesse grupo um alinhamento autom�tico a Jair Bolsonaro (PL). Em 27 de outubro, a poucos dias do segundo turno das elei��es de 2022, pesquisa Datafolha apontou que Luiz In�cio Lula da Silva (PT) liderava em inten��o de votos entre eleitores com 60 anos ou mais, com 51% contra os 43% de Bolsonaro.

O que parece corroborar a tese de Mirian Goldenberg de que, embora muitos desse grupo et�rio se identifiquem mais com a direita, a maioria n�o se radicalizou em favor do ex-presidente. "Trata-se de uma pequena minoria de pessoas, e n�o foi com a velhice que se tornaram assim. A popula��o mais idosa est� sendo erroneamente estigmatizada", opina a antrop�loga � BBC News Brasil.

O problema � que os fen�menos por tr�s dessa radicaliza��o s�o complexos — e est�o associados a quest�es tanto nacionais, quanto globais.

Medo e nostalgia

Alguns anos atr�s, o acad�mico italiano Edoardo Campanella analisou, em pa�ses da Europa e nos Estados Unidos, o que chama de "elo entre envelhecimento e populismo".

Campanella observou que eleitores mais velhos desses lugares se mostraram desproporcionalmente mais alinhados que outros grupos et�rios ao nacionalismo e � direita, e em elei��es cruciais — por exemplo, no plebiscito do Brexit, que resultou na sa�da do Reino Unido da Uni�o Europeia, e na vit�ria de Donald Trump nos Estados Unidos, ambos em 2016.

"Nem o Lei e Justi�a nem o Fidesz [partidos populistas de direita no poder na Pol�nia e Hungria, respectivamente] teriam chegado ao poder sem o apoio entusiasmado dos mais velhos", escreveu em 2018 Campanella, atualmente pesquisador no Centro de Neg�cios e Governo na Escola de Neg�cios Kennedy da Universidade Harvard, nos Estados Unidos.

Campanella acha que esse fen�meno internacional � motivado, em grande parte, pelo medo: muitas pessoas mais velhas s�o desproporcionalmente mais marginalizadas pela revolu��o tecnol�gica global e, em partes da Europa e dos Estados Unidos, sentem que seus valores mais tradicionais t�m sido amea�ados por movimentos pr�-integra��o e imigra��o.

"L�deres populistas tendem a usar esses medos em benef�cio eleitoral pr�prio", diz Campanella, agregando que isso ocorre num momento em que at� mesmo pa�ses ricos t�m menos capacidade de aplacar as preocupa��es financeiras dessa faixa et�ria.

"A maior parte dos governos n�o tem mais a capacidade fiscal de proteger os mais vulner�veis, que geralmente incluem os idosos. No passado, especialmente na Europa continental, o sistema previdenci�rio tinha o papel de absorver choques [econ�micos e sociais] e era extremamente importante para aplacar esses medos diante da instabilidade econ�mica. No momento, isso n�o � mais poss�vel, ou ficou extremamente dif�cil."


Cartaz do Brexit no Reino Unido
Para pesquisador, medo e nostalgia tamb�m ajudam a explicar apoio de pessoas mais velhas a Brexit, no Reino Unido, e � elei��o de Trump em 2016 (foto: BBC)

Al�m do medo, outro elemento importante entre os mais velhos, diz Campanella, � a nostalgia, ou o apego � ideia de um passado glorioso e pr�spero.

"� uma for�a que teve um papel muito importante (...) no Brexit — a nostalgia em rela��o ao Imp�rio Brit�nico — e nos Estados Unidos — com o slogan (de Trump) Fa�a a Am�rica Grande Novamente", afirma o pesquisador, autor de um livro sobre o assunto: Anglo-Nostalgia, a Pol�tica da Emo��o em um Ocidente Fraturado, em tradu��o livre.

"Todos esses movimentos nacionalistas e populistas, especialmente da extrema direita na Europa, tentaram criar o mito de um passado que n�o existe mais. E est� muito claro que as pessoas mais velhas s�o mais vulner�veis a esses sentimentos nost�lgicos, porque tendem a se projetar mais no passado do que no futuro", diz Campanella � BBC News Brasil.

Aqui no Brasil, alguns tra�os de nostalgia aparecem tamb�m no discurso de dona Helo�sa ao comentar sua motiva��o para participar dos atos em Bras�lia — em especial quando a conversa com a reportagem toca no per�odo da ditadura militar, repetidamente glorificado por Bolsonaro.

"N�o fale 'ditadura militar', fale 'governo militar'", diz ela. "Foi a melhor �poca da minha vida. Eu tinha uma vida tranquila. Eu andava � noite, s� eu e meu irm�o, a gente ia para a boate, voltava �s 3h da manh�, andando a p�, porque era muito, muito legal. Eu acho que nosso ensino era bom, a gente sabia o que era p�tria, o que era Deus, sabia o que era moral e bons costumes", diz dona Helo�sa, ao longo de uma hora de conversa por telefone.

"Me considero de direita e a favor da interven��o militar. Defendo p�tria, fam�lia e liberdade. E acredito que o Bolsonaro venceu as elei��es, mas elas foram fraudadas. Por isso, decidi participar da manifesta��o em Bras�lia", diz ela, repetindo uma das desinforma��es que circularam ap�s o pleito de 2022.

'T�dio cr�nico'


Mulher idosa usando celular
Exposi��o e suscetibilidade � desinforma��o � maior entre pessoas de mais idade (foto: Getty Images)

No Brasil, o soci�logo Rud� Ricci acha que um outro fen�meno se interrelaciona com o medo e o ressentimento: a busca humana por sentido e emo��o na vida.

Ele teoriza que uma esp�cie de "t�dio cr�nico" parece estar acometendo uma parcela dos brasileiros radicalizados, em especial em cidades do interior do Brasil, onde as oportunidades tendem a ser mais escassas.

"Esse t�dio impele a pessoa n�o s� � melancolia, mas a uma luta desesperada para ter um sentido na vida", diz Ricci, que � autor do livro Fascismo Brasileiro: E o Brasil Gerou o seu Ovo da Serpente (Kotter Editorial, 2022).

"O que define [esse t�dio cr�nico], me parece, � essa caracter�stica interiorana — de pessoas que t�m uma vida extremamente pacata, mas que o seu esp�rito gostaria de algo mais. E, nesse sentido, o bolsonarismo criou um caminho, o de poder se projetar pelo anti-institucionalismo, ou seja, pela nega��o do campo institucional."

Como esse fen�meno parece ganhar capilaridade com as redes sociais, traz um desafio adicional ao presidente Lula, avalia Ricci. "O governo est� na parede porque [a esquerda] n�o sabe mais movimentar a sociedade civil. N�o � que n�o tenha identidade, mas n�o tem mais essas rela��es org�nicas [com a popula��o comum]. E o bolsonarismo tem", opina.

Por fim, um elemento importante nessa equa��o toda � o que se chama de "letramento digital": pesquisas acad�micas j� identificaram que pessoas mais velhas s�o mais suscet�veis � desinforma��o online.

Nos Estados Unidos, pessoas com 65 anos ou mais "tinham o dobro de probabilidade de serem expostas a fake news e sete vezes mais probabilidade de compartilhar not�cias falsas no Facebook, em compara��o com jovens de 18 a 29 anos", segundo estudo publicado na revista Nature.

A mesma pesquisa, por�m, traz raz�es para otimismo: ap�s uma sess�o de um curso digital (em ingl�s), 85% dos participantes aumentaram sua capacidade de discernir informa��es falsas, 11 pontos percentuais a mais do que antes dessa sess�o.

Caminhos poss�veis

Para Edoardo Campanella, as sa�das t�m de passar tamb�m pela a��o sociopol�tica.

"O que os partidos populistas tentam fazer � proteger os mais velhos. Ent�o, acho que os partidos tradicionais deveriam empoderar os mais velhos, o que � bem diferente", diz ele.

"Empoder�-los significa mant�-los munidos das ferramentas e habilidades certas para um mundo em transforma��o. Tamb�m significa que precisamos ser realistas quanto ao processo de globaliza��o — a ideia de que a integra��o econ�mica � sempre boa provavelmente j� ficou datada. Mesmo em economias grandes, � preciso combinar integra��o econ�mica com pol�ticas dom�sticas que empoderem e, em certa medida, protejam os mais vulner�veis."


Apoiadores de Bolsonaro nos atos de 8 de janeiro
Partidos tradicionais ter�o de encontrar formas de empoderar pessoas mais velhas para se contrapor ao populismo, avalia estudioso (foto: Reuters)

N�o h� caminhos f�ceis, diz o estudioso, mas "a ideia de aprendizado constante precisa ser adaptada � realidade".

Ao mesmo tempo em que Campanella v� um risco de crescentes conflitos intergeracionais por conta da radicaliza��o, acha que a nostalgia pode, tamb�m, ser uma for�a benigna:

"Existe uma forma positiva de nostalgia, (...) se ela for usada para trazer um futuro melhor. Voc� pode valorizar a tradi��o, a hist�ria, mas sem a ilus�o de recriar aquela realidade, porque o mundo mudou".

Para Rud� Ricci, alienar ou punir as pessoas radicalizadas tamb�m traz riscos — o de esse grupo se entrincheirar ainda mais.

"Claro que tem que haver a afirma��o da lei [para participantes de atos democr�ticos], regras de conviv�ncia, ordem democr�tica. Mas se a gente ficar preso nisso, a gente vai pagar mais caro daqui a pouco. E eu n�o vejo o governo federal, nem as institui��es, discutindo esses valores, esse problema existencial, essa decad�ncia econ�mica [que movem o radicalismo]."


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