
O presente foi devolvido logo em seguida por um dos membros e submetido � consulta do �rg�o de �tica da Presid�ncia por outro, independentemente de questionamentos p�blicos. Parte do grupo consultado pela Folha se disp�e agora a abrir m�o dos rel�gios.
Enquanto isso, outros integrantes da comitiva se esquivam de debate �tico ou indicam disposi��o de seguir com os presentes de luxo enquanto n�o houver uma exig�ncia oficial.
No dia 1º, o TCU (Tribunal de Contas da Uni�o) aprovou ac�rd�o recomendando a devolu��o dos rel�gios da marca Cartier e Hublot, cujos pre�os variam de R$ 30 mil a R$ 100 mil e que foram entregues a v�rias autoridades sem cobran�a do devido tributo alfandeg�rio.
O tribunal entendeu que o recebimento dos itens de luxo viola o princ�pio constitucional da moralidade na administra��o p�blica.
De acordo com o TCU e com documentos da Comiss�o de �tica P�blica da Presid�ncia, receberam os rel�gios quatro ent�o ministros: Onyx Lorenzoni (Casa Civil), Augusto Heleno (Gabinete de Seguran�a Institucional), Ernesto Ara�jo (Rela��es Exteriores) e Osmar Terra (Cidadania).
Al�m deles, tamb�m foram presenteados na ocasi�o Sergio Segovia, presidente da Apex (Ag�ncia Brasileira de Promo��o de Exporta��es e investimentos); Gilson Machado, presidente da Embratur e que depois viraria ministro do Turismo, Caio Megale, ent�o chefe da Assessoria Especial de Rela��es institucionais do Minist�rio da Economia, e Roberto Abdala, ent�o embaixador do Brasil em Doha.
Abdala e Megale tomaram uma atitude distinta dos demais, antes de qualquer questionamento. O embaixador imediatamente "providenciou a devolu��o do presente, um rel�gio de pulso da marca Hublot, em raz�o do seu custo elevado", como relatou o TCU.
Megale foi o respons�vel por acionar autoridades brasileiras ao questionar formalmente a Comiss�o de �tica da Presid�ncia sobre se seria �tico ficar com um rel�gio da marca Cartier que recebeu de um ajudante de ordens da Presid�ncia da Rep�blica, quando j� estava no Brasil, pouco mais de um m�s depois da viagem ao Qatar.
Onyx e Megale disseram � Folha de S.Paulo que, ap�s a decis�o do TCU, v�o devolver os presentes. Terra indicou que far� o mesmo caso seja notificado. Machado sinalizou que pode insistir em continuar com o rel�gio. Heleno n�o quis se manifestar. Ara�jo e Segovia n�o foram localizados.
Ap�s o questionamento formal feito por Megale, a Comiss�o de �tica da Presid�ncia decidiu por 4 votos a 3, em junho de 2021, que n�o haveria necessidade de devolu��o dos presentes, j� que, de acordo com o voto da maioria, n�o estaria caracterizado conflito de interesses nem ofensa ao C�digo de Conduta da Alta Administra��o Federal.
Dois pontos foram usados pelo voto que prevaleceu na comiss�o, quase dois anos ap�s a viagem. O c�digo veda a autoridade p�blica a aceita��o de presentes, "salvo de autoridades estrangeiras nos casos protocolares em que houver reciprocidade". J� resolu��o da comiss�o permite o recebimento desde que "ofertados por autoridades estrangeiras, nos casos protocolares em que houver reciprocidade ou em raz�o do exerc�cio de fun��es diplom�ticas".
Em mar�o de 2022, por�m, o deputado federal de oposi��o Ivan Valente (PSOL-SP), ingressou com uma representa��o sobre o caso no TCU.
No ac�rd�o aprovado no dia 1º, de relatoria do ministro Antonio Anastasia, o TCU decidiu "dar ci�ncia � Secretaria-Geral da Presid�ncia da Rep�blica e � respectiva Comiss�o de �tica P�blica de que o recebimento de presentes de uso pessoal com elevado valor comercial por agente p�blico em miss�o diplom�tica extrapola os limites de razoabilidade (...), em desacordo com o princ�pio da moralidade p�blica, previsto no art. 37 da Constitui��o Federal, cabendo, em tal hip�tese, a entrega do bem" ao patrim�nio p�blico nacional.
Em seu voto, Anastasia escreveu que a troca de presentes diplom�ticos deve envolver objetos de car�ter simb�lico, suficientes apenas para "representar, como gesto simb�lico e tradicional, a cortesia inerente �s rela��es entre agentes diplom�ticos".
Assim sendo, prosseguiu o ministro, "o valor comercial do objeto recebido pelo agente em miss�o diplom�tica n�o deve ofuscar sua natureza, repito, meramente simb�lica".
Em nota, o Sindifisco (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal) afirmou que mercadorias estrangeiras, ainda que sejam trazidas em avi�es da FAB, est�o sujeitas �s mesmas regras que s�o aplicadas para os avi�es comerciais -ou seja, isen��o tribut�ria para itens com valores at� US$ 1 mil.
"Passageiros ou tripulantes de avi�es da for�a a�rea, Marinha, Ex�rcito, entre outros, precisam declarar os bens adquiridos que custam mais de US$ 1 mil e pagar o devido tributo j� na alf�ndega. Mesmo se a base a�rea n�o for alfandegada � preciso que a chegada do voo seja avisada com anteced�ncia para que um auditor fiscal possa estar presente na hora do desembarque", diz o Sindifisco. "Caso o auditor n�o chegue a tempo, � obrigat�rio que o viajante aguarde a chegada do servidor da Receita Federal para apresentar os bens � alfandega."
Outro lado
Pol�ticos dizem que v�o devolver rel�gios, mas outros silenciam. Integrantes da comitiva de Bolsonaro ao Qatar afirmaram � Folha que pretendem devolver os rel�gios recebidos de presente. Outros ou n�o se manifestaram ou deram a entender que podem n�o seguir a recomenda��o do TCU.
"Quando eu for notificado, vou tomar provid�ncias. Eu tenho � uma decis�o da Comiss�o de �tica [da Presid�ncia] de que n�o havia problema. Agora, se vier uma coisa diferente... Por enquanto, n�o recebi nenhuma notifica��o, nada", afirmou o ex-ministro e hoje deputado Osmar Terra (MDB-RS).
Terra confirma ter recebido o rel�gio j� no Brasil. "Deve ter vindo junto no avi�o [da Presid�ncia] e depois mandaram [entregar aos presenteados]", acrescentou.
Ele diz que n�o vendeu nem usou o rel�gio, mas que n�o se lembra da marca. "� um rel�gio bonito", se limitou a dizer.
Onyx tamb�m mencionou a decis�o anterior da Comiss�o de �tica, mas afirmou que, apesar dela, tamb�m nunca usou o presente.
"Com essa decis�o do TCU � l�gico que eu vou devolver o rel�gio, assim que eu voltar das minhas f�rias. O rel�gio est� intocado, nunca foi usado, est� no mesmo pacote que recebi e da mesma forma vai ser devolvido", disse.
"� �poca do recebimento do item, Caio Megale reportou imediatamente ao Comit� de �tica da Presid�ncia da Rep�blica para saber como proceder nessa situa��o", diz nota enviada pelo economista.
Mesmo com a decis�o da comiss�o sobre a n�o necessidade de devolu��o, ele afirma que optou por n�o fazer uso do objeto, "que mant�m-se intacto e embalado", e que agora, diante da nova recomenda��o do TCU, ir� devolver o rel�gio.
Gilson Machado enviou � reportagem not�cias sobre a decis�o da Comiss�o de �tica que dava guarida � n�o devolu��o. Questionado, por�m, sobre o que pretendia fazer diante da recomenda��o do TCU, ele n�o respondeu mais �s mensagens.
Procurado pela coluna Painel para comentar a recomenda��o do TCU, Machado encaminhou mensagem que diz que a comiss�o de �tica decidiu que ele n�o precisa devolver o objeto.
Heleno n�o quis se manifestar. A Folha n�o conseguiu contato com Ara�jo e Segovia at� a publica��o desta reportagem.
Procuradas na manh� desta quarta-feira (8), a Receita Federal e a Presid�ncia da Rep�blica n�o haviam se manifestado at� a publica��o desta reportagem.