
Com a retomada anunciada oficialmente pelo governo federal em 20 de mar�o, o programa Mais M�dicos voltar� a funcionar com novidades, mas encontrar� cidades com car�ncias antigas na oferta de servi�os de sa�de a seus moradores. Levantamento feito pelo Conselho de Secretarias Municipais de Sa�de de Minas Gerais (Cosems-MG), a pedido do Estado de Minas, mostra que o cen�rio no estado � de dificuldade em suprir a demanda pela assist�ncia b�sica. A sondagem realizada pelo Cosems conseguiu resposta de 339 munic�pios mineiros acerca da car�ncia de profissionais para aten��o b�sica � sa�de. Das secretarias que responderam ao question�rio enviado pelo conselho, 248 informaram que n�o h� m�dicos suficientes para o servi�o prim�rio de atendimento, mais de 73% da amostra.
A pesquisa tamb�m revelou que 222 munic�pios afirmaram que h� a necessidade de que m�dicos de outros setores se desloquem para fazer atendimentos nas Unidades B�sicas de Sa�de, apresentando outra face da car�ncia de profissionais.
Os 248 munic�pios que alegaram m�dicos insuficientes tamb�m informaram que seriam necess�rios 611 profissionais para suprir as necessidades de atendimento prim�rio aos moradores. O Minist�rio da Sa�de ainda n�o divulgou o edital em que informa quantos profissionais ser�o encaminhados para cada estado, mas a previs�o � de abertura de 5 mil vagas imediatas e 28 mil at� o fim do ano em todo o pa�s.
Por uma pol�tica de prote��o de dados do conselho, a lista completa dos munic�pios respondentes n�o foi disponibilizada � reportagem. Vale tamb�m destacar que a amostragem do levantamento do Cosems n�o totaliza nem metade das 853 cidades do estado, o que sinaliza que o problema pode ser ainda mais abrangente.
Este � o cen�rio no qual trabalham os secret�rios municipais de sa�de. A reportagem entrou em contato com gestores de cidades do interior mineiro que relataram a dificuldade em atrair profissionais e, mais do que isso, em mant�-los. Edivaldo Farias da Silva Filho � presidente do Cosems-MG e secret�rio de Sa�de de Berizal, cidade de cerca de 4,8 mil habitantes no Norte de Minas. � reportagem, ele fez um panorama do cen�rio atual do munic�pio e tamb�m da regi�o.
“N�s temos uma necessidade devido, principalmente, aos valores pedidos pelos profissionais. J� preenchemos o formul�rio solicitando um m�dico e estamos aguardando o edital. A maioria dos 16 munic�pios aqui na regi�o do Alto Rio Pardo convive com esse problema e espera o relan�amento do Mais M�dicos. O que acontece � que acaba virando um leil�o: as cidades v�o aumentando os valores dos sal�rios e competindo umas com as outras pelos m�dicos que querem trabalhar na regi�o”, explica.
Rotatividade
Em Fruta de Leite, tamb�m no Norte de Minas, o secret�rio de Sa�de Elisl�nio Fl�vio Barbosa comenta que a rotatividade dos m�dicos em cidades do interior � um agravante � j� complicada miss�o de conseguir contratar profissionais. “No interior existe uma rotatividade muito grande. Quando a gente tem o profissional, eles ficam no m�ximo um ano, fazem resid�ncia e v�o embora. Poucos m�dicos querem vir para o interior, mesmo que o sal�rio seja bom. Em Belo Horizonte, por exemplo, tem m�dico que vive de plant�o, tem mais de um emprego e, em uma cidade igual a nossa, ele trabalha exclusivamente no munic�pio”, afirma. O secret�rio da pequena cidade de 5,2 mil habitantes completa dizendo que os altos sal�rios tamb�m s�o um desafio: “Quando as cidades pequenas conseguem contratar, � preciso tirar de outras �reas e acaba onerando a nossa folha”.
Os relatos dos secret�rios s�o corroborados pela professora do Departamento de Ci�ncia Pol�tica da UFMG Telma Menicucci. A pesquisadora especializada em pol�ticas p�blicas na �rea da Sa�de destaca que a l�gica de mercado da medicina favorece uma concentra��o espacial de profissionais e dificulta a oferta para munic�pios pequenos e afastados dos grandes centros. “Temos um problema de concentra��o de m�dicos nas grandes cidades onde, al�m de mais recursos, eles podem acumular empregos e ter sal�rios mais altos. A quest�o � que n�o h� muitos m�dicos no Brasil, mesmo nas capitais, h� demanda. Ent�o � dif�cil que esses profissionais escolham se aventurar em locais mais pobres e mais distantes”, comenta a professora.
Outro ponto levantado pela professora � a pol�mica causada pela participa��o de profissionais cubanos no programa, iniciado em 2013, na presid�ncia de Dilma Rousseff (PT). Ela ressalta que a forma��o em Cuba � focada na aten��o b�sica e familiar e que o pa�s � uma refer�ncia em oferecer profissionais para outras na��es. “Os m�dicos brasileiros sempre foram a prioridade, mas n�o havia oferta, por isso se apelou para os estrangeiros”, completou a pesquisadora.
Cr�ticas
Apontado por pol�ticos da oposi��o como favorecimento do regime cubano pelos governos petistas e dos profissionais do pa�s caribenho em detrimento dos brasileiros, o Mais M�dicos foi alvo de muitas cr�ticas e, inclusive, passou por transforma��es durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), que alterou o nome da iniciativa para “M�dicos pelo Brasil”.
Durante o lan�amento da retomada do Mais M�dicos, o tema se fez presente no pronunciamento do presidente Luiz In�cio Lula da Silva (PT): “Nesse momento, o foco est� em garantir a presen�a de m�dicos brasileiros no Mais M�dicos, um incentivo aos profissionais do nosso pa�s. Se n�o houver quantitativo, teremos a op��o de m�dicos brasileiros formados no exterior. E, se ainda assim n�o tivermos os profissionais, optaremos por m�dicos estrangeiros. O nosso objetivo n�o � saber a nacionalidade do m�dico, mas a nacionalidade do paciente, que � um brasileiro que precisa de sa�de”, disse o petista.
Lucio Alvim, presidente do Cosems-MG na Zona da Mata e secret�rio de Sa�de de Goian�, elogia a participa��o de estrangeiros no programa do governo federal. Ele tamb�m esteve � frente da Sa�de de Rio Novo, mesma regi�o do estado, e disse que teve boa experi�ncia com profissionais cubanos. “Eu trabalhei com o programa em 2014 e recebemos tr�s m�dicos cubanos, excelentes profissionais e que ficaram por mais tempo na cidade. Isso � extremamente importante porque cria um v�nculo entre o m�dico e o paciente e isso � necess�rio para o atendimento prim�rio
RESUMO DO LEVANTAMENTO DO COSEMS
339
munic�pios responderam ao question�rio (39,7% das cidades mineiras)
222
(65,5%) apontam necessidade de deslocar profissionais de outras �reas para a aten��o b�sica
248 (73,2%)
dizem n�o ter m�dicos suficientes na aten��o prim�ria
611
m�dicos s�o necess�rios na soma das necessidades apontadas pelos munic�pios respondentes
A��o para reduzir interna��es
“O m�dico de fam�lia vai na casa das pessoas, ele trabalha com enfermeiros e agentes comunit�rios de sa�de, faz a preven��o de doen�as, a educa��o sanit�ria. Se uma aten��o prim�ria for boa, resolve a maior parte dos problemas de sa�de, evita interna��es. A aten��o prim�ria � a porta de entrada do Sistema �nico de Sa�de (SUS). O m�dico sozinho n�o resolve, mas sem m�dico n�o se resolve nada”, afirma a professora da UFMG, Telma Menicucci.
A pesquisadora aponta a aten��o b�sica � sa�de descentralizada e presente no interior do pa�s como instrumento para que o SUS cumpra sua fun��o constitucional de oferecer atendimento universal aos brasileiros. O objetivo central da aten��o b�sica � fornecer orienta��o sobre preven��o de doen�as, realizar o acompanhamento das condi��es dos moradores e suas fam�lias, fornecer atendimento para enfermidades em est�gios iniciais e realizar os encaminhamentos para pacientes com quadros mais graves.
Em cidades pequenas, fornecer a aten��o b�sica � sa�de pode significar evitar casos graves de doen�as pelo acompanhamento dos pacientes e iniciativas de educa��o sanit�ria. Esse efeito n�o � sentido apenas nos munic�pios, mas tamb�m em seu entorno, como explica o secret�rio de Sa�de de Fruta de Leite, Elisl�nio Fl�vio Barbosa.
“Um hipertenso que tem tratamento desde o in�cio, �s vezes com alimenta��o ou um medicamento b�sico, consegue resolver esse problema. Quando n�o h� essa primeira avalia��o, ele n�o vai saber, n�o vai ter acompanhamento e isso pode levar a um infarto, uma doen�a card�aca. Se o problema n�o se resolve na aten��o prim�ria, se houver uma urg�ncia, a gente sobrecarrega o hospital regional mais pr�ximo, que no nosso caso � em Salinas. Pelos fatos das arboviroses, os hospitais hoje est�o sobrecarregados, por exemplo”, destaca.
Edivaldo Farias da Silva Filho, secret�rio de Sa�de de Berizal, reiterou o ponto apresentado pelo colega. Ele destaca a import�ncia de um atendimento b�sico de sa�de para reduzir a necessidade de encaminhar pacientes aos centros de refer�ncia regionais. Em estados de grande extens�o territorial como Minas Gerais, esse trajeto pode ser crucial no tratamento de um morador.
“Os m�dicos da aten��o b�sica atendem a popula��o da �rea deles, em m�dia de 2.200 pessoas por m�dico em nossa cidade. Al�m da parte cl�nica, fazem a preven��o de doen�as, o acompanhamento de diab�ticos, de hipertensos, por exemplo. Em munic�pios do porte de Berizal, pequenos e carentes, fazer o trabalho de preven��o � importante para n�o termos problemas futuros. Estamos a 65 quil�metros do centro de refer�ncia micro, em Taiobeiras, e a 320 quil�metros do centro de refer�ncia macro, em Montes Claros, ent�o � muito importante que as quest�es sejam resolvidas sem precisar fazer esse encaminhamento”, destaca.
Retomada do programa
De acordo com o Minist�rio da Sa�de, com os 28 mil m�dicos distribu�dos pelo pa�s at� o fim do ano, a expectativa � de que mais de 96 milh�es de brasileiros sejam atendidos pelo novo programa Mais M�dicos. O investimento previsto neste ano � de R$ 712 milh�es. No an�ncio do retorno do Mais M�dicos, o governo federal apresentou dados informando que 41% dos participantes anteriores do programa desistem dos postos de trabalho em busca de qualifica��o e capacita��o. Diante do fato, o Minist�rio da Sa�de implementou ao novo formato do projeto a possibilidade de que os participantes possam fazer especializa��o e mestrado. Tamb�m foram anunciadas novidades como a compensa��o para bolsas de estudo durante per�odo de licen�a maternidade para favorecer a manuten��o de mulheres nos cargos e incentivos a profissionais formados com benef�cio do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies).