
Ao menos em parte, o impasse em que, nesta semana, se viram mergulhados o governo do presidente Luiz In�cio Lula da Silva (PT) e a C�mara dos Deputados comandada por Arthur Lira (PP-AL) — com o Executivo amea�ado de desconfigura��o por uma derrota de vota��o de medida provis�ria no Legislativo — come�ou h� mais de uma d�cada, ainda no primeiro governo de Dilma Rousseff (PT).
� �poca, a ent�o presidente resolveu apostar na pauta anticorrup��o como marca de sua gest�o. Essa decis�o, de acordo com o cientista pol�tico Fernando Limongi, da Universidade de S�o Paulo e da Funda��o Get�lio Vargas, levou a uma espiral de resultados que custariam a Dilma n�o s� o pr�prio mandato, mas levariam a um processo que enterrou o presidencialismo de coaliz�o como o pa�s o conhecera at� ent�o.
Possivelmente, no entanto, a situa��o do pa�s — e de seus pol�ticos — teria sido diferente se Dilma n�o tivesse apostado muitas fichas na Opera��o Lava Jato.
No primeiro mandato, embora fosse popular, Dilma buscava uma assinatura pol�tica pr�pria e, em oposi��o ao PT, cujos quadros hist�ricos enfrentavam o julgamento do Mensal�o no Supremo Tribunal Federal, apostou no saneamento dos focos de corrup��o da Petrobras como legado.
Ex-ministra de Minas e Energia, Dilma via na petroleira a chave para seu programa de reindustrializa��o do Brasil, que seria financiado a partir do lucro obtido pela explora��o do pr�-sal. A empresa, por�m, coalhada de indica��es pol�ticas, patinava em entregar os resultados que a presidente esperava.
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Foi por isso que, na interpreta��o de Limongi, Dilma alimentou a Opera��o Lava-Jato, uma criatura da qual ela perdeu o controle, que se voltou contra a pr�pria presidente e seu padrinho, Lula, e que foi central para que ela tamb�m perdesse a base parlamentar s�lida de que dispunha no Congresso, herdada do antecessor.
Ao investir no combate � corrup��o, Dilma criou as condi��es necess�rias para o seu pr�prio impeachment, argumenta Limongi, em seu rec�m lan�ado Opera��o Impeachment - Dilma Rousseff e o Brasil da Lava Jato (Editora Todavia).
“Para salvar a embarca��o, o sistema pol�tico resolveu lan�ar a carga (Dilma) ao mar”, diz Limongi.
Usando centenas de reportagens dos jornais Folha de S. Paulo, O Estado de S�o Paulo, O Globo e Valor Econ�mico, Limongi reconstr�i a hist�ria dos anos entre o come�o do primeiro mandato de Dilma at� o desfecho do impedimento da ent�o presidente.
Ele tenta demonstrar que n�o foram a crise econ�mica, as pedaladas fiscais, os protestos de 2013 ou a queda de popularidade os fatores determinantes para a derrubada da presidente. E que as repercuss�es de suas apostas e de sua sa�da, em agosto de 2016, ainda n�o deixaram de se desdobrar.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista, concedida por videochamada e editada por concis�o e clareza.
BBC News Brasil - O PT diz que Dilma sofreu um golpe, interpreta��o que parte da ci�ncia pol�tica tem chancelado. O senhor diz que “impeachments n�o s�o golpe”. O impeachment de Dilma � um golpe ou n�o?
Fernando Limongi - Do ponto de vista de uma defini��o cl�ssica de golpe, n�o � golpe, � impeachment.
Impeachment est� previsto na Constitui��o. � um recurso de �ltima inst�ncia que deve ser usado em casos excepcionais, e o caso contra Dilma n�o era um que pedisse isso. Tanto que, � interessante notar, eu n�o fa�o men��o no livro, em nenhum momento, � justificativa dada para fazer o impeachment, que s�o as pedaladas fiscais. Porque n�o foram as pedaladas que levaram ao impeachment. E quem defende que precisava ter o impeachment justifica buscando quest�es de pol�ticas p�blicas, m� gest�o da economia ou coisa desse tipo. Mas isso n�o pode ser motivo de impedimento. E al�m do que, voc� obt�m essas corre��es por outros meios muito menos traum�ticos. Ent�o n�o � um golpe, mas � um processo traum�tico e desnecess�rio.
BBC News Brasil - O senhor argumenta no livro que o PSDB estaria disposto a radicalizar, a um golpe…
Limongi - N�o � um golpe, mas � ali, � na margem. E o PSDB est� disposto (naquele momento) a ir �s �ltimas consequ�ncias para tirar o PT do poder, e puxando a corda ao limite, ou mesmo ultrapassando o limite, como quando vai ao TSE (questionar a lisura das urnas ap�s a derrota em 2014). (No segundo mandato de Dilma) o PSDB vai jogando o tempo inteiro com duas alternativas: o impeachment e a cassa��o da chapa (Dilma-Temer).
Ent�o o PSDB, de uma forma ou de outra, quer abreviar o mandato e antecipar a altern�ncia no poder, est� desrespeitando as regras (democr�ticas). Mas meu argumento � que o PSDB, mesmo sendo extremado, radical, inconsequente e irrespons�vel, ele seria incapaz de derrubar a Dilma sozinho. O PSDB n�o tinha for�a para tanto, n�o tinha os votos para tanto. A oposi��o n�o derruba, n�o � capaz de fazer um impeachment. Era preciso um outro elemento aqui para explicar o que aconteceu.

BBC News Brasil - E esse outro elemento foi o rompimento entre Dilma e sua base parlamentar por causa da prioridade que ela deu � pauta anticorrup��o?
Limongi - � isso. Ela faz do combate � corrup��o uma das suas bandeiras. � uma tentativa dela de liderar esse processo, mas ela perde o controle, o g�nio sai da garrafa. Ela monta e insufla a Lava Jato, deixa a Lava Jato se constituir (no per�odo, ela prop�e a lei da dela��o premiada e outros recursos que foram usados pela Lava Jato), percebendo que essa � uma agenda importante para a sociedade brasileira, que est� mobilizando a sociedade brasileira, porque teve o julgamento do mensal�o (em 2012), teve (as manifesta��es populares de) 2013, ent�o essa quest�o est� posta.
E � uma batata quente que o PT e sua coaliz�o est�o fazendo de conta que n�o existe, querem p�r debaixo do tapete. E a Dilma decide que n�o. E eu acho que n�o era um plano originalmente dela. � uma briga que ela tem com algumas pessoas dentro do PT em rela��o a uma pol�tica espec�fica, que � a Petrobras e como fazer a Petrobras funcionar. Quando ela tenta fazer a Petrobr�s funcionar, ela p�e a m�o no vespeiro, briga com gente gra�da dentro do PT, briga com a Construindo um novo Brasil, que � a tend�ncia mais forte do PT, que tinha mantido S�rgio Gabrielli como presidente da Petrobras por todo aquele per�odo.
Ao fazer essa modifica��o e trazer a Gra�a Foster para a presid�ncia e fazer um saneamento da Petrobras (com demiss�o dos diretores indicados pelos partidos aliados) para ver se a Petrobras podia ser a locomotiva do processo de industrializa��o brasileiro que ela tinha em mente, ela mexe nesse grupo e nos interesses que est�o rodando ali com a gera��o de recursos il�citos dentro da Petrobr�s.
E a� ela faz disso a sua bandeira pol�tica, ou tenta fazer, para se contrapor a esse grupo. E esse conflito vai se estender no tempo. A ruptura para valer com o PMDB e com o (ent�o presidente da C�mara) Eduardo Cunha se d� s� (mais tarde) quando Cunha � denunciado pela Lava Jato e passa a ser processado ou citado no Supremo Tribunal Federal. A� o Cunha passa para a oposi��o e come�a a liderar o processo de impeachment da presidente Dilma.
BBC News Brasil - O PSDB surge no processo de redemocratiza��o do Brasil e � o segundo partido com maior sucesso eleitoral na presid�ncia na democracia. Por que, de repente, decide romper com as regras do jogo democr�tico?
Limongi - � muito dif�cil de entender. A �nica explica��o que eu tenho, e que eu sugiro no livro, � que o (atual deputado federal) A�cio (Neves) est�, em verdade, inebriado com o sucesso final (em 2014), depois de ter passado a campanha toda l� embaixo (nas inten��es de voto para a presid�ncia), ele chega a quase desistir em favor da Marina (Silva), ia sair como derrotado e de repente d� um sprint fabuloso (A�cio teve 8 pontos percentuais nas urnas a mais do que indicavam as pesquisas da v�spera e foi ao segundo turno).
Ali criou um sonho na cabe�a dele: 'Se a campanha tivesse mais dois, tr�s dias, eu teria ganho.’ Isso � um equ�voco digno de pol�tico inexperiente, porque sempre no final da campanha h� algum rearranjo, pode acontecer um sprint assim. E teve um certo movimento de rua ali. No final da campanha dele, gente que tinha ido �s ruas em 2013, como o Vem pra Rua, o MBL, esse pessoal tamb�m vai para rua no segundo turno de 2014 e d� esse car�ter, digamos, de movimento social, � campanha do PSDB no final.
Ent�o o PSDB vive um sonho de que o partido poderia se transformar num partido de massa e que poderia combater e vencer o PT nas ruas e vencer o PT nas ruas. Tem v�rios projetos que s�o ali acalentados, o (Jos�) Serra delira de formar umas caravanas, e de fazer v�deos com o Fernando Henrique. Estavam delirando, como mostra aquela frase do Antonio Imbassahy, um l�der baiano do PSDB, que fala: '� como se a gente tivesse ganho a Copa do Mundo e tivesse entrando no est�dio'. Ent�o � assim, os caras perderam o p� no ch�o de um lado.
De outro lado, a quarta derrota seguida � presid�ncia faz com que o PSDB comece a questionar suas estrat�gias ou que os derrotados, a direita como um todo, passe a questionar a pr�pria lideran�a do PSDB sobre a direita.
Ent�o, por exemplo, o Bolsonaro j� p�e a cara de fora e diz 'Eu sou candidato na pr�xima elei��o'. E vem com esse papo de que o PSDB � muito mole, muito parlamentar e que para vencer o PT precisa usar dos mesmos meios que o PT usa, e que o PT � um partido de gente descompromissada com a moral e que faz qualquer nota para ganhar elei��o. Ent�o n�s tamb�m precisamos fazer isso. Ent�o, o PSDB est� sendo pressionado pela direita e o A�cio v� nisso a possibilidade dele, na verdade, ser o l�der desse movimento e instrumentalizar essa press�o para vencer a concorr�ncia com o Geraldo Alckmin, que, pelas regras n�o escritas do partido, seria o candidato (� presid�ncia) em 2018. Ent�o ele embarca nessa radicaliza��o e o partido se divide entre os que entram com o A�cio e os que tentam chamar o partido � raz�o.

BBC News Brasil - Outro ponto cr�tico na hist�ria, do lado da esquerda, � por que a Dilma, que era extremamente popular quando decide abra�ar a pauta anticorrup��o, toma esse caminho?
Limongi - Evitei abordar isso no livro at� porque n�o parecia uma coisa muito estabelecida, mas a pessoa forte na orienta��o da Dilma e que definiu essa estrat�gia dela foi o (marqueteiro) Jo�o Santana, porque ela come�a a subir de popularidade quando faz aquela faxina ministerial no primeiro ano de governo (em que demite uma s�rie de ministros acusados de malfeitos nos primeiros meses da gest�o). Ent�o aquilo vai dando muita repercuss�o. O Jo�o Santana est� fazendo pesquisa de opini�o p�blica e est� vendo que aquilo est� pegando bem. A� vem o julgamento do mensal�o (em 2012) e esse passa a ser o grande ponto negativo do PT, ao qual o PT n�o sabe como reagir.
Nesse meio tempo, a Dilma entra em conflito com o PT na Petrobras. Ali, ela n�o queria moralizar, mas queria tornar a empresa eficiente. Ela percebe que os navios-sonda n�o est�o saindo, que a explora��o do pr�-sal n�o vai se concretizar, da� coloca a Gra�a Foster, tira os diretores pol�ticos para tentar fazer funcionar. Mas mesmo que desse certo, seria uma medida de muito longo prazo, ela n�o veria resultado imediato, ent�o ela precisava de uma marca, porque apesar da popularidade, at� ent�o ela n�o tinha uma bandeira.
Ent�o ela acaba adotando esse projeto (do combate � corrup��o), que � um projeto tolo, � um projeto contraproducente. � uma bandeira que necessariamente vai gerar problema de popularidade e de apoio para ela. O governo n�o pode dizer que ele vai acabar com a corrup��o porque (se h�) a corrup��o, (ela) � o governo. N�o adiantava a Dilma dizer que corrup��o existia desde 1500, as pessoas n�o querem saber, (no fim) ela seria a respons�vel final. A� � o erro do Jo�o Santana, porque ele cria uma estrat�gia que n�o tinha como dar certo.
BBC News Brasil - E historicamente n�o deu certo no Brasil, onde as pessoas costumam votar com base na economia…
Limongi - Sim, quando a Marina quase ganha a elei��o, ou mesmo quando o A�cio amea�a a Dilma, o Jo�o Santana volta para a economia. Ele refaz a campanha e vai para a economia dizer que seu prato que vai ficar vazio ou voc� vai ficar com fome porque os outros candidatos v�o fazer recess�o, retoma o mote do PT de investir na renda dos mais pobres, e assim que ele ganha a elei��o (de 2014).

BBC News Brasil - Durante a �ltima campanha, em 2022, ficou evidente o mal-estar do Lula em falar de corrup��o. O tema continua sendo uma ferida aberta para o PT?
Limongi - Eu acho que sim. A oposi��o foi muito h�bil em construir essa imagem de que o PT � intrinsecamente corrupto, que � da natureza do PT e que o PT praticaria uma corrup��o diferente, mais poderosa, porque o PT tem um projeto de poder. Mas n�o � diferente coisa nenhuma. Tanto que os atores s�o os mesmos: a Odebrecht, a JBS, a Camargo Corr�a financiando os dois lados, e da mesma forma, pelo mesmo tipo de rela��o. E � isso que vai dar l� no final, quando a Lava Jato come�a a puxar a base de dados da Odebrecht e revela est� todo mundo na folha de pagamento da Odebrecht, que n�o � s� o PT, a� que d� o desespero. A� (a classe pol�tica diz:) ‘Vamos jogar a mercadoria (Dilma) ao mar pra salvar a embarca��o’.
BBC News Brasil - A gente tem ouvido ao menos desde o governo Temer que o Brasil vive uma situa��o de semipresidencialismo. Depois que o Or�amento Secreto foi adotado como pr�tica, com a transfer�ncia do controle de grandes recursos para o legislativo no governo Bolsonaro, essa ideia ganhou for�a. Essa semana, o Congresso amea�ou desconfigurar o Executivo de Lula. A queda de Dilma tamb�m implicou na derrocada do sistema de presidencialismo de coaliz�o como o conhec�amos?
Limongi - N�o foi imediato, quem acabou de implodir isso (o presidencialismo de coaliz�o) foi o Bolsonaro. O que a Lava Jato e o impeachment da Dilma implode � o sistema partid�rio brasileiro, sobretudo a centro-direita. O PT consegue se reerguer com base nos seus governadores do Nordeste. Mas o resto do sistema pol�tico sucumbe ao terremoto. Bolsonaro poderia ter reconstitu�do, organizado a direita e a gente ter um sistema novamente funcional, minimamente equilibrado. Mas n�o fez. Ent�o, a destrui��o completa que a Lava Jato traz � quando a Lava Jato chega ao poder, o esp�rito Lava Jato chega ao poder com Bolsonaro. O Bolsonaro � um lavajatista, � desse esp�rito de que justi�a boa � justi�a r�pida e eficaz para eliminar os criminosos. N�o � casual que o Moro virou o Ministro da Justi�a dele, porque h� esse casamento ideol�gico e de princ�pios.
Para Bolsonaro, governar nunca foi o neg�cio dele, nunca foi a preocupa��o, o norte ou o objetivo dele. E com isso ele deixa o poder de governar ou a defini��o (do destino) dos recursos que o Estado tem nas m�os escapar do Executivo ou ser puxado pelo Legislativo. Era um processo que j� vinha ocorrendo e Bolsonaro deixou ir ao paroxismo com o Or�amento Secreto, que � essa manifesta��o de que Bolsonaro n�o queria saber do or�amento. (O ent�o ministro da Fazenda Paulo) Guedes tamb�m n�o queria saber de or�amento. Ent�o, (dizem ao Congresso): 'toma que o filho � seu. Voc�s sabem o que fazer com isso? Fa�am alguma coisa’. Ent�o esse � o quadro que a gente est� vivendo agora, que tem essa continuidade que foi dada pela elei��o do presidente da C�mara, que permanece o mesmo do segundo bi�nio do Bolsonaro, quando Bolsonaro realmente completa esse presidencialismo de descaso que o caracteriza, quando passa ao Congresso a fun��o de governar.
Ent�o, isso desequilibrou ou reequilibrou o sistema. Acho que seria exagero falar em semipresidencialismo ou coisa desse tipo. Acho que o que a gente tem � um certo conflito e uma indefini��o quanto aos rumos que isso vai tomar.

BBC News Brasil - A Dilma contou por muito tempo com uma base parlamentar s�lida, negociada, como seus antecessores tamb�m fizeram, � base de cargos e emendas. Hoje, o governo Lula n�o tem essa base e parece muito dif�cil form�-la. O que mudou?
Limongi - O sistema est� mais r�gido. Lula e Dilma puderam contar com uma enorme migra��o partid�ria para montar suas bases.
O PSD, por exemplo, foi criado no governo Dilma puxando deputados do DEM. O Lula tem uma migra��o partid�ria pro PP e pro PTB enorme no in�cio do primeiro mandato (ambos compunham a base naquele momento). Essa migra��o n�o existe mais (a reforma eleitoral de 2015 estabelece que migra��o partid�ria s� pode ocorrer dentro de janela espec�fica ou com justa causa).
Os partidos que est�o fora do governo se comprometeram muito fortemente com o projeto do Bolsonaro. Boa parte deles tem um governador eleito ou uma lideran�a estadual a qual poderiam se ligar e lan�ar para enfrentar Lula na elei��o de 2026 ou mesmo seguir aderindo a Bolsonaro.
A ades�o ao governo era muito mais f�cil antigamente, porque voc� sabia que o candidato de oposi��o ia ser do PSDB. Agora, voc� n�o sabe de onde vai ser. Ent�o esses partidos est�o lutando ali para ver se de repente � um deles 'o novo PSDB' que vai liderar a oposi��o. E o bolsonarismo est� espalhado por todos eles, pelo PL, Uni�o Brasil, PTB, PR. Ent�o voc� n�o consegue ter previsibilidade e coes�o das m�quinas.
E ainda em toda a quest�o da cl�usula de barreira e o fim das coliga��es proporcionais, que criam uma baita incerteza para os partidos sobre a sua sobreviv�ncia na pr�xima elei��o. Ent�o � uma quest�o dif�cil de ser resolvida. E tem o fator Lira, que concentrou muito poder como presidente da C�mara nos �ltimos anos, com as sess�es remotas durante a pandemia. Por tudo isso n�o est� claro qual vai ser o novo equil�brio ou se n�o teremos um equil�brio e um confronto aberto entre presidente da Rep�blica e presidente da C�mara vai se tornar o novo padr�o.
BBC News Brasil - Seu livro deixa claro que Dilma cai quando perde sua base parlamentar. Considerando que o Lula at� agora sequer construiu uma base, seria ele um forte candidato ao impeachment tamb�m?
Limongi - N�o, porque hoje o Lula teria os votos para barrar. E acho tamb�m que o impeachment da Dilma foi muito traum�tico para que as elites pol�ticas voltem a brincar com fogo.
BBC News Brasil - A gente sabe que os operadores diretos do processo de impeachment, como o grupo de Eduardo Cunha e Michel Temer, no PMDB, e A�cio, no PSDB, acabaram alvejados pela Lava Jato e tiveram seu poder pol�tico reduzido. Mas eu queria jogar luz na figura do Lula. Seu livro mostra o quanto de fogo amigo do PT a Dilma enfrentou. Lula fez tudo o que podia para salvar o mandato de Dilma? O senhor arriscaria pensar aqui o que teria acontecido com Lula se ele tivesse virado ministro de Dilma no auge da crise (a posse foi impedida pelo STF e pela divulga��o de um grampo irregular de conversa entre Dilma e Lula)? Seria ele hoje presidente?
Limongi - Esse contrafactual � muito dif�cil de ser feito. Eu acho que o Lula fez aquilo que um l�der deveria ter feito ali. Ele tem um conflito com a Dilma, que se estende at� agosto, setembro de 2015. O fogo amigo est� rolando ali de parte a parte e n�o tem o bonzinho, a v�tima, s�o os dois e suas fac��es que est�o brigando por poder e por controle da m�quina do Estado. E isso � pol�tica.
Mas a hora que a Dilma � amea�ada pelo Cunha e por uma possibilidade real de impeachment, eles se entendem melhor. E o Lula ajuda a Dilma a remontar o minist�rio e vencer o Cunha, quando traz o grupo do Jorge Picciani para dentro do governo e o PT cede o Minist�rio da Sa�de para o PMDB, que � a joia da coroa, principal minist�rio, com maior recurso. Ent�o o PT, a Dilma e o Lula se entendem e fecham um acordo e a ‘Construindo um novo Brasil’ vem para o centro do governo, com o Jaques Wagner e com (Ricardo) Berzoini, e come�am a encaminhar as coisas. Acho que esse movimento estava dando certo at� a Lava Jato partir para destruir o governo.
A Lava Jato parte para cima da Dilma e do Lula ao mesmo tempo. Naquele momento, a decis�o do Lula � muito dif�cil. Ele tem duas alternativas: vir para o governo e salvar a Dilma. Ou se preservar, deixar a Dilma cair, e voltar em 2018, concorrendo �s elei��es.
Do ponto de vista do partido, se pode pensar que a melhor alternativa era preservar o seu grande l�der, deixar o governo Dilma ir pro brejo e tentar recuperar o poder em 2018. Mas essa alternativa se torna invi�vel porque seria politicamente insustent�vel que Lula deixasse Dilma se afogar sem ajudar. � por isso que ele aceita entrar para o governo.
Mas Lula sabe que � tarde. Aparentemente, ele tem a no��o de que vai ser muito dif�cil salvar o governo Dilma. E pela minha reconstitui��o (dos fatos a partir da cobertura jornal�stica), eu acho que, quando ele aceita ser ministro, ali j� estava selado (o destino do governo Dilma). O PMDB e o PSDB j� tinham se entendido, e o PP tamb�m. Ent�o o impeachment viria mesmo com o Lula. Agora, claro, de repente isso muda todo o cen�rio, era uma possibilidade.

BBC News Brasil - Ent�o, claro que Lula n�o desejava ter sido preso e tudo o que se seguiu, mas aparentemente as decis�es de Sergio Moro “salvaram” Lula de virar ministro de um governo que seria derrubado, o preservaram politicamente?
Limongi - No m�dio prazo, primeiro, quem salvou o Lula foi o Gilmar (Mendes, ministro do STF), ao impedir que ele tomasse posse (como ministro). A� ele n�o precisa dizer 'Eu n�o tentei salvar a Dilma'. Ele pode dizer: 'Eu tentei, mas fui impedido’. Se ele n�o fosse preso, teria sido o melhor dos mundos para ele. Mas a pris�o acaba adiando (em quatro anos) a volta pol�tica dele.
Acho que se ele tivesse assumido o minist�rio, mesmo que ele tivesse evitado a queda da Dilma, seria imposs�vel que ele evitasse a crise econ�mica. Teria que ter um ajuste econ�mico, ele sabia, tanto que estava propondo que o Henrique Meirelles fosse o ministro da Fazenda. Ent�o ele teria que assumir a crise, era um abra�o de afogados. N�o tinha como ele escapar. E � por isso que ele hesita tanto (em assumir o minist�rio).
Mas isso tudo � especula��o nossa, porque o que acontece de verdade � que o Lula � impedido de ser ministro, acaba condenado pela Lava Jato e � preso, o que lhe deu a possibilidade de se isolar durante o governo Bolsonaro e como o PT sobrevive muito fortemente no Nordeste, usar essa base para voltar ao poder. � interessante ver que esse PT que chega ao poder tem pouco a ver com o PT que se elege em 2002. Agora, no Executivo, h� lideran�as com experi�ncia de executivo no Nordeste (e n�o do meio sindical paulista): Rui Costa, Wellington Dias, Camilo Santana, Fl�vio Dino.
BBC News Brasil - Na sua avalia��o, a solu��o do imbr�glio de Lula com Lira depende de uma reestrutura��o da direita?
Limongi - Depende da reestrutura��o da direita e o quanto a direita acredita que pode passar a p�o e �gua at� a pr�xima elei��o. A direita acredita que ter� um candidato para confrontar o Lula em 2026 ou vai querer negociar minist�rio e apoio?
BBC News Brasil - O governo Lula tem sido muito criticado por problemas de articula��o pol�tica…
Limongi - Ningu�m ganha nem perde todas. Agora, �s vezes se perde n�o porque voc� � ruim, mas porque o outro � bom tamb�m. Ou porque nas condi��es dadas ningu�m conseguiria ganhar. Ent�o tem que entender que a situa��o � ruim, a gente tem um cen�rio em que o Bolsonaro ganhou a elei��o legislativa, essa � a verdade.
A gente tem um Congresso que � de direita e que � de direita irrespons�vel, que � esse modelo Bolsonaro, que � o cara que quer fazer farra, que quer botar peruca (refer�ncia ao deputado Nikolas Ferreira), que quer fazer lacra��o e que n�o tem o menor interesse no que vai acontecer com a pol�tica p�blica. E por isso � dif�cil de negociar, porque esses deputados n�o t�m interesse de pegar um minist�rio e transformar o minist�rio em algo que vai fazer alguma coisa. Eles querem fazer fuzarca.