(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas Junho de 2013

'Foram dias de terror em BH', relata comerciante que testemunhou protestos

O m�s em que a capital assistiu a uma das maiores convuls�es sociais da sua hist�ria n�o sai da mem�ria de quem presenciou os confrontos mais violentos


18/06/2023 04:00 - atualizado 18/06/2023 08:00
440

José Carlos Coelho, dono de lanchonete na Avenida Antônio Carlos
Jos� Carlos Coelho, dono de lanchonete na Avenida Ant�nio Carlos (foto: JairAmaral/EM/D.A Press)


Os salgados, principalmente os past�is, da lanchonete Dois Amigos s�o famosos, atraindo quem passa pela Avenida Ant�nio Carlos ou segue em dire��o ao c�mpus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), do outro lado da via. Mas o ambiente convidativo quase foi depredado durante as manifesta��es de junho de 2013. “Eles tentaram entrar aqui, arrombar, mas n�o conseguiram. Tenho aqui uma prote��o (um tipo de comporta), que funcionou bem”, conta Jos� Carlos Coelho, um dos “dois amigos propriet�rios”.
 
Passado o rolo compressor de destrui��o, os donos instalaram uma segunda porta, com grade, na esperan�a de assim evitar qualquer novo ataque. “A gente nunca sabe o que pode acontecer”, reflete Jos� Carlos, lembrando dos pneus de carros retirados de uma loja acima e rolados avenida abaixo.
 

"Foram dias de terror em Belo Horizonte. Muitos nem sabiam por que estavam agindo assim. Depois, fiquei me perguntando: ficou resolvido o que, com tanta confus�o?"

Jos� Carlos Coelho, dono de lanchonete na Avenida Ant�nio Carlos

 
 
“Foi impressionante! Jogavam tudo nas ruas, at� extintor de inc�ndio. Acho que, se j� tivesse o Move naquele tempo, teriam incendiado todos os �nibus. Foram dias de terror em Belo Horizonte. Muitos nem sabiam por que estavam agindo assim. Depois, fiquei me perguntando: ficou resolvido o que, com tanta confus�o?”
 
 
O dono da lanchonete chegou a perguntar a um manifestante o motivo da baderna. “� a PEC! � a PEC! S� gritava isso”, recorda. O n�o � Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 37 na �poca caiu na boca do povo e surgiu em cartazes carregados durante as manifesta��es. Com o apelido de PEC da Impunidade, o texto limitava a atua��o do Minist�rio P�blico estadual e federal ao delegar exclusivamente �s pol�cias Federal e Civil dos estados e do Distrito Federal a apura��o de infra��es penais.
 
Painel já degradado sob viaduto recorda as tragédias que vitimaram dois jovens. Ambos caíram no vão, depois protegido por telas
Painel j� degradado sob viaduto recorda as trag�dias que vitimaram dois jovens. Ambos ca�ram no v�o, depois protegido por telas (foto: JairAmaral/EM/D.A Press)

 
Com a press�o das ruas, a proposta foi rejeitada com 97% dos votos na C�mara dos Deputados. Mas os motivos das manifesta��es, e principalmente dos manifestantes, eram muitos mais fluidos, difusos, dif�ceis de estabelecer e compreender. Entre as reivindica��es, que come�aram em S�o Paulo e irradiaram para outros estados, estavam redu��o da tarifa de �nibus, direito a moradia, fim da corrup��o...

“N�o d� para esquecer


Pai de quatro crian�as com idades de 2 a 12 anos, Judson Anselmo Silva, de 34, tinha na �poca apenas a filha Isabela, quando presenciou a onda de depreda��o. Dono de uma reformada de m�veis (que ainda n�o existia) na Ant�nio Carlos, na altura do Bairro Liberdade, ele, ent�o com 24 anos, estava na casa de parentes durante os tumultos.
 
“N�o d� para esquecer. Estive, na rua, com amigos, mais para ver aquela multid�o”, descreve, enquanto as m�os v�o cortando a espuma com a tesoura. “Foi uma confus�o, o povo descendo a avenida e quebrando tudo. N�o tive medo, pois estava perto de casa. Mas nunca vi tanto g�s lacrimog�neo e g�s de pimenta.”
 

A geografia do levante

 
A Avenida Ant�nio Carlos, onde est� a loja de Judson, foi um dos pontos efervescentes naqueles dias de quebradeira. Conforme a disserta��o de mestrado “Junho de 2013: atores, pr�ticas e gram�ticas nos protestos em Belo Horizonte”, de Let�cia Birchal Domingues, hoje doutoranda em ci�ncia pol�tica e integrante do grupo de pesquisa Margem, do Departamento de Ci�ncia Pol�tica da UFMG, os protestos ocorreram nas pra�as da Liberdade, Rui Barbosa (Esta��o), Sete e da Assembleia Legislativa, e nas avenidas dos Andradas, Ant�nio Carlos e Abrah�o Caram, onde fica o Viaduto Jos� Alencar – marco mais tr�gico das manifesta��es.
 
O primeiro registro foi em 15 de junho, um s�bado, com mobiliza��o da Pra�a da Savassi at� a Pra�a Rui Barbosa (Esta��o), passando pelas pra�as da Liberdade e Sete. Na chegada � Pra�a da Esta��o, havia uma Fun Fest (festa popular organizada durante a Copa das Confedera��es), com a presen�a de 12 mil pessoas.
 
Dois dias depois, em 17 de junho, uma multid�o se deslocou da Pra�a Sete ao est�dio do Mineir�o, passando pela Avenida Ant�nio Carlos. Naquele dia, houve o primeiro encontro com a Pol�cia Militar, na Avenida Ant�nio Carlos, e confronto na altura do c�mpus da UFMG, na Regi�o da Pampulha. A manifesta��o foi diurna, durante o jogo Taiti x Nig�ria, na Copa das Confedera��es.
 
Na quarta-feira (19), os protestos ecoaram na Assembleia Legislativa, no Bairro Santo Agostinho, na Regi�o Centro-Sul. No dia seguinte, foi a vez da Pra�a da Liberdade, Avenida dos Andradas at� a C�mara Municipal, e depois na Pra�a Sete.
 
O clima de tens�o se avolumava cada vez mais, assim como as multid�es arregimentadas pelos protestos – nos quais se destacavam tamb�m manifestantes pac�ficos e inclusive pais com filhos. Mas o que deixou cicatrizes na cidade foram os quebra-quebras como o de 22 de junho, um dos dias mais ca�ticos.
 
Era um s�bado quando uma multid�o partiu da Pra�a Sete em dire��o ao Mineir�o, passando pela Avenida Ant�nio Carlos, deixando pelo caminho um rastro de confronto, especialmente na altura da Avenida Abrah�o Caram, na Pampulha, e de ataques a concession�rias de ve�culos. Conforme a disserta��o de Let�cia Birchal Domingues, foi a maior manifesta��o em BH em n�meros, compreendendo de 100 mil a 150 mil pessoas. Nesse dia, jogavam, no Mineir�o �s 16h, Jap�o e M�xico.
 
Em 26 de junho, uma quarta-feira, houve a �ltima grande manifesta��o, e tamb�m a mais violenta, durante o jogo Brasil x Uruguai, no Mineir�o, na semifinal da Copa das Confedera��es. Os protestos tamb�m partiram da Pra�a Sete rumo ao est�dio, passando pela Ant�nio Carlos. O principal confronto tamb�m ocorreu na altura da Avenida Abrah�o Caram. 
 

Onda de protestos custou duas vidas

 
No pared�o sob o Viaduto Jos� Alencar, que faz a liga��o entre as avenidas Ant�nio Carlos e Abrah�o Caram, na Regi�o da Pampulha, h� hoje um grafite com a pintura j� um pouco descascada, mas que chama a aten��o pela for�a da imagem. Nela, em um oceano de �guas vermelhas, cheio de polvos, um barco naufraga, enquanto, sobre um cofre, um bispo reza, um homem de terno empunha um livro e outro estende a m�o, pedindo ajuda.
 
No mesmo cen�rio, uma pessoa com uma televis�o no lugar do rosto tira a �gua, ao lado de um soldado com fuzil e de um jogador de futebol levantando uma ta�a, enquanto outro personagem se afoga. A obra coletiva “N�o foi acidente” veio a p�blico em 2015, para homenagear Douglas Henrique Oliveira de Souza e Luiz Felipe Aniceto de Almeida, jovens mortos ap�s queda do mesmo viaduto, no qual, mais tarde, foram colocadas guarda-corpos.
 
Douglas morreu aos 21 anos, em 26 de junho, data da �ltima grande manifesta��o em BH. Em entrevista ao EM, tr�s anos ap�s a morte do filho, Neide Maria Caetano de Oliveira lamentou: “A situa��o do Brasil n�o muda. A �nica coisa que muda s�o nossas vidas, perdendo os filhos. A tend�ncia � s� piorar. Mudou alguma coisa? Adiantou fazer manifesta��o, ir para a rua? O que mudou foi a minha vida. Fiquei sem o sorriso, sem o abra�o dele. Minha sensa��o � de que tudo foi em v�o”.
 
Na entrevista concedida � rep�rter Junia Oliveira, Neide Maria lembrou dos �ltimos momentos com Douglas, quando pediu para ele n�o ir � manifesta��o. “Menino trabalhador – acordava �s 5h para pegar servi�o �s 6h, ajudava em casa, n�o tinha v�cios nem se envolvia com nada il�cito.” A m�e contou ainda que o filho n�o tinha liga��es com movimentos sociais ou partidos pol�ticos, indo para a rua, com alguns colegas, para protestar contra a situa��o do pa�s, por acreditar que aquilo era o certo e necess�rio. “Se eu pedisse com mais energia para ele n�o ir, porque eu n�o queria, ele n�o iria. Por v�rios dias me cobrei por n�o ter sido mais en�rgica”, disse.
 
Douglas tentava pular a mureta para alcan�ar a pista oposta do viaduto, mas n�o viu o v�o entre as duas al�as do elevado – um desn�vel entre elas teria gerado a falsa impress�o de que s�o unidas. Tanto que o jovem Luiz Felipe Aniceto de Almeida, ent�o com 22, perdeu a vida em circunst�ncias parecidas. Ele caiu do viaduto em 22 de junho, quatro dias antes do acidente de Douglas. Ficou internado em estado grave no Hospital de Pronto-Socorro Jo�o XXIII por 19 dias, mas n�o resistiu. Cinco outras pessoas ficaram feridas ao cair do mesmo elevado, lugar no qual ficaram gravadas na hist�ria, sem d�vida, as cicatrizes mais tr�gicas daqueles dias inesquec�veis. 
 
 


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)