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Estado de Minas ENtrevista

Edilene Lobo, 1� mulher negra no TSE: "Dever�amos ser todos iguais"

Nova ministra substituta, mineira de Taiobeiras, tomou posse ontem no Tribunal Superior do Eleitoral


09/08/2023 04:00 - atualizado 09/08/2023 08:06
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Edilene Lobo, 1ª mulher negra no TSE
(foto: JAIR AMARAL/EM/D.A PRESS)


Tomou posse ontem, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), como ministra substituta, a primeira mulher negra daquela corte eleitoral. Edilene Lobo, doutora em direito processual, mestra em direito administrativo, especialista em processo penal e direito eleitoral � mineira, nascida em Taiobeiras, no Norte de Minas, 17ª filha de uma fam�lia de 20 filhos. Iniciou-se no mundo do trabalho poucos dias antes de completar 14 anos, como empacotadora num supermercado de Betim. Desde cedo, entendeu que os estudos seriam a �nica possibilidade para uma vida melhor.
 
“O direito se apresentou em minha vida, como um prolongamento de meu olhar para o lugar de onde vim, onde est�o as pessoas que mais precisam de acesso aos direitos fundamentais”, afirma. Conciliando o escrit�rio profissional com a carreira acad�mica, Edilene Lobo j� cursou e lecionou em diversas universidades nacionais e internacionais. A �ltima delas, na Sorbonne-Nouvelle Paris III, foi professora convidada do mestrado II para alunos de ci�ncias sociais, sobre direitos pol�ticos, elei��es, democracia e mil�cias digitais na Am�rica Latina.
 
Ao refletir sobre a pr�pria trajet�ria e o significado de sua nomea��o, ela afirma: “Eu gostaria de dizer que para aquela menina pobre l� de Taiobeiras, e para tantas outras Edilenes por este Brasil, sonhando com oportunidades, chegar a este momento com esta miss�o, era algo impens�vel. E vejo a import�ncia de que ela possa estar aqui, porque n�s vivemos de refer�ncias. Ent�o a primeira import�ncia � est�tica: a fotografia da sociedade brasileira e a do Judici�rio brasileiro precisam contar com a diversidade, at� para que as meninas, as Edilenes, as Cidas, as Marias de qualquer cidade deste vasto pa�s, possam ver que n�s cabemos neste espa�o”.
 
Ao dar posse ontem a Edilene Lobo, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, destacou a import�ncia de do momento: “� uma honra hist�rica poder dar posse � primeira ministra negra da hist�ria do Brasil.”
 

"Temos uma longa estrada a percorrer para alcan�ar as promessas da Constitui��o democr�tica de 1988, de combate � discrimina��o em decorr�ncia de g�nero e ra�a, orienta��o sexual, religi�o, idade e quaisquer outras formas de exclus�o. Dever�amos ser todos iguais em direitos e em obriga��es"

 
 
Como a sua origem moldou a sua trajet�ria profissional?
Sou a 17ª filha de uma fam�lia que era muito pobre, do Norte de Minas, de Taiobeiras, com 20 filhos. O meu pai ficou vi�vo com sete crian�as. Logo se casou com a minha m�e, com quem teve 13 filhos. Formaram ent�o essa fam�lia de 20 filhos biol�gicos, al�m dos v�rios afetivos, que ambos tiveram ao longo da vida. A certa altura, foi imprescind�vel que vi�ssemos para o centro urbano, que oferecesse condi��es de trabalho e condi��es de estudos, porque na minha cidade n�o havia oferta para todos do Ensino M�dio, na �poca chamado segundo grau. A minha fam�lia migrou para Betim, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte, em partes. Cheguei em 1983, antes de completar 14 anos, com mais quatro irm�os: �ramos duas meninas e tr�s rapazes, eu era a mais nova da turma. Mor�vamos numa regi�o oper�ria, com muitas car�ncias. Depois de n�s, migraram os nossos pais com os outros irm�os. Comecei a minha leitura da realidade social e do mundo da pol�tica, entre 14 e 15 anos. Foi tamb�m a �poca em que ingressei no mercado de trabalho. O meu primeiro emprego, tive a carteira de trabalho registrada, cinco dias antes de fazer 14 anos, foi como empacotadora num supermercado. Por uma necessidade, ent�o, comecei a trabalhar muito cedo, ao mesmo tempo em que estudava em escolas p�blicas, onde conheci pessoas maravilhosas, mulheres em especial, que me estimularam a me colocar na cena, me despertaram para o mundo da pol�tica estudantil e sindical. Percebi que era fundamental compreender o mundo do direito, pois naquele momento era a minha milit�ncia, justamente para buscar a prote��o principalmente das pessoas mais pobres. Ent�o, o direito aparece na minha vida quase que como um prolongamento de meu olhar para o lugar de onde vim, o lugar onde est�o as pessoas que mais precisam de acesso aos direitos fundamentais. Ent�o foi pelo acesso � educa��o que alcancei voos que, infelizmente, n�o est�o acess�veis para a maioria das pessoas com a minha origem.

A senhora � a primeira mulher negra que chega � posi��o de ministra substituta do TSE. Como essa representa��o vai importar no exerc�cio de sua atividade?
N�s sabemos, a partir das estat�sticas muito duras que extra�mos do cotidiano brasileiro, que as mulheres negras est�o no final da fila. S�o as mais pobres dentre os pobres, s�o as mais discriminadas dentro do g�nero, t�m os piores empregos e os piores sal�rios. E quando falamos de viol�ncia dom�stica, viol�ncia f�sica em geral, quando falamos de mortalidade, esse grupo precisa ter espa�o e voz a propiciar a reflex�o do coletivo brasileiro sobre esta realidade. Eu gostaria de dizer para aquela menina pobre l� de Taiobeiras, e para tantas outras Edilenes por este Brasil, sonhando com oportunidades, chegar a este momento com esta miss�o, era algo impens�vel. Quando agora olho para aquela menina l� atr�s, vejo a import�ncia de que ela possa estar aqui, porque n�s vivemos de refer�ncias. Ent�o a primeira import�ncia � est�tica: a fotografia da sociedade brasileira e a do Judici�rio brasileiro precisam contar com a diversidade, at� para que as meninas, as Edilenes, as Cidas, as Marias de qualquer cidade deste vasto pa�s, possam ver que n�s cabemos neste espa�o. Por outro lado, � de import�ncia �tica, porque se uma na��o como o Brasil, que a partir da Constitui��o de 1988 se refunda democr�tica, precisa contar com a representa��o de todas as pessoas, de todos os grupos, ent�o � da dimens�o �tica que o TSE tenha uma ministra negra, pois estamos falando de pessoas negras representando mais de 50% da sociedade brasileira. Mulheres negras, em especial, mais de um quarto da popula��o brasileira. Al�m disso, do ponto de vista funcional, tenho certeza de quanto mais diversa uma corte, que se coloca exatamente assim, plural, muito mais poss�vel de acertar no desempenho de uma fun��o t�o importante que deve se voltar principalmente para as pessoas mais necessitadas. Ent�o diria que � �tico, est�tico e funcional. E em meu caso espec�fico, com muito alegria, poderei oferecer um pouco do meu saber para a justi�a eleitoral, porque vivi muitos anos de minha vida estudando, escrevendo, ensinando, aprendendo neste campo. Ent�o h� uma conjun��o de quaro elementos importantes, que faz com que a minha chegada ao TSE seja motivo de muito orgulho, inicialmente para mim, e certamente para v�rias mulheres e meninas por este pa�s, que tendo oportunidade de forma��o, podem oferecer a sua contribui��o para a vida coletiva brasileira.
 
 
Que cr�tica a senhora teria hoje � presen�a das mulheres em geral e, em particular das mulheres negras, aos espa�os de poder no pa�s?
Embora as mulheres representem 52% da popula��o brasileira, quando o assunto � participa��o em espa�os p�blicos, nos cargos p�blicos, na gest�o p�blica, somos uma minoria acachapante, que entristece. Temos hoje 29 deputadas negras eleitas (5,6% da representa��o total), eram 30 antes da sa�da de Marina Silva. No Senado da Rep�blica, temos apenas uma senadora negra. Olhando para a representa��o feminina no Congresso Nacional, a participa��o de mulheres na C�mara de Deputados � de cerca de 18% e, no Senado, de apenas 16%, abaixo da m�dia mundial e abaixo da m�dia dos parlamentos da Am�rica Latina: o Brasil ocupa hoje, segundo dados da Uni�o Inter-Parlamentar (UIP), a 129ª posi��o no ranking de 186 pa�ses. No Judici�rio, os dados do Conselho Nacional de Justi�a de 2022 informam que magistradas negras representam apenas 7% do quadro nacional; magistradas mulheres s�o 38%. Nas cortes superiores, esse retrato � ainda desalentador. No TSE, � a primeira vez que teremos, com a minha nomea��o, uma mulher negra como ministra substituta. Registros de 2021 do CNJ, indicam que entre os 88 ministros e ministras das cortes superiores, havia apenas uma mulher negra. Ent�o, temos uma longa estrada a percorrer para alcan�ar as promessas da Constitui��o democr�tica de 1988, de combate � discrimina��o em decorr�ncia de g�nero e ra�a, orienta��o sexual, religi�o, idade e quaisquer outras formas de exclus�o. Dever�amos ser todos iguais em direitos e em obriga��es.

Como foi o processo de sua nomea��o para o TSE? Dois homens foram nomeados para as duas primeiras vagas de ministros titulares, em que concorriam tamb�m duas mulheres, a senhora entre elas...
Eu gostaria de destacar que cada tribunal superior tem, no Brasil, uma diferente sistem�tica constitucional para o processo de participa��o e preenchimento de cadeiras. No TSE, inicialmente a lista de indicados e indicadas passa pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que as aprova e encaminha ao presidente da Rep�blica para a nomea��o. Compus a primeira lista ao lado de outra mulher, uma colega baiana, Daniela Lima de Andrade Borges, de imensa simpatia e capacidade. E na outra lista foram aprovados pelo STF os dois professores universit�rios, que foram nomeados. Um deles, ali�s, era ministro substituto. � muito importante que os poderes p�blicos, principalmente o Congresso Nacional que elabora a legisla��o, que atue para corrigir as injusti�as hist�ricas, garantindo espa�os para o povo negro. O Brasil precisa ter regras expl�citas para que haja propor��o entre g�nero e ra�a na ocupa��o dos espa�os p�blicos. Ent�o me sinto muito feliz em inaugurar essa nova realidade no TSE, sinto-me preparada para desempenhar essa fun��o, s�o d�cadas trabalhando e estudando o direito eleitoral, o direito p�blico em geral, assim como ensinando e aprendendo nas v�rias universidades pelas quais passei. Espero que cada vez mais possamos ver mais mulheres como eu ocupando esses espa�os.
 

Ao longo de sua carreira jur�dica, a senhora trabalhou no direito eleitoral tamb�m para partidos pol�ticos. Esse trabalho interfere em sua pr�tica como ministra se vier a julgar alguma a��o?
� natural que qualquer advogado que milite no campo eleitoral v� defender o interesse de determinado partido, de determinada candidatura. E no TSE, a Constitui��o brasileira estabelece que a Corte se comp�e por duas pessoas origin�rias da advocacia. Isso � para dizer que qualquer um de n�s que for nomeado, em algum momento teria advogado para partidos ou candidatos. Para a Constitui��o isso n�o � problema, naturalmente, desde que se observem as regras processuais. E o modelo processual brasileiro traz regras bastante expl�citas de como preservar a imparcialidade do julgador e da julgadora. A cada caso concreto � dever da magistrada e do magistrado examinar se n�o incorre em algum impedimento. E fico muito tranquila pois a cada caso a ser julgado vou examinar se em alguma medida, haveria risco de a minha atua��o violar a imparcialidade. Se isso ocorrer, � evidente que deverei me afastar daquele julgamento especial. Tenho tranquilidade nesse ponto. E tenho certeza de que a minha viv�ncia possibilitar at� umaentrega melhor de um servi�os judicial com observa��o pr�xima da realidade.

A senhora tem desenvolvido estudos no �mbito da atua��o da extrema direita nas m�dias digitais. Que consequ�ncias tem para os processos eleitorais, a forma como a extrema direita atua e como a amea�a deve ser enfrentada?
Tenho feito pesquisas e publicado trabalhos nesse campo. Essa movimenta��o do que chamo de extremismo iliberal, se d� em rota pelo mundo, n�o � fen�meno localizado na Am�rica Latina, potencializado pelas m�dias digitais. A revolu��o tecnol�gica nesse aspecto, por meio das m�dias digitais, criou ambiente de prolifera��o de ideias extremistas, facilitando a ascens�o desse movimento iliberal. Gosto da conceitua��o de Oreste Massari, professor de Ci�ncia Pol�tica da Universidade de Roma e Francisco Balaguer Cal�jon, da Universidade de Granada, que assinalam tratar-se da difus�o do caos, com o prop�sito deliberado de destruir ademocracia para a ascens�o ao poder ilimitado. Nesse campo de pesquisa, pude observar que a prolifera��o do movimento extremista, ampliado por interm�dio de algoritmos, merece muita aten��o do mundo democr�tico e do sistema de justi�a, pois � claro que o extremismo, que se vale do discurso de �dio, da exclus�o, da coa��o, operando contra grupos minorit�rios, atinge em cheio as mulheres negras. Esse tipo de movimento merece toda a aten��o do sistema de justi�a, em especial, do sistema eleitoral, porque se valendo da desinforma��o, inclusive atacando a pr�pria justi�a eleitoral, tenta manipular os resultados dos pleitos. Nosmeus estudos tenho refletido sobre as possibilidades de intervir nessa realidade. Como o sistema de justi�a eleitoral pode agir para oferecer alguma conten��o a esse movimento, que ao excluir a diversidade, rompe com um modelo democr�tico minimamente aceit�vel.

H� um debate que permeia a Justi�a Eleitoral e o Congresso Nacional relacionado � regulamenta��o das m�dias digitais. Qual a sua avalia��o em rela��o a esse tema?
Avalio que urge estabelecer limites ao uso das m�dias digitais, quando se verificar eventual abuso, especialmente para que a liberdade de escolha do eleitorado n�o seja atingida pela mentira. Noutro aspecto, considerando que as m�dias digitais se transformaram em ve�culos para dissemina��o da viol�ncia e do ataque � democracia, as empresas que as oferecem, as denominadas megaplataformas digitais, precisam se comprometer com a qualidade do que ali circula e atuar para combater esse tipo de disfuncionalidade. Al�m disso, precisam dar transpar�ncia ao desenvolvimento dos algoritmos que impactam processos eleitorais, com a difus�o de informa��es direcionadas estrategicamente a perfis espec�ficos.

H� uma tens�o entre liberdade de express�o e eventuais limites postos a esta liberdade, que se vale dos valores democr�ticos para difundir o discurso de �dio e atacar as institui��es democr�ticas?
Existe a tens�o, mas antes dela, h� um desafio da sobreviv�ncia do modelo democr�tico. Por isso que essa tens�o entre direitos � s� aparente, porque � claro que o sistema democr�tico deve se sustentar na prote��o aos direitos fundamentais, e pensando na harmonia do modelo, o direito � liberdade de express�o do indiv�duo n�o pode ser sobreposto ao direito coletivo do povo de ter acesso � informa��o de qualidade. 


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