Fala de Jos� Dirceu alimenta falsa liga��o do PT com facada em Bolsonaro

Conte�do investigado: Em v�deo publicado nas redes sociais, homem comenta entrevista de Jos� Dirceu (PT) republicada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Ele afirma que Dirceu assume “erramos quando demos a facada no Bolsonaro”. A legenda da publica��o diz: “Z� Dirceu assume facada, Advogados de Ad�lio em p�nico”.

Onde foi publicado: Facebook.

Conclus�o do Comprova: V�deo que circula fora de contexto em rede social usa fala antiga do ex-ministro e ex-presidente do PT, Jos� Dirceu, para incentivar teoria que relaciona o partido a Ad�lio Bispo, autor da facada contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Na publica��o enganosa, s�o apresentadas afirma��es com base na entrevista com o pol�tico, de 2021, compartilhada por Bolsonaro em 27 de julho de 2023. O ex-presidente n�o escreve legenda, mas reproduz texto que atribui a uma fala de Dirceu suposta liga��o do PT com a facada de 2018.

O v�deo vem sendo explorado nos �ltimos anos para incitar uma teoria, sem evid�ncias, de que o PT teria algum envolvimento no atentado. A afirma��o n�o procede, de acordo com os fatos apurados pela Pol�cia Federal (PF) desde o primeiro inqu�rito do caso. Um segundo inqu�rito foi conclu�do em 2020 e atestou que Ad�lio Bispo agiu sozinho e sem mandantes.

O ex-ministro j� veio a p�blico explicar o contexto de sua declara��o, quando o conte�do foi republicado pelo vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (Republicanos), filho do ex-presidente. “Minha fala � uma lista de fatos imprevis�veis na pol�tica, que poderiam impedir a elei��o do Lula ou do Haddad em 2018. Dentre eles, poss�veis erros nossos e a facada em Bolsonaro. Coisas diferentes, compondo a mesma listagem de fatos imprevis�veis”, disse Dirceu na �poca.

Enganoso, para o Comprova, � o conte�do retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra altera��es; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpreta��o diferente da inten��o de seu autor; conte�do que confunde, com ou sem a inten��o deliberada de causar dano.

Alcance da publica��o: O Comprova investiga os conte�dos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. At� o dia 11 de agosto, o v�deo contava com 44 mil visualiza��es no Facebook, 3 mil curtidas e 200 coment�rios. No Youtube, s�o 21 mil visualiza��es e 1,8 mil curtidas.

Como verificamos: O primeiro passo foi identificar em qual situa��o e momento foi feita a declara��o de Jos� Dirceu, al�m de obter a fala completa. Para isso, pesquisamos no Google pelos termos “entrevista Dirceu elei��es” e “entrevista Dirceu facada Bolsonaro” na modalidade v�deo. A partir disso, procuramos elementos semelhantes com o v�deo apresentado, como as roupas de Dirceu e sua posi��o.

Ao identificar o v�deo, assistimos � entrevista completa para encontrar o contexto e o momento em que a declara��o foi proferida. Na sequ�ncia, buscamos no Google por repercuss�es sobre a entrevista na �poca e encontramos reportagens que publicaram a resposta de Dirceu na rede X, antigo Twitter, ao compartilhamento de Carlos Bolsonaro.

Nas contas oficiais de ambos e tamb�m de Jair Bolsonaro, verificamos se as publica��es ainda estavam ativas. Por fim, tentamos contato com Jos� Dirceu e com o autor da postagem.

Al�m disso, identificamos o autor do v�deo, a partir da publica��o do material dispon�vel no YouTube. Entramos em contato com ele, que n�o respondeu at� o fechamento desta verifica��o.

 

A entrevista do ex-ministro Jos� Dirceu repercutida por Jair Bolsonaro e seus apoiadores foi publicada em 11 de maio de 2021, pelo canal do YouTube Tutam�ia TV, que faz parte do site Tutam�ia, criado e produzido pelos jornalistas ga�chos Eleonora de Lucena e Rodolfo Lucena. O tema da entrevista foi “Enfrentamentos a Bolsonaro e rumos do Brasil”. A resposta de Dirceu que voltou a circular est� aos 41 minutos e 35 segundos do v�deo e diz respeito a um questionamento de Eleonora acerca da posi��o da elite brasileira nas elei��es de 2022.

“Muita gente n�o consegue entender a elite, a burguesia brasileira, tendo essa posi��o aliada ao Bolsonaro, alimentando o Bolsonaro”, inicia ela, para questionar, ao final: “Como que o senhor v� isso: a elite desembarcando do Bolsonaro ou ficando com o Bolsonaro para o que der e vier? Como que ela vai trabalhar daqui pra diante?”.

O ex-ministro responde: “Veja bem, s�o os interesses imediatistas dela. Os medos at�vicos dela. Porque, de certa maneira, h� uma oposi��o ao bolsonarismo muito dura de direita, que a Globo sintetiza. Mais do que isso, ela est� construindo uma agenda progressista liberal, vamos dizer assim”.

Dirceu afirma ainda que a ades�o da elite ao bolsonarismo foi para tirar o PT do poder, quando ent�o inicia as frases usadas na repercuss�o: “Se a Dilma governasse at� o final do governo dela e o Lula sendo candidato em 18, n�s vencer�amos a elei��o. Ali�s, ele venceria em 18 com tudo que aconteceu ou, em liberdade, elegeria o Haddad. Quer dizer, n�o h� como fazer contra…a hist�ria voc� n�o pode… mas a possibilidade era grande. Poderia acontecer qualquer fato, como acontece �s vezes, que impedisse isso, n�, ou erros nossos, ou como foi a facada ao Bolsonaro, como foi a decis�o do Fachin, n�, essas coisas imprevis�veis da pol�tica”.

O ex-ministro, ent�o, volta ao ponto central do questionamento ao falar da suposta liga��o entre a elite e Bolsonaro. “Identifico mais o ego�smo, aus�ncia total de pudor, de consci�ncia democr�tica nas elites brasileiras, e ignor�ncia, porque n�o percebeu os riscos do fundamentalismo religioso, do obscurantismo, do negacionismo que representa isso, que est� embrutecendo uma parcela da popula��o, jogando ela contra outra.” Ao todo, a resposta de Dirceu dura 10 minutos.

 

A repercuss�o da entrevista de Jos� Dirceu ao Tutam�ia no n�cleo familiar de Bolsonaro veio tr�s meses depois, em 18 agosto de 2021, �s 9h50, em publica��o do vereador no Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (Republicanos), filho de Jair. Carlos posta um v�deo de 40 segundos com parte da resposta de Dirceu ao questionamento sobre a rela��o da elite brasileira com Bolsonaro. A imagem recortada n�o mostra os apresentadores e � envolta de tela preta com os dizeres “A facada foi erro nosso”, na parte superior, e “Jos� Dirceu (PT)”, na inferior.

Carlos n�o escreveu diretamente qualquer palavra na publica��o. A resposta de Jos� Dirceu ocorreu no mesmo dia, �s 12h26: “Minha fala � uma lista de fatos imprevis�veis na pol�tica, que poderiam impedir a elei��o do Lula ou do Haddad em 2018. Dentre eles, poss�veis erros nossos e a facada em Bolsonaro. Coisas diferentes, compondo a mesma listagem de fatos imprevis�veis.” Ele complementa: “S� n�o entender� quem n�o sabe interpretar frases (ou sabe mas distorce de prop�sito)”.

O ex-ministro acrescentou, em nova publica��o:” Bolsonaro est� desesperado. Na falta de um fato novo, para se livrar de debates, seu filho mais parecido tenta girar teorias conspirat�rias baratas. Mas agrade�o a audi�ncia!”

No mesmo dia, a deputada federal Bia Kicis (PL), aliada a Bolsonaro, tamb�m publicou o v�deo. A repercuss�o recente da entrevista de Jos� Dirceu ocorreu depois que Jair Bolsonaro publicou um v�deo no dia 27 de julho deste ano com publica��o que teria sido feita por um site.

O Comprova tentou contato com Jos� Dirceu, diretamente com ele e pelo filho, o deputado federal Zeca Dirceu (PT-PR), mas n�o conseguiu respostas.

 

Desde o atentado sofrido por Bolsonaro em 6 de setembro de 2018, a PF j� abriu dois inqu�ritos para apurar como se deu o crime, especialmente com a tentativa de encontrar o mandante da a��o cometida pelo pedreiro Ad�lio Bispo. O primeiro foi finalizado ainda no fim daquele m�s. Para concluir o relat�rio, foram ouvidas mais de 30 pessoas, e houve quebras de sigilos financeiro, telef�nico e telem�tico do autor. N�o foi encontrado nenhum ind�cio de que Ad�lio tenha agido a mando de outra pessoa ou grupo.

Um novo inqu�rito foi aberto em seguida, diante de diversos questionamentos a respeito da falta de respostas, como quem seria o mandante do crime e quem estaria pagando os advogados de defesa de Ad�lio. A segunda investiga��o tamb�m concluiu que o autor da facada agiu sem a participa��o de “agremia��es partid�rias, fac��es criminosas, grupos terroristas ou mesmo paramilitares em qualquer das fases do crime (cogita��o, prepara��o e execu��o)”.

Ad�lio foi absolvido pela Justi�a do ataque contra Bolsonaro por ser considerado inimput�vel, ou seja, incapaz de responder pelos atos que praticou, em junho de 2019. O juiz Bruno Savino, da 3ª Vara Federal em Juiz de Fora (MG), decidiu ainda que ele deveria ficar internado em um manic�mio judici�rio por tempo indeterminado. Por�m, em raz�o da periculosidade do acusado, Ad�lio continua preso no pres�dio federal de Campo Grande (MS).

Em junho de 2020, o inqu�rito foi arquivado pela Justi�a a pedido do Minist�rio P�blico Federal. “Esgotadas todas as dilig�ncias investigativas – � exce��o da an�lise do conte�do do aparelho de celular do principal advogado de defesa de Ad�lio Bispo de Oliveira, cuja dilig�ncia restou sobrestada por for�a de decis�o liminar proferida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Regi�o, acolho a promo��o de arquivamento apresentada pelo Minist�rio P�blico Federal”, decidiu o magistrado, de acordo com a Ag�ncia Brasil.

Em abril deste ano, a Folha publicou que a PF investiga uma liga��o entre os advogados de defesa de Ad�lio e o Primeiro Comando da Capital (PCC). Os questionamentos come�aram a partir da defesa de Bolsonaro, que tinha a inten��o de saber quem pagou a defesa do autor do atentado. Na �poca, ainda segundo a Folha, os quatro advogados, Fernando Magalh�es, Zanone Oliveira J�nior, Marcelo da Costa e Pedro Possa, afirmaram que aceitaram o caso sem qualquer cobran�a, em busca de notoriedade.

Entre os ind�cios que alimentam essa tese de suposto envolvimento dos advogados com o PCC, est� e identifica��o pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) de pagamentos fracionados de R$ 315 mil, em 2020, � empresa de Magalh�es; este valor � pr�ximo � quantia mencionada por Zanone em depoimento � PF em 2018 como pagamento ao caso. N�o h� indica��o de quem pagou o montante, motivo pelo qual a suspeita ganhou for�a.

Outro ind�cio seria um registro no livro de contabilidade de Zanone com pagamento de R$ 25 mil com a rubrica “caso Ad�lio”. Tamb�m existia um grupo de troca de mensagens de advogados no WeChat com nome “Ad�lio PCC”, encontradas no celular de Zanone.

A investiga��o segue em andamento, tendo sido realizada uma opera��o relacionada ao caso em mar�o deste ano. No entanto, conforme publica��o da Folha, a linha de investiga��o, de uma poss�vel liga��o entre os advogados e o PCC, � alvo de questionamentos da Diretoria de Intelig�ncia da corpora��o, onde o caso est� alocado. Uma das inconsist�ncias � que os pagamentos sob suspeita foram realizados dois anos ap�s o atentado.

O que diz o respons�vel pela publica��o: O respons�vel pelo v�deo que circula na p�gina do Facebook “O Poder � o Povo” n�o respondeu aos questionamentos enviados pelo Comprova at� a conclus�o dessa verifica��o.

O que podemos aprender com esta verifica��o: O uso de frases fora do contexto e retiradas de um v�deo mais longo, os chamados cortes, � comum entre pessoas que publicam desinforma��o. Ao se deparar com essa situa��o, pesquise sobre o v�deo original para avaliar o contexto.

Al�m disso, h� o uso de um tema que muitas vezes serve a teorias conspirat�rias, por mais que j� tenha sido elucidado pelas autoridades e partes envolvidas. Ou seja, mesmo que tr�s inqu�ritos policiais sobre o caso envolvendo o atentado a Bolsonaro n�o apontem ou sequer citem o PT ou Dirceu, a desinforma��o se aproveita da ideia de que algo estaria sendo escondido e alimenta a conspira��o.

Nesses casos, busque fontes oficiais sobre a apura��o do caso citado, como os inqu�ritos policiais e processos judiciais e a imprensa profissional.

Por que investigamos: O Comprova monitora conte�dos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre pol�ticas p�blicas e elei��es no �mbito federal e abre investiga��es para aquelas publica��es que obtiveram maior alcance e engajamento. Voc� tamb�m pode sugerir verifica��es pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O assunto j� tinha sido investigado pelo Estad�o Verifica em 2022, quando outro usu�rio republicou o v�deo. A Folha trouxe o contexto da fala do petista em mat�ria quando o ex-presidente Jair Bolsonaro compartilhou o v�deo nas redes sociais este ano. No ano passado, o Projeto Comprova realizou um Comprova Explica sobre o caso.

Jos� Dirceu j� teve outras supostas falas investigadas e desmentidas, como que incitaria ‘ca�a dos fascistas de direita’ do Brasil, e v�deo que mostraria encontro entre ele e ministros do STF. A Lupa tamb�m apurou ï¿½udio com a acusa��o de que funcion�rios da Petrobras supostamente ligados ao ex-ministro estariam passando informa��es para governadores sobre os pre�os dos combust�veis. A informa��o foi considerada falsa.