
Poderia ser um roteiro de fic��o: um hacker, cuja atua��o ajudou a libertar da pris�o um ex-presidente e pode levar outro para a cadeia. Mas � a mais pura realidade e o personagem atende pelo nome de Walter Delgatti Neto, de 34 anos, conhecido como o “hacker de Araraquara”, munic�pio de m�dio porte do interior paulista, conhecida internacionalmente por uma confer�ncia feita em 1960 pelo fil�sofo franc�s Jean Paul Sartre, que esteve acompanhado pela mulher, a tamb�m fil�sofa Simone de Beauvoir. Conhecido na cidade, sua terra natal, pelo apelido de Vermelho, n�o por quest�o ideol�gica, mas em fun��o da cor dos cabelos e da barba, tonalidade hoje praticamente impercept�vel, j� que eles foram cortados no pres�dio onde Delgatti est� desde 2 de agosto, quando foi preso pela segunda vez pela Pol�cia Federal.
Mas quem � essa figura incendi�ria, o “hacker da Lava-Jato” ou o “homem bomba” do governo Bolsonaro, como Delgatti � chamados nas redes sociais? Pouco se sabe sobre a vida privada de Delgatti, mas sua folha corrida revela que o programador sempre teve vida atribulada, com passagem pela pol�cia por apreens�o de psicotr�picos, falsifica��o de documentos e acusa��o de estelionato e outra, em 2015, de estupro, posteriormente retirada pela v�tima.
Delgatti herdou o nome do av� paterno, Valter Delgatti, casado com Ot�lia Gomes Delgatti, de 86 anos. Vi�va, foi ela a respons�vel pela sua cria��o e do seu irm�o, Wisllen Francisco Delgatti, quatro anos mais jovem que o hacker, desde quando a m�e, deles, Silvana Aparecida Francisco Delgatti, separou-se do pai, Valter Delgatti J�nior, falecido.
ENTORPECENTES
J� morando sozinho, ainda em Araraquara, come�aram, em 2013, os problemas do hacker com a Justi�a. Ele foi condenado em segunda inst�ncia por causar preju�zos de cerca de R$ 600 mil a uma institui��o financeira, acusado de desbloquear cart�es banc�rios desviados, mas o crime prescreveu. Na outra, de 2015, foi condenado por adquirir produtos com um cart�o de cr�dito furtado. Nesse mesmo ano, foi tamb�m acusado de estupro pela ent�o namorada do irm�o, que posteriormente mudou o depoimento e desmentiu sua pr�pria den�ncia.
Mas durante uma opera��o de busca e apreens�o no apartamento de Delgatti, em fun��o das suspeitas que reca�am sobre ele por esses problemas com a Justi�a, a pol�cia apreendeu em sua resid�ncia 247 comprimidos de psicotr�picos, resmas de papel azul, guilhotina, receitas em nome de terceiros e uma carteira falsa de estudante de medicina.
Por causa dessa apreens�o, o promotor do Minist�rio P�blico de Araraquara, Marcel Zanin Bombardi, o indiciou por tr�fico de drogas e falsifica��o de documentos. As acusa��es de estelionato ainda s�o alvo de recursos. Na de tr�fico, ele foi inocentado, em 2018, mas foi condenado a dois anos de regime semi-aberto, com direito a recorrer da senten�a em liberdade, por falsifica��o de documentos p�blicos.
CONTATOS DA LAVA-JATO
Tentando achar algo contra o promotor que o denunciou, Delgatti contou em depoimento � Pol�cia Federal, que invadiu o celular de Zanin, o que o levou aos contatos de outros integrantes do Minist�rio P�blico, dando origem ao hackeamento das conversas dos integrantes da Lava-Jato, posteriormente vazadas por Delgatti e publicadas, em junho de 2019, pelo portal de not�cias The Intercept. Essas conversas contribu�ram para a soltura de Lula pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – que anulou as senten�as da Lava-Jato por considerar a Justi�a Federal de Curitiba incompetente para julgar os processos do petista – e a pris�o de Delgatti, posto em liberdade em setembro do ano seguinte para responder pelo grampo contra autoridades.
“Se eu tivesse foco na Lava Jato, teria conseguido antes. A Lava-Jato � o �ltimo lugar em que imaginei que encontraria irregularidades”, disse Delgatti em entrevista ap�s invadir as mensagens dos integrantes da opera��o. Nesse meio tempo, o hacker, j� famoso nacionalmente pelo grampo, se envolveu com a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), que intermediou um encontro de Jair Bolsonaro com ele. Eles s�o suspeitos de uma suposta invas�o ao sistema do Conselho Nacional de Justi�a para incluir documentos falsos, entre eles um mandado de pris�o contra o ministro do STF Alexandre de Moraes e tamb�m de tentativas de fraudar as urnas eletr�nicas com um falso c�digo-fonte.
O programador, que invadiu os celulares de integrantes da Lava-Jato, dando in�cio a investiga��es que apontaram a parcialidade da opera��o e garantiram a soltura de Luiz In�cio Lula da Silva, hoje novamente presidente da Rep�blica, prestou o depoimento mais pol�mico da Comiss�o Parlamentar Mista de Inqu�rito (CPMI) dos atos golpistas at� agora. Ele fez graves acusa��es ao ex-presidente Jair Bolsonaro, que podem contribuir para que o ex-mandat�rio da Rep�blica seja preso. Segundo o hacker, Bolsonaro queria que ele forjasse a invas�o de uma urna eletr�nica com um c�digo-fonte falso para desacreditar o pleito e assumisse tamb�m a autoria de um suposto grampo no celular do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Ele disse tamb�m no depoimento que Bolsonaro prometeu conceder indulto caso fosse preso. A deputada e Bolsonaro negam todas as acusa��es feitas por Delgatti em depoimento � Pol�cia Federal e � CPMI. O ex-presidente disse que vai processar Delgatti por cal�nia e difama��o.
FILHO
A vida mirabolante de Walter Delgatti Neto tem ainda muitos outros cap�tulos. Depois de ficar nacionalmente conhecido pelo suposto grampo no celular do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, uma jovem com quem Delgatti se relacionou o reconheceu em uma reportagem e entrou com pedido de DNA para comprovar a paternidade de uma menina, hoje com cerca de 4 anos, que ela dizia ser filha do hacker, fato comprovado pelo exame. A reportagem tentou contato com o advogado de Delgatti, Ariovaldo Moreira, e com seu irm�o, mas nenhum deles respondeu aos pedidos de entrevista.