Tu�te engana ao responsabilizar governo por importa��o de latic�nios

Conte�do investigado: Publica��o utiliza v�deo de pecuarista que trabalha com produ��o de leite, em que ela fala sobre aumento da importa��o do produto nos �ltimos 12 meses, como forma de culpar o governo federal pela crise e fal�ncia de produtores do mercado de leite. 

Onde foi publicado: Telegram e X (antigo Twitter).

Conclus�o do Comprova: � enganoso post que responsabiliza o governo brasileiro pela compra de produtos l�cteos de pa�ses como Argentina, Uruguai e Nova Zel�ndia com o objetivo de prejudicar produtores brasileiros. As transa��es de leite e seus derivados com pa�ses estrangeiros s�o realizadas por empresas privadas para abastecer o setor, como explicou a Confedera��o da Agricultura e Pecu�ria do Brasil (CNA). A entidade � composta por federa��es e sindicatos do setor produtivo de todo o pa�s.

A ind�stria l�ctea brasileira importou no primeiro semestre deste ano quase 116 mil toneladas de leite, creme de leite e l�cteos (com exce��o de manteiga e queijo). A quantidade � 238% maior do que a registrada no mesmo per�odo de 2022 – aproximadamente 34 mil toneladas, segundo os dados da plataforma Comex Stat, mantida pelo Minist�rio do Desenvolvimento, Ind�stria, Com�rcio e Servi�os (MDIC). Os maiores comerciantes dos produtos s�o Argentina e Uruguai, que, juntos, somam mais de 100 mil toneladas.

Os dados mostram tamb�m o aumento do fluxo de importa��o entre os pa�ses: houve um salto de 466% nas transa��es com a Argentina, saindo de 9 mil toneladas para 51 mil toneladas, no comparativo entre os seis primeiros meses de 2022 e 2023. Com o Uruguai, h� o registro de um aumento de 150%. A varia��o na importa��o depende de aspectos como pre�o m�dio pago por litro e as condi��es de produ��o. A baixa disponibilidade da mat�ria-prima no campo, impactada por altera��es clim�ticas, a varia��o do real frente ao d�lar e a competitividade dos produtos estrangeiros frente aos nacionais s�o alguns dos fatores que influenciam na importa��o do leite, bem como o pre�o a que � comercializado.

Enganoso, para o Comprova, � o conte�do retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra altera��es; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpreta��o diferente da inten��o de seu autor; conte�do que confunde, com ou sem a inten��o deliberada de causar dano.

Alcance da publica��o: O Comprova investiga os conte�dos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No X (antigo Twitter), foram 169 mil visualiza��es, 7,5 mil curtidas e 2,5 mil retu�tes. J� no Telegram foram 7,5 mil visualiza��es. O mesmo v�deo foi encontrado no Facebook, YouTube e TikTok, mas sem o texto que responsabiliza o governo brasileiro pela importa��o.

Como verificamos: O primeiro passo foi procurar por not�cias sobre o aumento da importa��o de leite. Para isso, termos como “aumento importa��o leite Brasil” e “Brasil importa��o leite Argentina” foram consultados no Google.

A consulta aos dados foi feita na plataforma Comex Stat, alimentada pelo MDIC, usando a Classifica��o Uniforme para Com�rcio Internacional (CUCI) do leite e derivados, com exce��o da manteiga e queijo. Tamb�m procuramos institui��es ligadas � produ��o de leite, como a CNA.

Por fim, tentamos contato com o respons�vel pela publica��o, mas n�o houve retorno at� o fechamento desta checagem.

 

N�o � novidade a crise que pecuaristas que trabalham com produ��o de leite enfrentam no Brasil. H� mais de um fator respons�vel por elevar os custos de produ��o e de comercializa��o do produto. Um dos mais recentes � a estiagem, que afetou algumas localidades do pa�s durante temporadas de queda nas temperaturas, a exemplo do que enfrentam estados como Rio Grande do Sul e Esp�rito Santo.

Conforme o governo do Estado do Rio Grande do Sul, os processos causaram “grande impacto na produ��o leiteira”. Esses fatores ocasionaram baixa condi��o corporal das vacas em lacta��o por m� qualidade ou falta de pastagens e falta de �gua dispon�vel ou perdas nas safras de gr�os destinados � nutri��o dos animais. � o que aponta o Comunicado Agrometeorol�gico 51 – Especial Biometeorol�gico Ver�o 2022-2023, editado pelo Departamento de Diagn�stico e Pesquisa Agropecu�ria da Secretaria Estadual da Agricultura, Pecu�ria, Produ��o Sustent�vel e Irriga��o (Seapi).

Outro fator � o elevado custo de produ��o. Em fun��o disso, apenas em Mato Grosso do Sul, entre 2011 e 2021, a produ��o do leite caiu 41,13%. Consequentemente, o pre�o pago aos produtores que persistem sobe, em raz�o da lei da oferta e demanda, conforme explicou a consultora t�cnica da Federa��o de Agricultura e Pecu�ria de Mato Grosso do Sul (Famasul), Eliamar Oliveira, ainda em fevereiro de 2023. “A principal raz�o para a valoriza��o no pre�o do leite � a oferta restrita. N�o houve aumento de produ��o e isso limitou a capta��o.”

Em 16 de agosto de 2023, a CNA criticou a concorr�ncia desleal no setor l�cteo no pa�s em debate na C�mara dos Deputados. A entidade pediu ajuda principalmente em rela��o � importa��o do leite em p�. O evento, organizado pela Frente Parlamentar em Apoio ao Produtor de Leite (FPPL), reuniu milhares de participantes, entre parlamentares, representantes do governo federal, lideran�as do setor rural e produtores de todo o pa�s.

Representantes do setor explicam que nunca houve “um momento t�o dif�cil, com um volume t�o grande de importa��o que atinge gravemente pequenos, m�dios e grandes produtores. Sofremos uma competi��o desleal e desnecess�ria que desestrutura o setor l�cteo”, ressaltou o presidente da Comiss�o Nacional de Pecu�ria de Leite da CNA, Ronei Volpi, durante o evento.

 

A ind�stria l�ctea brasileira importou no primeiro semestre deste ano quase 116 mil toneladas de leite, creme de leite e l�cteos (com exce��o de manteiga e queijo), 238% maior do que o registrado no mesmo per�odo de 2022. Durante todo o 2022, foram importadas 132 mil toneladas do produto, apontando para uma disparada das movimenta��es nestes seis meses iniciais. A diferen�a � de cerca de 16 mil toneladas. Os dados est�o dispon�veis na Comex Stat.

A CNA avalia que o aumento de “mais ou menos 300%”, mencionado pela autora do v�deo, seja exclusivamente relacionado aos leites em p�. Entre janeiro e julho de 2022, esses produtos l�cteos somaram 29,4 mil toneladas, enquanto no mesmo per�odo deste ano acumularam 107 mil toneladas, 266% a mais que no ano passado.

Entre os pa�ses fornecedores, a confedera��o elenca que, em primeiro lugar, figura a Argentina, em segundo, o Uruguai, e o Paraguai em terceiro. Juntos, esses tr�s pa�ses acumulam 98% do volume de leite importado pelo Brasil, em equivalente-litros de leite. A Nova Zel�ndia aparece apenas na s�tima coloca��o, conforme informa��o da entidade.

Em concord�ncia, o Boletim do Leite de agosto deste ano, levantamento mais recente publicado pelo Centro de Estudos Avan�ados em Economia Aplicada (Cepea), da Universidade de S�o Paulo (USP), mostra que a desvaloriza��o do leite no campo, iniciada em maio, “ocorre em conformidade com o movimento de queda observado ao longo de toda a cadeia produtiva, justificada pela combina��o do consumo enfraquecido com a diminui��o dos custos e o aumento das importa��es”.

Segundo o levantamento, mesmo com algumas regi�es registrando um cen�rio positivo na produ��o, como o Sudeste e o Centro-Oeste, menos dependentes de influ�ncias do clima, os pre�os permanecem altos, principalmente em fun��o da demanda e dos valores competitivos de importa��o.

“As importa��es de l�cteos ca�ram em julho, mas ainda permanecem em patamares elevados e com pre�os competitivos frente aos produtos nacionais. Dados da Secex [Secretaria de Com�rcio Exterior] mostram que, em julho, as importa��es ca�ram 12%, mas ainda superaram os 185,6 milh�es de litros”, informa o boletim. Sobretudo, mesmo com o recuo em julho, o volume adquirido aumentou frente ao do mesmo per�odo do ano passado, enquanto o pre�o caiu 6%.

 

Com rela��o ao papel do governo federal diante deste cen�rio, a CNA explicou ao Comprova que as compras referidas no v�deo s�o de responsabilidade de empresas privadas.

O tu�te checado alega que o governo federal procura “quebrar os produtores brasileiros”. Procurado, o Minist�rio do Desenvolvimento, Ind�stria, Com�rcio e Servi�os afirmou ao Comprova que aprovou, no dia 15 de agosto de 2023, por meio do Comit� Executivo de Gest�o (Gecex) da C�mara de Com�rcio exterior (Camex), o aumento do Imposto de Importa��o de 12,8% para 18%, pelo per�odo de um ano, para tr�s produtos l�cteos. Segundo o governo federal, a medida � uma forma de favorecer os produtores nacionais.

Os produtos que receber�o aumento na tarifa s�o: 1) �leo but�rico de manteiga, utilizado como ingrediente em queijos processados, outros produtos l�cteos, molhos e p�es; 2) queijos de pasta mofada (azul) e outros queijos que apresentem veios obtidos utilizando Penicillium roqueforti; 3) e queijos com um teor de umidade igual ou superior a 46% e inferior a 55%, em peso – massa macia.

“Al�m desses itens, o Gecex decidiu anular, no caso de 29 itens de produtos l�cteos, uma decis�o do governo anterior que reduziu unilateralmente a Tarifa Externa Comum (TEC) em 10%, por meio da Resolu��o Gecex nº 353, de 2022. Dessa forma, esses 29 produtos ter�o imposto de importa��o variando de 10,8% a 14,4%. Alguns exemplos dessa lista s�o: iogurte (14,4%); manteiga (14,4%); queijo ralado (14,4%); e doce de leite (14,4%)”, informou a pasta.

O secret�rio executivo do MDIC, M�rcio Elias Rosa, enfatizou que “a expectativa � de que as medidas minimizem os impactos negativos desse segmento t�o essencial para gera��o de emprego e renda em nosso pa�s, com forte presen�a de pequenos produtores de agricultura familiar na quase totalidade dos munic�pios brasileiros”.

O governo prometeu ainda aumentar a fiscaliza��o do leite que entra de outros pa�ses, ap�s den�ncias sobre a pr�tica de reidratar o leite em p� importado, o que � proibido. O ministro da Agricultura e Pecu�ria, Carlos F�varo (PSD), disse que o Mapa est� intensificando a fiscaliza��o sobre a hidrata��o de leite em p�, que � proibida. “N�s vamos coibir de forma rigorosa. Estamos atentos tamb�m � entrada de produtos fora de conformidade nas nossas fronteiras”. Segundo o ministro, o governo trabalha para minimizar os impactos da importa��o de leite do Mercosul, que est� tirando a competitividade e a rentabilidade dos produtores.

O que diz o respons�vel pela publica��o: O Comprova entrou em contato com o respons�vel por veicular o v�deo da pecuarista, mas n�o houve retorno. Tamb�m procuramos pela autora do v�deo, mas n�o encontramos seu perfil nem demais informa��es.

O que podemos aprender com esta verifica��o: Nesta pe�a de desinforma��o, podemos concluir que o respons�vel por veicular o material distorce a mensagem do v�deo a partir da legenda, alterando o teor da cr�tica feita pela pecuarista. Um dos primeiros pontos que mostram a falta de credibilidade da postagem � a falta de refer�ncia � autora do v�deo. Desse modo, sequer � poss�vel encontrar a postagem original ou solicitar informa��es sobre o assunto abordado. Uma forma de se precaver deste tipo de material enganoso � observar a incoer�ncia, como a que vemos entre a legenda e o v�deo. Tamb�m pode-se procurar pelo assunto em ve�culos de comunica��o jornal�sticos.

Por que investigamos: O Comprova monitora conte�dos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre pol�ticas p�blicas e elei��es no �mbito federal e abre investiga��es para aquelas publica��es que obtiveram maior alcance e engajamento. Voc� tamb�m pode sugerir verifica��es pelo WhatsApp 55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Estad�o j� fez verifica��es sobre assuntos relacionados ao leite, a exemplo da checagem que desmente v�deo que dizia mostrar a produ��o de leite no Brasil, mas que era de fato na Coreia. Em outra verifica��o, mostrou-se que ï¿½ falso que leite de caixinha tenha subst�ncias t�xicas para se manter conservado na embalagem.

Importa��es e exporta��es s�o temas presentes em conte�dos de desinforma��o e j� foram verificados pelo Comprova. Recentemente, o projeto mostrou que postagem engana ao relacionar apag�o a decreto para compra de energia na Venezuela e que imposto para taxar compras em sites internacionais como Shein e Shopee existe desde 1999.