Uma das primeiras vacinas a ser dada a uma crian�a que nasce no Brasil, a BCG passar� a ter fornecimento diminu�do nos pr�ximos meses devido a problemas que o Minist�rio da Sa�de tem tido para obter as doses do imunizante, que previne a tuberculose.
No final de abril, o Minist�rio da Sa�de disparou para as secretarias estaduais uma circular afirmando que, "dada a disponibilidade limitada da vacina BCG no estoque nacional em raz�o de dificuldades na aquisi��o deste imunobiol�gico", o envio pelo minist�rio diminuir� de 1,2 milh�o de doses por m�s (m�dia de janeiro a mar�o de 2022) para 500 mil doses mensais nos pr�ximos sete meses.
No documento, o minist�rio pediu para os Estados "otimizarem e fazerem uso racional desta vacina por este per�odo" at� que "a situa��o do estoque nacional da vacina BCG seja regularizada". Idealmente, o imunizante deve ser aplicado ainda na maternidade no m�ximo, at� o fim do primeiro m�s de vida.
A BBC News Brasil enviou e-mail a todas as secretarias estaduais do pa�s perguntando sobre a disponibilidade da vacina BCG. Das 17 que responderam, todas afirmaram que atualmente n�o h� falta de doses, mas algumas mencionaram estarem se readequando para os pr�ximos sete meses, em que o envio pelo minist�rio ser� reduzido.
As secretarias de Mato Grosso, Paran�, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Santa Catarina afirmaram que enviaram aos munic�pios a orienta��o para que controlem o uso dos frascos, para que n�o haja desperd�cio; e para que passem a oferecer a vacina��o somente em locais selecionados, em alguns casos com agendamento.
A cidade de Cachoeira do Sul, no Rio Grande do Sul, j� anunciou para a popula��o mudan�a no esquema de vacina��o. At� o aviso do Minist�rio da Sa�de, o munic�pio aplicava a vacina em 10 unidades de sa�de espalhadas pela cidade. Agora, ela � dada em apenas tr�s postos e com agendamento.
"Na �ltima remessa de vacinas n�o recebemos nenhuma dose de BCG", diz Marcelo Figueir�, secret�rio de Sa�de de Cachoeira do Sul.
Segundo ele, um lote de BCG chegava � cidade com 20 doses.
"Muitas vezes, voc� precisa abrir um lote inteiro para dar poucas vacinas. Aquelas que sobram precisam ser descartadas depois de seis horas da abertura. Ent�o, estamos tentando racionalizar e ter um melhor controle sobre esse uso para que a gente perca o m�nimo de doses poss�veis, j� que nos pr�ximos meses pode faltar vacina", diz.
Este � mais um cap�tulo dos problemas no fornecimento desta vacina nos anos recentes. Em 2019, a BBC News Brasil mostrou que 12 Estados precisaram racionar o imunizante para garantir a vacina��o e que a Onco BCG, imunoterapia feita com a mesma base da BCG mas usada para tratamento do c�ncer de bexiga, estava em falta no pa�s.
Desde 2016, a �nica f�brica nacional que produz a BCG e a Onco BCG, pertencente � Funda��o Atalpho de Paiva (FAP), no Rio de Janeiro (RJ), passou por sucessivas interdi��es da Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria (Anvisa) e, a partir da�, o fornecimento da vacina no pa�s passou a ficar intermitente.
A assessoria de imprensa da Anvisa informou � BBC News Brasil que a f�brica, no bairro de S�o Crist�v�o, segue interditada. Enquanto isso, uma nova f�brica da funda��o em Duque de Caxias (RJ), em constru��o desde 1989, ainda n�o foi inaugurada (leia mais abaixo).
O Minist�rio P�blico do Rio de Janeiro (MP-RJ) abriu um inqu�rito em fevereiro para investigar poss�veis irregularidades na gest�o da funda��o.
Um laudo da Anvisa que levou � interdi��o em 2016, obtido pela BBC News Brasil via Lei de Acesso � Informa��o, afirmou que "a fabrica��o dos produtos Vacina BCG e Imuno BCG [a marca da Onco BCG feita pela institui��o] pela Funda��o Ataulpho de Paiva na f�brica localizada em S�o Crist�v�o (Rio de Janeiro - RJ) apresenta risco � sa�de da popula��o brasileira". Foram constatadas "4 n�o conformidades cr�ticas" o que significa um "desacordo com os atributos cr�ticos" do produto ou algo que "possa apresentar risco latente ou imediato � sa�de".
Segundo e-mail enviado pela Anvisa � reportagem no �ltimo dia 16, "a f�brica da Funda��o Athaulpho de Paiva (FAP) localizada no bairro de S�o Crist�v�o (RJ) se encontra paralisada pela empresa para a realiza��o de ajustes e corre��es decorrentes da �ltima inspe��o sanit�ria".
"A fabrica��o n�o pode ser retomada at� que os ajustes necess�rios sejam conclu�dos e, novamente, a f�brica seja inspecionada para se verificar a efetividade das corre��es", continua.
Desde que os problemas com a produtora nacional come�aram, o Brasil tem obtido doses de BCG com o Fundo Rotat�rio da Organiza��o Pan-Americana da Sa�de (Opas), bra�o regional da Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS). O fundo fornece vacinas e insumos, como seringas, a governos locais e nacionais que n�o t�m produ��o nacional dispon�vel.
O Minist�rio da Sa�de n�o respondeu exatamente por que haver� redu��o no quantitativo nos pr�ximos sete meses e se houve algum problema com o fornecimento atrav�s do Fundo Rotat�rio.
Em nota, a pasta escreveu: "Essa readequa��o se refere a toda tramita��o do processo de aquisi��o, que envolve a compra propriamente, o desembara�o alfandeg�rio e autoriza��o pela Anvisa para a entrada do produto no pa�s, o qual, posteriormente, � enviado para an�lise do controle de qualidade do INCQS antes de ser distribu�do para as salas de vacina."
Funda��o nacional � investigada
Nos anos 1980, a Funda��o Ataulpho de Paiva (FAP) foi uma das institui��es que receberam investimentos por meio do Programa de Autossufici�ncia Nacional em Imunobiol�gicos (Pasni) que visava justamente garantir uma produ��o nacional, sem que o pa�s precisasse passar por todos os tr�mites aos quais est� sendo submetido agora na importa��o. Nascida em 1900, a FAP � uma entidade privada, sem fins lucrativos e filantr�pica.
Quando o funcionamento da f�brica da FAP em S�o Crist�v�o estava regular, as vacinas BCG eram compradas pelo governo federal atrav�s da modalidade "inexigibilidade de licita��o", uma vez que esta era a �nica produtora no pa�s do imunizante. Em uma proposta de conv�nio com o Minist�rio da Sa�de, de 2016, a institui��o defendeu que "tornou o Brasil sempre autossuficiente na produ��o da Vacina BCG, nunca tendo havido a necessidade de importa��o deste produto".
Em 1989, a FAP iniciou a constru��o de uma nova f�brica em Xer�m, Duque de Caxias (RJ). Segundo o site da funda��o, a nova unidade tem com objetivo produzir a BCG de forma a "suprir a demanda nacional e parte da internacional, uma vez que a institui��o recebe consulta de v�rios pa�ses." Mas, 33 anos depois, a f�brica ainda n�o est� cumprindo seu objetivo. A Anvisa afirmou � reportagem que a unidade em Xer�m ainda n�o tem autoriza��o para fabricar vacinas porque n�o recebeu pedido da funda��o para realizar a inspe��o, o que pode ocorrer apenas ap�s a conclus�o das obras.
Procurada, a FAP afirmou, por meio do seu presidente, Germano Gerhartdt Filho, que a f�brica "j� iniciou sua opera��o, nas �reas e atividades de armazenamento, embalagem e venda de produtos" e que est� em "processo de regulariza��o perante a Anvisa" para "dar continuidade � comercializa��o e fornecimento de BCG e Onco BCG". Ou seja, a f�brica est� produzindo outros itens mas ainda n�o fabrica as vacinas.
A BBC News Brasil publicou em 2020 uma reportagem sobre os imbr�glios envolvendo a constru��o da nova f�brica. Na �poca, a funda��o afirmou que a unidade seria inaugurada em 12 meses e atribuiu a demora � necessidade de readequa��o da estrutura a novas normas regulat�rias da Anvisa.
Por meio da Lei de Acesso � Informa��o (LAI) e consultas ao Portal da Transpar�ncia, a BBC News Brasil identificou conv�nios do Minist�rio da Sa�de com a entidade destinados especificamente � nova f�brica em Xer�m que somaram R$ 41,9 milh�es em verbas, dos quais mais ou menos metade (46,5%) haviam sido liberados.
Na realidade, esse montante � possivelmente maior, j� que n�o foi poss�vel localizar informa��es sobre gastos com o projeto desde os anos 1980 s� a partir de 2012. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econ�mico e Social (BNDES) emprestou ainda R$ 5,9 milh�es � funda��o por meio de um programa do Minist�rio da Sa�de que visava desenvolver e modernizar o parque industrial brasileiro na �rea da sa�de.
Em fevereiro deste ano, o MP-RJ abriu um inqu�rito civil para "investigar poss�veis irregularidades na gest�o da Funda��o Ataulpho de Paiva e supostas condutas ilegais praticadas pelos membros de sua diretoria" a partir de uma den�ncia encaminhada � ouvidoria do �rg�o, segundo seu di�rio oficial.
Em nota enviada � reportagem, o presidente da FAP afirmou que "houve falsa acusa��o de irregularidade na gest�o da entidade, promovida por um ex-funcion�rio, com n�tido interesse de chantagear a funda��o, na v� esperan�a de que faremos um acordo em a��o trabalhista por ele movida".
"Prestamos todas as informa��es e continuaremos � disposi��o do Minist�rio P�blico, para evitar qualquer suspeita sobre esta centen�ria e importante institui��o para o pa�s", escreveu Gerhartdt Filho, acrescentando que "n�o condizem com a verdade as acusa��es de irregularidade administrativas".
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