Nas cl�nicas de est�tica, profissionais se queixam das vezes em que seu trabalho � posto � prova por quest�es f�sicas
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Recentemente, a empres�ria do ramo da est�tica Marina Machado recebeu uma s�rie de ataques envolvendo seu corpo e seu trabalho de consultoria em marketing para pessoas que tamb�m vendem est�tica. Ela e muitas de suas alunas relatam que, regularmente, encontram dificuldades ao realizar seu of�cio por ter corpos dissidentes, fora do padr�o imposto pela sociedade – magro, esguio e sem marcas.
Ao promover o an�ncio de um de seus cursos on-line em seu perfil nas redes sociais (Divando na Est�tica), o conte�do de Marina acabou chegando a uma rede de perfis falsos, que conduziram uma onda de ataques gordof�bicos. O ataque afetou n�o apenas sua autoestima, mas tamb�m seu trabalho, que opera principalmente na internet.
“Chegaram coment�rios como: ‘Dona de cl�nica de est�tica gorda? Nunca vi uma coisa dessas’. Tive problemas que n�o s�o s� de fundo emocional. Foram tantos xingamentos nos meus an�ncios que o Facebook chegou a bloquear a minha conta por quatro dias”, afirma.
Com o choque, a empres�ria passou a questionar seus seguidores sobre a tem�tica, e se surpreendeu com a quantidade – e diversidade – de relatos de casos semelhantes ao seu. Do aumento de peso por conta do uso de antidepressivos a casos cr�nicos de vitiligo ou melasma, muitas de suas alunas relataram dificuldades – e at� chegaram a desistir do ramo – por seus corpos n�o serem a “vitrine ideal” de seus trabalhos.
CONSUMO
Desde o in�cio do s�culo 21, ideais capitalistas e neoliberais t�m tomado forma cada vez mais consistente, transformando quase tudo em mercadoria. Os corpos n�o escaparam dessa din�mica, que, no Brasil, comp�e um dos mercados mais rent�veis e que mais cresceram nos �ltimos anos: o da est�tica.
Relat�rio da Euromonitor revelou que o pa�s � o quarto maior mercado desse setor no mundo, ficando atr�s apenas dos EUA, da China e do Jap�o. At� mesmo durante a pandemia, o segmento conseguiu se manter ativo e crescente, com aumento de 54% na demanda pela categoria de servi�os de beleza em 2020, segundo levantamento da GetNinjas.
No entanto, com discursos que refor�am progressivamente o car�ter material dos corpos, a rela��o entre trabalho, corpo e mercadoria criou um cen�rio em que os pr�prios profissionais da est�tica se tornaram um produto de seu neg�cio. “Est�tica � sa�de emocional e f�sica. Estudamos muito para conseguir gerar resultados reais, mas o mercado est� adoecido e exige um corpo perfeito, sem respeitar as belezas reais”, explica Marina.
Estudo publicado pela revista Nature em 2013 revelou que prestadores de servi�o com sobrepeso ou obesos podem ser alvos de maiores desconfian�as, al�m de ter menos credibilidade com seus pacientes, que se sentem menos inclinados a seguir seus conselhos.
Preconceito na est�tica
Marina explica que h� preconceito mesmo em casos que envolvem a sa�de dos profissionais. Ela tem prolactinoma, um tipo de tumor benigno localizado na hip�fise, que exige um tipo de medica��o respons�vel por reter l�quidos, deixando-a inchada. Ela conta que, quando gravou o v�deo do an�ncio, tinha tomado esse rem�dio.
“Se voc� me ver, vai perceber que eu n�o estou fora de um padr�o ‘normal’, e mesmo assim fui julgada. Naquele dia [da grava��o], o ser gorda, ou o n�o ser gorda, no meu caso, era uma quest�o de sa�de, e n�o porque n�o estudei para entregar um resultado diferente”, relata.
Quando os coment�rios em seu v�deo estouraram, a empres�ria abriu uma caixa de perguntas em seus stories do Instagram para que seus seguidores pudessem compartilhar experi�ncias semelhantes � dela e expor a situa��o sem que fossem identificadas. “Cheguei a receber um relato de uma menina com vitiligo que n�o conseguia trabalhar com est�tica, por exemplo, na �rea facial, de manchas. Ela tem uma doen�a, n�o � desleixo ou descuidado”, relata Marina.
SERVIR DE EXEMPLO
“Eu engordei 11 quilos em seis meses por causa de medicamentos, e me falaram que preciso emagrecer porque tenho que ser exemplo [para minhas clientes], ou que devo parar com o rem�dio que uso para tratar depress�o e ansiedade para n�o engordar mais”, afirmou uma seguidora.
“Sou plus size e estou na est�tica h� 11 anos. Infelizmente, as pessoas julgam meu corpo, esquecem-se da minha capacidade profissional. Se eu quiser mudar, sei todos os caminhos, mas no momento me sinto bem assim, ent�o tenho que desconstruir isso todos os dias. Meu conhecimento est� no meu c�rebro, n�o no corpo que as pessoas idealizaram para mim. Obesidade � cr�nico, n�o � escolha. � dif�cil e n�o se trata s� de ‘vergonha na cara’”, respondeu outra aluna de Marina.
Vender belezas reais
Marina tamb�m relata casos de profissionais que fecharam suas cl�nicas porque se julgavam ‘acima do peso’ e n�o tinham coragem de vender tratamento est�tico corporal. “Como vou vender uma barriga zero, se eu n�o tenho barriga zero?”, questionavam suas alunas.
A consultora Marina Machado atua na �rea de est�tica e foi v�tima de ataques gordof�bicos depois que divulgou um curso on-line nas redes sociais
Marina Machado
A empres�ria explica que cada pessoa tem um bi�tipo espec�fico, e que profissionais da est�tica estudam para que se atinja o maior potencial poss�vel de cada um. “�s vezes, eu j� tive um filho e precisei at� de uma cirurgia, mas a� j� n�o � mais o caso de um tratamento est�tico de cl�nica, e sim, cir�rgico”, diz ela.
“Essas profissionais estudaram, fizeram faculdade, p�s-gradua��o, se dedicaram, investiram em aparelhos, em t�cnicas, mas n�o conseguem vender por conta da press�o do mercado”, completa.
Para Marina, al�m da press�o est�tica que parte da sociedade e do mercado, a presen�a de cl�nicas no dia a dia das pessoas tamb�m � um fator que pode interferir na autoestima. “Em toda esquina, nos shoppings, voc� vai ver uma cl�nica que vai pregar o corpo perfeito. E voc� n�o trabalha com a beleza real, voc� trabalha com a beleza intang�vel”, comenta.
“J� at� falei com minhas alunas: ‘Gente, o banner que voc�s t�m a�, com mulheres perfeitas, tira isso e come�a a contar hist�rias reais de corpos reais’. Isso, sim, vai ajudar as pessoas a conquistarem a melhor vers�o delas mesmas, e n�o a vers�o da artista da capa de revista”, afirma.
A empres�ria recomenda vender o real para um futuro mais saud�vel e refor�a o sentimento de frustra��o que a m�dia da est�tica perfeita causa. “Se voc� vai vender est�tica, venda uma est�tica real, n�o venda uma mentira; um p�ster de uma mulher com uma barriga que � [feita com] Photoshop ou ent�o o rosto perfeito do Instagram. Isso acaba gerando nas pessoas que s�o consumidoras de est�tica uma busca por uma perfei��o inexistente. Cada vez mais, as mulheres reais estar�o frustradas com o pr�prio corpo e com nossos tratamentos”, pontua.
*Estagi�ria sob a supervis�o de M�rcia Maria Cruz
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