Etiene Martins

Etiene Martins, jornalista e doutoranda em comunica��o e cultura pela UFRJ

Leandro Couri/EM/D.A Press


A jornalista Etiene Martins, doutoranda em comunica��o e cultura pela UFRJ e colunista de diversidade do Estado de Minas, diz que sua rela��o com o cabelo na inf�ncia faz parte de sua mem�ria afetiva. Ela se lembra que a m�e colocava as duas filhas sentadas entre as pernas dela e tran�ava o cabelo das duas. “Todo dia era um penteado diferente. �s vezes, ela puxava para poder desembara�ar, do�a um pouco, mas nada que um carinho n�o resolvesse.”
 
Quando Etiene tinha 6 anos, a m�e a arrumou toda para que ela fosse fotografada pelo Studio Sonora, mania nos anos 1990. “Ela passou um pente quente de ferro no meu cabelo, o cabo era de madeira. A�, ela passava esse pente no fogo e, depois, no cabelo para alisar. Fedia cabelo queimado, esquentava a cabe�a e queimava o couro cabeludo. Qualquer deslize que a pessoa tivesse, queimava a testa ou a orelha. Era um verdadeiro instrumento de tortura para eu me adequar a um padr�o de beleza aceito socialmente.”
 

"Conheci v�rias pessoas do movimento negro, inclusive as mulheres pretas que usavam o cabelo natural. Fiquei boquiaberta, admirada, vendo quanto o cabelo crespo era bonito"

Etiene Martins, jornalista e doutoranda em comunica��o e cultura pela UFRJ

 
 
� �poca, a jornalista se lembra do estere�tipo das apresentadoras dos programas de televis�o. “Eram todas loiras. O protagonismo dos desenhos e dos contos de fadas era sempre a partir de uma corporeidade branca. Na maior parte das vezes, o cabelo que se usava era liso, loiro, assim como a Xuxa, as paquitas. Aos poucos, a gente aprendeu que o belo, o bonito perpassava pela corporeidade branca.
 
Na inf�ncia, ela morava no Bairro General Carneiro, na periferia de Sabar�, em uma regi�o conhecida como Vila dos Pretos. Al�m de duas guardas de congado, o local tem uma popula��o preta muito forte. “Nesse sentido, eu n�o conseguia perceber o racismo, nem quando era pequena, nem na pr�-adolesc�ncia.”
 
Mas na adolesc�ncia, Etiene come�ou a pedir � m�e para usar qu�mica e fazer “permanente afro”. O objetivo era ter mais cachos. “Meu cabelo � crespo e ca� na ditadura do cacho perfeito, num processo para ser aceita. As mulheres faziam escova, mas eu nunca gostei. Fiquei usando qu�mica � base de am�nia e soda para tentar buscar uma corporeidade que n�o era a minha”, comenta.

“Na faculdade, eu tamb�m gostaria de ser aceita. A�, comecei a alisar, a fazer escova e tamb�m comprei um mega hair. O processo exigia amarrar parte por parte dos fios para ter um cabelo alisado e grande.” Mas Etiene diz que ficava insegura. “Eu tinha medo de as pessoas perceberem que aquele cabelo n�o estava no lugar certinho. Era de muita baixa autoestima, para tentar me enquadrar naquele espa�o.”

REVIRAVOLTA

A grande “virada de chave” na vida da jornalista ocorreu ainda na universidade, quando ela come�ou a trabalhar na revista Ra�a Brasil. “Conheci v�rias pessoas do movimento negro, inclusive as mulheres pretas que usavam o cabelo natural.  Fiquei boquiaberta, admirada, vendo quanto o cabelo crespo era bonito.”
 
Al�m disso, ela come�ou a ler sobre o assunto e o livro “Sem perder a raiz”, da professora Nilma Lino Gomes, da UFMG. “Foi �timo porque percebi as in�meras possibilidades do cabelo crespo. Podemos usar dread, curto, longo, tran�ado.

Comecei a entender que aquele cabelo alisado n�o fazia mais parte de mim. Fui olhando para aquele cabelo alisado e ele come�ou a me incomodar de tal forma que precisei cortar curto. Na vida adulta, foi a primeira vez que uma amiga tran�ou para mim e, como eu j� tinha perdido minha m�e, me lembrei de que era ela que fazia minhas tran�as, ainda crian�a.”

Em 2014, retirou as tran�as e ficou um tempo com os cabelos soltos. “Descobri que h� diversas formas de utilizar o meu cabelo, sem ter que passar por processos qu�micos, secador, prancha, e por a� vai. Me sinto liberta.”
 

Os cabelos ao longo dos s�culos 

 
Veja algumas curiosidades sobre a hist�ria das madeixas ao longo da civiliza��es:
 
» Por volta do ano 1500 a.C., a civiliza��o eg�pcia sofria com a infesta��o de piolhos nos cabelos. Como solu��o, as cabe�as eram raspadas e os cabelos substitu�dos por perucas, geralmente confeccionadas por cabelos humanos, l� e fibras vegetais. As perucas eram motivo de orgulho, assim como tran�adas e enfeitadas com adornos e j�ias.

» J� na Gr�cia Antiga, as deusas mitol�gicas tinham como caracter�stica marcante os longos e belos cabelos, como � o caso de Afrodite. A deusa da beleza e do amor possu�a longas mechas loiras, que cobriam toda a nudez do seu corpo.

» A deusa Hera “agradava” seu marido Zeus com as longas madeixas. J� a rainha do Egito, Cle�patra, por outro lado, era uma figura forte e tinha como marca registrada os cabelos negros, lisos e com franjas.

» Na Roma Antiga, apenas os maridos podiam ver os cabelos das esposas soltos. Em geral, os fios eram compridos e enrolados.

» Durante as monarquias europeias, quanto mais volumosos e enrolados fossem os cabelos, melhor. E aqui inclu�am-se os homens, haja vista as pinturas que retratavam reis e rainhas da �poca.

» Na primeira d�cada dos anos 1900, o cabelo curtinho e com ondas marcadas ficou conhecido como “castle bob”, uma alus�o � dan�arina Irene Castle, a primeira a adotar esse estilo.

» Nos anos 1930, Garrett Morgan, um afrodescendente inventou um creme que alisava os cabelos para “enganar” os clientes racistas, mas 10, 20 anos depois, as ondas voltaram com for�a total, �poca em que as mulheres come�aram a enrolar os cabelos e transform�-los em coques volumosos e cheios de formas.

» Em 1960, cabelos crespos eram alisados e usados em coques e a franja era jogada de lado.

» O movimento “black power” tomou conta dos cabelos da sociedade na d�cada de 1970. Artistas negros come�aram a usar o cabelo “afro” como forma de liberta��o.

» Quem n�o se lembra das permanentes? Nos anos 1980, os cabelos enrolados fizeram bastante sucesso, al�m dos “bobes e bigudinhos”, que davam mais cachos, de tamanhos variados.

» Na d�cada de 1990, o cabelo rastaf�ri tomou conta das cabe�as de homens e mulheres. O movimento ficou  marcado por fios tran�ados.  

» Neste s�culo (21), as tend�ncias se  misturam: os cabelos s�o coloridos, curtos, longos, tran�ados, raspados, ou seja, ao gosto do fregu�s.


Fonte: Site: allthingshair.com