Pessoa apertando as gorduras da barriga

Pessoa apertando as gorduras da barriga

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RIBEIR�O PRETO, SP (FOLHAPRESS) - A nova gera��o de rem�dios para emagrecer tem mudado um cen�rio que costuma ser opressivo para uma parcela significativa da popula��o. Se antes a obesidade era vista como fator meramente comportamental, a classe de medicamentos que simulam horm�nios do corpo humano mostram que o peso n�o � fruto �nico de nossas escolhas.

 

Promovendo emagrecimento em curtos per�odos por meio de uso cont�nuo e acompanhamento m�dico, f�rmacos � base de semaglutida e liraglutida, por exemplo, evidenciam o aspecto patol�gico cr�nico da obesidade e do sobrepeso.

 

"Nem todo magro � magro porque come pouco e nem todo gordo � gordo porque come muito", destaca a m�dica psiquiatra Denise Cardoso, membro da Comiss�o de Transtornos Alimentares da ABP (Associa��o Brasileira de Psiquiatria).

 

Especialistas em obesidade e sa�de mental, por�m, sempre encontraram resist�ncia e preconceito em rela��o � premissa de que a dificuldade para emagrecer � principalmente fruto do metabolismo e de fatores ambientais, e n�o produto de car�ter ou escolhas.

 

"A obesidade precisa ser vista como uma doen�a, porque est� relacionada com o estado emocional, o papel que o alimento tem no metabolismo do paciente. A falta de sono, altera��o hormonal, toda a quest�o envolvida no peso", aponta Cardoso.

 

 

 

A chegada da liraglutida (comercialmente vendido como Saxenda) ao mercado deu in�cio a uma maior aceita��o do conceito. O movimento ganhou for�a com o lan�amento da semaglutida, mol�cula que imita o horm�nio GLP-1 e informa ao c�rebro que o corpo est� saciado.

 

Cardoso diz que � comum pacientes chegarem ao consult�rio desmotivados e com culpa por n�o conseguirem seguir dietas. "Ent�o quando ele come�a a emagrecer, melhora a autoestima, melhora a ades�o, porque ele v� resultado. A semaglutida � um medicamento que, em geral, faz com que os pacientes em consult�rio emagre�am cerca de 15% do peso, � muito r�pido", afirma.

 

A subst�ncia � a base do Ozempic, aprovado em 2018 pela Anvisa (Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria) para tratar diabetes tipo 2. O f�rmaco tamb�m � o princ�pio ativo do Wegovy, aprovado mais de quatro anos depois para o tratamento da obesidade ou sobrepeso associados a comorbidades.

 

Glaucia Carneiro, professora adjunta de Endocrinologia e respons�vel pelo laborat�rio de obesidade da Unifesp (Universidade Federal de S�o Paulo), diz que o estigma da obesidade � muito presente, inclusive entre os m�dicos.

 

"S� em 2013 a obesidade foi reconhecida como doen�a, ent�o j� na medicina foi um pouco tarde. Agora, dez anos depois, com a chegada de medicamentos eficazes, que agem diretamente na causa, os pr�prios pacientes v�m reconhecendo tamb�m que � uma doen�a, que n�o � desvio de conduta e de car�ter", indica.

 

O outro lado da moeda � o agravamento da extrema magreza pelo desvio de fun��o dado ao produto por aqueles que buscam a perda de peso sem indica��o m�dica, pr�tica incentivada por famosos.

 

O medicamento n�o passou despercebido no Oscar deste ano, por exemplo. O comediante Jimmy Kimmel fez piada com a nova febre de emagrecimento r�pido entre as estrelas de Hollywood. "Todo mundo parece t�o bonito. Quando olho em volta desta sala, n�o posso deixar de me perguntar: 'Ozempic � certo para mim'?'", disse.

 

A nutricionista Cec�lia Lacroix de Oliveira, professora associada do Instituto de Nutri��o da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), destaca, contudo, que n�o foi o surgimento das novas medica��es que provocou essa obsess�o por corpos demasiadamente magros.

"Isso j� existia. O que acontece � que pessoas que n�o t�m indica��o da semaglutida est�o fazendo uso dessa medica��o para atingirem seus objetivos mais rapidamente, uma vez que este medicamento n�o tem uma receita controlada", pontua.

 

J� aqueles que realmente precisam do aux�lio do medicamento para eliminar o excesso de peso devem estar cientes de que o tratamento � multidisciplinar.

 

"A medica��o pode ajudar, mas para tratar a obesidade � muito importante ter um acompanhamento do ponto de vista psicol�gico, nutricional, tamb�m em rela��o ao exerc�cio f�sico, e com m�dico endocrinologista que vai prescrever a semaglutida", diz Lacroix.

A subst�ncia age em uma regi�o do c�rebro chamada de hipot�lamo. A revolu��o destes medicamentos ocorre em decorr�ncia a a��o em mecanismos que fazem com que o corpo entenda melhor a saciedade e tenha o esvaziamento do est�mago inibido.

 

"� uma droga muito complexa que vem para ajudar o comportamento. Agora a gente n�o pode banalizar, querer tratar pessoas com peso normal", pontua Carneiro, docente da Unifesp.

 

Existem, por�m, d�vidas sobre os resultados dos medicamentos em longo prazo. Em grupos de redes sociais que visam a troca de experi�ncia sobre o Ozempic, os relatos variam. Em alguns a perda de peso parece estabilizar depois de um tempo. Outros sequer conseguem emagrecer. H� ainda aqueles que deixam de lado padr�es alimentares que envolvem o consumo de bebidas alco�licas e alimentos ricos em gorduras.

 

Entre os que relatam efeitos colaterais, as hist�rias variam de enjoos a desmaios -muitos deles causados por automedica��o e falta de dieta balanceada como parte do tratamento.

 

A motorista M�nica de Marco, 42, pesava 145 kgs quando soube que seu cunhado havia emagrecido 15 kgs com duas inje��es de Ozempic. "Comecei a tomar sozinha e depois procurei um endocrinologista, porque na primeira caneta n�o perdi nada, nenhum peso e passei muito mal mesmo, achei que ia morrer. Comecei a emagrecer da segunda em diante. Eliminei 42 quilos", conta.

 

Sua primeira tentativa de tratamento contou com a sibutramina, mas sem resultado. No m�dico, de Marco descobriu que precisaria associar um ansiol�tico � semaglutida para superar a vontade de doces. "Voc� perde totalmente a fome", relata. Para a motorista, o maior problema do rem�dio � o pre�o.

A expectativa de especialistas � de que os valores diminuam com surgimento de drogas similares e quebra de patentes, viabilizando o acesso e a incorpora��o ao sistema p�blico de sa�de brasileiro.

A psiquiatra Denise Cardoso acredita que em breve os usu�rios e m�dicos ter�o boas not�cias com rela��o ao custo das subst�ncia. "H� 20 anos, as insulinas eram car�ssimas. Quando era residente, achava que nunca conseguir�amos usar e prescrever para todos, mas hoje o pre�o � bem acess�vel", diz.