"Eu posso dizer que tenho dois relatos de parto poss�veis. De um lado, o romantizado, surreal, instagram�vel, com reviravolta, para as pessoas dizerem que eu fui guerreira. Ou o parto aterrorizante, sem acolhimento, no escuro e desesperador que foi. Esse foi o real."

Assim come�a a descri��o que a advogada J�lia Assis fez aos amigos mais �ntimos do parto da segunda filha, que aconteceu em S�o Paulo no in�cio de dezembro. "As pessoas at� podem querer um parto r�pido, mas ningu�m quer parir sozinha dentro de um carro em movimento", desabafa.

Era seu segundo beb� e, diferentemente do primeiro, que nasceu por ces�rea, ela optou pelo parto normal.

"Eva nasceu com 39 semanas e cinco dias, a termo. E eu fiz o pr�-natal com uma equipe super especializada, cara, particular. A primeira coisa que me disseram foi que um parto demora horas. Meu primeiro parto foi ces�rea, mas n�o foi marcada, ent�o cheguei a entrar em trabalho de parto. Me disseram que o segundo poderia ser mais r�pido porque o corpo j� sabe. Mas da� a ter um parto de duas horas h� uma dist�ncia. E isso me disseram que dificilmente aconteceria", relata.

"Quando entrei na maternidade, depois de parir no carro, as pessoas bateram palmas, a doula disse '� o parto de um milh�o de d�lares', porque foi r�pido. Mas eu estava assustada, em choque, preocupada com a minha filha e com a minha m�e que estava ao meu lado."

Apesar de ter sido um parto externo, o beb� de J�lia foi registrado como nascido no hospital. Essa � apenas uma das dificuldades de medir a real ocorr�ncia de partos que acontecem antes da chegada � maternidade no Brasil — em muitos casos, a caminho dela, seja com a assist�ncia de profissionais como doulas e enfermeiras obst�tricas ou n�o.

O Minist�rio da Sa�de, em nota t�cnica, recomenda o ambiente hospitalar como o local mais seguro para o nascimento. Os dados dispon�veis indicam que essa � a escolha da maioria das mulheres.

No entanto, um conjunto de fatores faz com que nem sempre seja poss�vel chegar a tempo — o que pode significar que a m�e e o beb� passem por esse momento em locais sem preparo e corram riscos.

'Me diziam que era coisa de filme, mas aconteceu comigo'

"A primeira vez que eu tive contra��es foi na madrugada de domingo para segunda. Na segunda-feira pela manh�, senti contra��es fortes, como uma c�lica menstrual. Na madrugada de ter�a tamb�m. Avisei para a equipe, mas nem cheguei a contabilizar no aplicativo que us�vamos, porque n�o eram ritmadas. A doula sempre me disse que a gente deveria contabilizar um intervalo de uma hora com contra��es ritmadas de cinco em cinco minutos. Mas isso nunca aconteceu para mim.

De quarta para quinta, eu j� estava cansada de sentir dor. �s 4h, eu sentia contra��es desritmadas, mas com uma sensa��o de dor maior, a ponto de n�o conseguir mais ficar deitada. Fui ao banheiro, vi que meu tamp�o (mucoso, secre��o que protege o �tero) estava come�ando a sair. �s 7h, eu estava com muita dor e fui para a banheira esperar as contra��es ritmarem como a doula falou.

Fui ao m�dico, ele viu que minha bolsa estava perto de estourar, eu tinha tr�s cent�metros de dilata��o, mas o colo do �tero ainda n�o estava na posi��o. Ele me mandou ir para casa. Comecei a ter contra��es bem fortes a cada 20 minutos, 10 minutos."

Em um parto natural t�pico, o nen�m est� com a cabe�a virada para baixo, e os eventos acontecem dentro do que se considera um tempo adequado para cada fase, segundo o obstetra Ricardo Porto Tedesco, membro da Comiss�o especializada em Assist�ncia ao Abortamento, Parto e Puerp�rio da Federa��o Brasileira das Associa��es de Ginecologia e Obstetr�cia (Febrasgo).

"A gente tem uma fase inicial, chamada fase de lat�ncia, em que h� algumas contra��es e uma dilata��o de at� quatro cent�metros do colo do �tero. Isso pode durar dias. Depois, uma fase ativa, que � quando a dilata��o ocorre mais rapidamente, e o chamado per�odo expulsivo, que � quando ocorre de fato o nascimento", explica.

Em geral, numa primeira gesta��o, se considera que a fase ativa e a expuls�o do beb� pode durar entre oito e 10 horas — sendo entre duas e tr�s horas s� no per�odo expulsivo, enquanto o beb� desce pelo canal vaginal.

A partir da segunda gravidez, quando os m�sculos da mulher j� est�o mais frouxos, o parto costuma ser mais r�pido. A fase ativa — at� ocorrer a dilata��o total de 10 cm — pode chegar at� oito horas, A expuls�o do beb� pode acontecer em menos de duas horas.

"Em mulheres que j� tiveram parto normal, � comum que essa descida demore de dez minutos a uma hora, mais ou menos", diz a obstetriz Ana Cris Duarte, gestora do coletivo Nascer, em S�o Paulo.

A quest�o � que a dura��o de cada uma dessas fases varia para cada mulher e cada situa��o. Para evitar uma interna��o precoce, segundo Ricardo Tedesco, costuma-se determinar que a fase ativa come�a quando a mulher tem cinco cent�metros ou mais de dilata��o e tr�s contra��es em 10 minutos.

"� verdade que internar a mulher cedo demais est� associado com uma incid�ncia maior de ces�reas. Ou sugeridas pela equipe do hospital ou porque a pr�pria paciente se cansa da espera e da dor. E muitas vezes se faz ces�reas que n�o eram necess�rias", admite.

"Ent�o hoje, com um desejo maior pelo parto normal, as mulheres demoram mais a irem para o hospital e acabam indo perto do per�odo expulsivo, e a� podem n�o ter assist�ncia adequada a tempo. E, claro, muitas vezes a mulher brasileira tem dificuldade de acesso a uma maternidade ou hospital pr�ximo mesmo."

No caso de J�lia, o receio de uma cirurgia indesejada tamb�m acabou decidindo os rumos que o parto tomaria.

"Eu sempre disse que queria ir muito cedo para o hospital, assim que eu come�asse a ter contra��es. Mas a equipe me dizia que era importante descobrir o momento ideal para ir porque eu poderia acabar sendo induzida a uma ces�rea", diz ela.

"�s 13h37, eu senti que a bolsa ia estourar. A ideia era que a enfermeira obstetra e a doula iriam para a minha casa e iriam me examinar, acompanhar at� a hora de ir para o hospital, mas elas moram longe de mim. Elas sa�ram de casa nesse momento, mas n�o conseguiram chegar.

�s 14h, eu estava no chuveiro, como me recomendaram, mas estava me sentindo completamente sozinha, vulner�vel. Mesmo com meu marido tentando resolver e minha m�e tamb�m ali. As contra��es aumentam conforme a dilata��o aumenta, mas eu n�o sabia qual era a dilata��o equivalente �quela dor que eu estava sentindo, estava no escuro.

�s 14h03, eu estava urrando de dor, a ponto dos meus vizinhos ouvirem. A enfermeira ouviu meu urro de dor pelo telefone e disse: 'Vai para o hospital’.

No carro, as coisas come�aram a evoluir para al�m da dor. Voc� come�a a sentir a for�a de expulsar o beb� e depois a sentir o c�rculo de fogo, que � quando a cabe�a come�a a passar pelo colo do �tero e entrar no canal vaginal.

No come�o do meu pr�-natal, me disseram que essa coisa de a bolsa estourar e eu j� ter que ir para o hospital n�o acontecia, era coisa de filme. E tamb�m que o processo expulsivo demoraria mais. Mas eu senti todas essas coisas nos 27 minutos de casa at� o hospital.

A sensa��o era desesperadora, porque eu pensava: 'N�o acredito que estou passando por tudo o que n�o queria passar'. Eu nem conseguia pensar naquela coisa rom�ntica de 'vou conhecer minha filha'. S� pensava no 'isso que eu estou passando vai acabar'.

Eram quase 14h30, tudo parado no tr�nsito, no meio das contra��es, eu comecei a sentir um volume entre as minhas pernas. Eu comecei a gritar: 'M�e, ela t� nascendo, rasga a calcinha'. E minha m�e, em p�nico, dizia: 'N�o vai, n�o vai!', e ficava com a m�o entre as minhas pernas, tentando segurar a cabe�a.

Quando o carro subiu na cal�ada para entrar na maternidade, ela saiu inteira.

O m�dico disse que n�o achava que eu chegaria nesse estado, que eu chegaria com oito cent�metros de dilata��o. Ele n�o acreditou que seria t�o r�pido.

Abriram a porta do carro, dei alguns passos, sentei na maca e vi minha m�e tremendo tanto. E eu segurando minha filha, desesperada, s� conseguia dizer: 'Algu�m por favor cuida da minha m�e'. At� pouco tempo atr�s, eu n�o conseguia falar disso sem chorar."

No hospital, algumas horas ap�s o parto, a equipe m�dica descobriu que J�lia estava sofrendo uma hemorragia, causada por uma lacera��o na vulva. Ela precisou de duas transfus�es de sangue, mas se recuperou em uma semana.

Parto 'tsun�mico'

Em casos mais raros, e dif�ceis de prever, o parto pode ser ainda mais r�pido, conhecido como parto precipitado ou tsun�mico.

Em maio de 2022, Flaviane Tironi teve esta experi�ncia na sua primeira gesta��o.

Mesmo com o acompanhamento de uma equipe de refer�ncia em Belo Horizonte, tendo assistido a document�rios, lido livros, feito pilates e fisioterapia em prepara��o para o parto, a rapidez do processo a pegou de surpresa.

"Tive contra��es de treinamento no domingo, que duraram s� uma hora e pararam. Na segunda, a m�dica me examinou e disse que eu estava com tr�s cent�metros de dilata��o, poderia nascer em breve ou s� na semana seguinte. Mas �s 4h da manh� de ter�a, eu comecei a ter contra��es mais fortes e j� n�o consegui mais dormir", relata.

"�s 7h, eu j� estava gritando, e a contra��o vinha a cada 10 minutos. E quando vinha, parecia que eu ia morrer. A doula e a enfermeira se puseram a caminho, mas s� chegaram umas 9h e pouco. Eu disse que queria ir para o hospital e tomar anestesia, mas a doula prop�s me examinar no banheiro antes. Quando me sentei no vaso, ela me disse: 'A cabe�a do seu beb� j� est� apontando. Podemos ir para o hospital ou fazer o parto na sua casa'."

Com receio de dar � luz no caminho, Flaviane optou por ficar em casa. Por causa da posi��o em que estava, mais confort�vel, e do momento avan�ado do parto, ela deu � luz ao primeiro filho no vaso sanit�rio, cerca de 50 minutos depois da chegada da doula.

"A enfermeira chegou tamb�m, e era super preparada, tinha todos os aparelhos. Mas mesmo com essa equipe que tinha conhecimento e pr�tica, eu fiquei com medo de acontecer alguma coisa. Depois me disseram que um parto t�o r�pido � raro, ainda mais na primeira vez", relembra.

A equipe chegou � conclus�o de que, por volta das 7h, apenas tr�s horas depois de come�ar a ter contra��es, Flaviane j� tinha entrado na fase expulsiva do parto.

"Mas meu corpo segurou o beb� com for�a, eu estava com medo. Tanto � que ele nasceu com um galinho, um co�gulo de sangue na cabe�a, que sumiu depois do primeiro m�s", diz ela.

Mesmo que nem ela nem o beb� tenham tido complica��es, Flaviane sentiu dificuldade de lidar com as lembran�as do parto.

"Eu fiquei tr�s dias sem conseguir entrar no banheiro porque eu come�ava a chorar. Pensava que muitas coisas poderiam ter dado errado. Eu tive acompanhamento, sabia de todas as fases do parto. Mas eu n�o fui preparada para ser t�o r�pido. Demorei tr�s meses na terapia para aceitar que minha hist�ria foi daquela forma."

"Sei que � um acontecimento raro, mas acho que dever�amos ter mais material sobre isso. Talvez at� uma simula��o. Se a gente soubesse que poderia ter essa possibilidade, eu talvez j� tivesse corrido para o hospital quando tive contra��es mais intensas", pondera.


Mulher medindo tempo de contrações de parto

As falhas de comunica��o no pr�-natal, segundo especialistas, fazem com que muitas mulheres n�o saibam identificar o in�cio do parto natural

Katia Ribeiro' Julia Assis

O parto � considerado tsun�mico quando a fase ativa e a expulsiva — ou seja, o tempo entre o in�cio da dilata��o do colo e o nascimento do beb� — acontecem num intervalo de menos de quatro horas, �s vezes at� menor que uma hora.

"Voc� toca, a paciente est� com cinco cent�metros, uma hora depois ela est� com o nen�m no colo", exemplifica Ricardo Tedesco.

"Ao contr�rio do que muita gente pensa, que � apenas algo maravilhoso, isso � visto como uma anormalidade, e potencialmente associado a riscos."

A real incid�ncia deste tipo de parto extremamente r�pido � desconhecida no Brasil. Estudos americanos, frequentemente usados como base em outros pa�ses, como o Reino Unido, falam de uma ocorr�ncia de tr�s em cada 100 mulheres.

Esse tipo de ocorr�ncia � maior, segundo Tedesco, em mulheres que j� tiveram filhos.

"N�o quer dizer que uma m�e de primeira viagem n�o possa ter, mas a partir do segundo filho � mais comum um parto mais r�pido, mesmo que n�o seja tsun�mico, porque os m�sculos v�o ficando mais frouxos, ent�o � mais f�cil o beb� passar pelo canal de parto", explica.

Outro fator que pode favorecer o parto precipitado � o feto pequeno, com menos de 2,5 kg.

"Mas a medicina n�o � uma ci�ncia exata. A quest�o � a proporcionalidade do tamanho do feto em rela��o � bacia da m�e. Ou seja, estamos falando de um beb� pequeno em rela��o � m�e."

"Em dois mil partos que j� atendemos no nosso coletivo, s� vi o parto tsun�mico de verdade umas quatro vezes. � realmente raro", diz a obstetriz Ana Cris Duarte.

"Mas uma mulher que est� tendo seu segundo parto normal deveria estar educada para essa possibilidade, porque � uma possibilidade concreta. E, de qualquer forma, como os partos a partir do primeiro tendem a ser mais r�pidos, toda semana chega na maternidade uma m�e com um beb� nascido no carro. J� tivemos beb�s nascidos na garagem, no chuveiro."

Riscos

Tanto os excepcionais partos tsun�micos como aqueles em que a mulher n�o tem tempo de chegar ao hospital apresentam riscos semelhantes, de acordo com os especialistas:

- Impossibilidade de acompanhar os sinais vitais do beb� ou eventuais complica��es na m�e;

- Risco de trauma — o beb� pode cair no ch�o ou n�o conseguir ser amparado ao ser ejetado do �tero.

No caso do parto tsun�mico, de acordo com Ricardo Tedesco, tamb�m h� um risco de sofrimento para o beb�, caso as contra��es sejam muito intensas ou muito frequentes.

"Nessas duas situa��es, a oferta de oxig�nio para a placenta e, consequentemente para o feto, fica comprometida. A cada contra��o uterina, o fluxo de sangue que passa dentro do �tero diminui, e a� o �tero relaxa e enche de sangue de novo e, consequentemente, de oxig�nio. Isso � natural, e o feto aguenta isso. Por�m, se isso ocorre de maneira muito intensa ou muito frequente, n�o d� tempo de ele se recuperar. Ele pode entrar numa situa��o de sofrimento por falta de oxig�nio", explica.

O risco de les�es que podem causar hemorragia — que j� existe no parto natural regular — tamb�m aumenta no tsun�mico, justamente pela for�a das contra��es e pela rapidez do processo.

Mas o que � poss�vel fazer quando o parto vai acontecer sem assist�ncia?

O mais importante � manter a crian�a aquecida, segundo a obstetriz Ana Cris Duarte.

"� bom ter uma toalha para aparar e envolver o beb�, mas pode at� ser no casaco do pai. Coloca o beb� em contato com a m�e, pele com pele, cobre os dois e vai para o hospital, busca ajuda ou chama o Samu. Isso � o essencial", explica.

"N�o � para cortar o cord�o umbilical. N�o � para puxar a placenta. Vejo at� pessoas que amarram um cadar�o no cord�o. N�o se deve fazer nada disso. Nem limpar a boca do beb�, nem chupar nada dela", diz a especialista.

A busca imediata por ajuda � importante para garantir que tanto a m�e quanto a crian�a ser�o acompanhadas, caso haja alguma complica��o.

"Cerca de 5% dos beb�s precisam de ajuda para respirar ao nascer, com a ventila��o, que � aquele bal�ozinho que p�e na boca do beb�. A hemorragia p�s-parto e o risco de lacera��o tamb�m podem ocorrer, mas geralmente depois que a placenta � expulsa. A quest�o � quem socorre a m�e e o beb� nessas horas."

Para Ricardo Tedesco, � importante lembrar, no entanto, que os partos tsun�micos s�o exce��es — e, mesmo nesses casos, a m�e e o beb� ficam bem na maioria das vezes.

"As mulheres precisam saber que o parto natural traz riscos, mas n�o devemos tomar decis�es baseadas em exce��es. Ele � seguro. A ces�rea feita sem necessidade, em vez de salvar vidas, coloca em risco a mulher e a crian�a", afirma.

O poder da informa��o


Enara Paiva no momento do parto de sua filha, Ana

Enara Paiva deu � luz Ana, de p�, minutos ap�s chegar na recep��o da maternidade

Enara Paiva

Ao chegar na recep��o da maternidade que fica perto da sua casa em Belo Horizonte, em 22 de dezembro de 2022, a arquiteta Enara Paiva j� tinha contemplado a possibilidade de ter a filha no box do banheiro.

"Eu j� tinha dito que, mesmo estando perto da maternidade, n�o queria sair de casa com nove cent�metros de dilata��o e parir na cal�ada. Mas as contra��es fortes come�aram mesmo �s 19h, e quando a doula chegou na minha casa, por volta das 22h, fomos para o chuveiro, e ela me disse: 'Quando vier a contra��o, voc� vai botar o dedo l� no fundo e me dizer o que est� sentindo'. Eu disse: 'Tem um neg�cio duro'. E ela me explicou que era a cabe�a do nen�m", relembra.

"A enfermeira obst�trica n�o tinha chegado, e a doula colocou a toalha no ch�o do box e me orientou: 'Voc� vai colocar a m�o, receber sua crian�a'. O m�dico chegou a dizer que ia l� em casa, mas depois disse para irmos ao hospital. Sab�amos que o beb� estava saindo, mas tive que colocar um roup�o e um chinelo e ficar de quatro no banco do carro, porque n�o conseguia sentar. Depois descobri que o CRM (Conselho Regional de Medicina) n�o deixava o m�dico fazer parto domiciliar."

Ao chegar na maternidade, Enara encontrou sua equipe e foi colocada, emergencialmente, dentro de um consult�rio m�dico vazio.

"Tinha uma maca e me mandaram deitar. Eu disse: 'De jeito nenhum'. Apoiei o cotovelo na maca, em p�, e assim nasceu Ana, �s 23h29", relembra.

Apesar do susto, a arquiteta diz que o processo deixou boas lembran�as, por que ela teve orienta��o e a assist�ncia da doula.

"Quando ela chegou, me tranquilizou, disse a meu marido o que ele tinha que fazer, e eu tive seguran�a. Eu poderia ter parido na rua, mas ao menos ela estava ao meu lado. Hoje n�o tenho na mente registro de p�nico, nem da dor", afirma.


Frase de Enara Paiva: 'Uma mulher informada pare tranquilamente. Uma mulher sem informação acha que vai morrer'

Frase de Enara Paiva: "Uma mulher informada pare tranquilamente. Uma mulher sem informa��o acha que vai morrer"

BBC

Mais informa��o teria feito diferen�a na experi�ncia de J�lia Assis, segundo ela, mesmo com o susto de dar � luz a caminho da maternidade.

"Meu marido e eu lemos tudo o que pod�amos. Mas acho que o que poderia ter me ajudado era n�o come�arem o pr�-natal com o discurso de que o parto n�o � r�pido. O parto � diferente para cada pessoa. E a gente tem que entender os sinais de como ele pode ser e tentar identificar isso. Acho que � preciso contar mais de uma hist�ria, al�m do parto regular."

"E eu falo da perspectiva de uma pessoa privilegiada, que pode pagar uma equipe para me orientar. Me pergunto o que acontece com as muitas mulheres que n�o podem", pondera.

Hoje, no Brasil, o atendimento pr�-natal atinge mais mulheres, mas segue de baixa qualidade, segundo Ricardo Tedesco, da Febrasgo. Por isso, as m�es nem sempre est�o preparadas para as diversas situa��es que podem ocorrer durante o parto.

Para a obstetriz Ana Cris Duarte, a falta de orienta��o � produto, principalmente, da cultura brasileira em rela��o � sa�de da mulher.

"A gente tem uma cultura de que s� quem passa informa��o � o m�dico. Mas nessas consultas m�dicas de 10 ou 15 minutos, que s�o comuns, n�o d� tempo de educar a paciente. A educa��o perinatal no Brasil � muito deficiente", afirma.

"Na nossa equipe, as m�es recebem, com 37 semanas de gravidez, um texto que diz como vai ser o parto, e h� todas as possibilidades, inclusive a possibilidade de nascer t�o r�pido que a mulher esteja no chuveiro ou t�o demorado que dure dois dias. Quando se tem uma equipe afinada, a quantidade de partos que acontecem sem assist�ncia � baixa. No nosso caso, foram s� 10 em 2 mil."

O custo de um atendimento como esses, no entanto, � pouco acess�vel — o acompanhamento da gesta��o e do parto por uma equipe multidisciplinar custa, geralmente, a partir de R$ 6 mil. Doulas costumam cobrar a partir de R$ 2 mil.

"Hoje j� h� doulas volunt�rias atendendo, grupos de prepara��o para o parto no Facebook, transmiss�es ao vivo, h� acesso gratuito � informa��o. N�o � absolutamente necess�rio pagar uma equipe para ter educa��o perinatal. Mas o mais dif�cil � separar o joio do trigo, saber o que � a informa��o correta", alerta Ana Cris.

Mulheres mais acostumadas com servi�o pesado, por exemplo, muitas vezes toleram um n�vel de dor que j� sinaliza a fase ativa do parto. Outras chegam a ir ao hospital, s�o examinadas e, como n�o devem ser internadas com menos de quatro cent�metros de dilata��o, ouvem apenas que "n�o est� na hora".

"Geralmente n�o tem tempo de conversar com a mulher e explicar em detalhes o que vai acontecer. E a� ela s� volta ao hospital quando a bolsa rompe. S� que isso j� � o final do trabalho de parto", afirma a especialista.

Nas Unidades B�sicas de Sa�de (UBS), diz a obstetriz, o pr�-natal pode ser inclusive melhor orientado do que no atendimento privado.

"Vejo que nas UBS as mulheres t�m mais acesso a uma cultura favor�vel ao parto normal, e o pr�-natal � mais compartilhado entre m�dico e enfermeira. No setor privado, isso � mais dif�cil acontecer."

Pensando nessas lacunas, Ana Cris e um grupo de doulas est�o escrevendo um livro digital gratuito para distribuir a gestantes e familiares pela internet, com informa��es sobre os tipos de parto e suas fases, como ele pode acontecer, como optar por uma equipe, escolher um hospital p�blico e saber a hora de ir � maternidade.

"� importante que as mulheres saibam que at� um parto muito r�pido ou sem assist�ncia pode ser uma boa experi�ncia se a pessoa estiver preparada para isso. Depende da sua orienta��o, de quem est� ao seu lado e tamb�m do quanto ela idealizou esse momento."