jovem olha para prateleira de bebidas

Op��es de bebidas sem �lcool cresceu, aponta pesquisadora

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Diversos levantamentos realizados ao redor do mundo nos �ltimos anos detectaram uma tend�ncia curiosa e surpreendente: a atual gera��o de jovens consome menos bebidas alco�licas do que fizeram os pais ou av�s deles na juventude.

Um estudo publicado em 2020 mediu os h�bitos et�licos de adolescentes de 12 a 18 anos em 39 pa�ses da Am�rica do Norte, Europa e Oceania — em praticamente todos esses lugares, ali�s, a venda de bebidas alco�licas para essa faixa et�ria � ilegal, embora na pr�tica esta seja a fase em que a maioria das pessoas experimenta diferentes drinques pela primeira vez.

Em compara��o com as taxas de consumo de �lcool observadas h� 20 anos, a tend�ncia atual � de queda na grande maioria dos locais. E essa diminui��o percentual supera os 50% em pa�ses como Noruega, Su�cia e Litu�nia, e ultrapassa os 80% na Isl�ndia.

J� um levantamento realizado pela organiza��o brit�nica Drinkaware mostrou que 26% dos jovens de 16 a 24 anos se consideram totalmente abst�mios.

No Brasil, um inqu�rito realizado todos os anos pelo Minist�rio da Sa�de avalia o consumo abusivo de �lcool — classificado como cinco ou mais doses para homens e quatro ou mais doses para mulheres em uma �nica ocasi�o — em diferentes faixas et�rias.

Os n�meros do �ltimo levantamento, realizado em 2021, apontam que 19,3% dos brasileiros de 18 a 24 anos fazem esse consumo abusivo. Esta foi a primeira vez que o �ndice ficou abaixo dos 20% desde 2015.

J� uma pesquisa publicada nesta semana pelo Centro de Informa��es sobre Sa�de e �lcool (Cisa) mostrou que 46% dos jovens de 18 a 24 anos afirma n�o beber nunca e 20% declararam consumir produtos et�licos uma vez por m�s ou menos.

Na contram�o, os autores do trabalho chamam a aten��o para o fato de que, quando comparados com outras idades, os jovens (18-24 anos) e os adultos jovens (25-34 anos) apresentam o menor n�vel de absten��o e a maior frequ�ncia de consumo.

O Cisa tamb�m pondera que, no Brasil, ainda "n�o temos dados suficientes para confirmar se h� uma tend�ncia de mudan�a de comportamento dos jovens em rela��o ao h�bito de beber e as raz�es para moderarem o consumo".

O �rg�o tamb�m fez uma pesquisa qualitativa sobre a quest�o com o aux�lio do Intelig�ncia em Pesquisa e Consultoria Estrat�gica (Ipec). Para isso, foram entrevistados grupos de jovens em Salvador (BA) e S�o Paulo.

Entre as conclus�es, os pesquisadores destacam que "o principal motivador para moderar o consumo de bebidas alco�licas [entre os jovens] est� relacionado � necessidade de manter a reputa��o e o bom desempenho nas atividades rotineiras, principalmente o trabalho".

"Al�m disso, algumas ocasi�es espec�ficas, como almo�o em fam�lia, confraterniza��o com colegas de trabalho, locais com muitas pessoas desconhecidas e necessidade de dirigir tamb�m propiciam maior aten��o � quantidade de �lcool ingerida", continua o texto.

"A preocupa��o com a sa�de n�o apareceu como motivo relevante para os jovens pesquisados controlarem o consumo, no entanto, houve a concord�ncia de que o alerta m�dico acerca dos danos do consumo abusivo poderia contribuir para alterar essa situa��o."

A historiadora Deborah Toner, professora da Universidade de Leicester, no Reino Unido, classifica a tend�ncia como “s�lida”.

“Trata-se de uma mudan�a geracional interessante e s�lida. Os dados mostram claramente que as taxas de consumo de �lcool est�o em decl�nio entre os mais jovens, especialmente na faixa et�ria dos 20 a 25 anos”, corrobora ela, que tamb�m � codiretora da Rede de Estudos sobre a Cultura da Bebida.

“E isso est� relacionado a pr�ticas de sobriedade e consci�ncia, que j� est�o consolidadas em lugares como Reino Unido, Austr�lia e Estados Unidos”, continua a especialista.

Segundo a professora, essa “cultura da sobriedade” est� ligada a uma preocupa��o cada vez maior com um estilo de vida saud�vel, mas tamb�m com uma afirma��o de identidades pr�prias — se antes todo mundo tinha que ir ao bar e beber para fazer parte de determinado grupo social, hoje as pessoas respeitariam mais as decis�es daqueles que desejam se manter s�brios.

“E isso tamb�m j� provocou uma mudan�a na ind�stria de bebidas, em termos de disponibilizar op��es sem �lcool ou com baixo teor alco�lico. H� dez anos, era bem dif�cil encontrar vinhos, cervejas ou outras bebidas zero �lcool em bares, pubs, restaurantes e supermercados. Mas esse mercado se expandiu enormemente nos �ltimos anos”, observa ela.

Al�m das quest�es de sa�de, as press�es sociais tamb�m parecem influenciar nesse cen�rio. Num artigo para o site de not�cias acad�micas The Conversation, pesquisadores da Universidade La Trobe, na Austr�lia, da Universidade de Sheffield, no Reino Unido, e da Universidade de Estocolmo, na Su�cia, destrincharam o assunto.

“Ser jovem num pa�s desenvolvido hoje � muito diferente em compara��o com as gera��es anteriores. Das mudan�as clim�ticas ao planejamento de carreira e a compra de uma casa, indiv�duos dessa faixa et�ria sabem que o futuro � incerto”, escrevem eles.

“Com isso, muitos jovens pensam sobre o futuro de maneiras que as gera��es passadas n�o precisavam. Eles tentam ganhar um senso de controle sobre a vida e assegurar o futuro que eles tanto aspiram.”

“Agora, os jovens sentem a press�o de se apresentarem como respons�veis e independentes cada vez mais cedo, e alguns temem que beber leve � intoxica��o e � perda de controle, o que poderia atrapalhar os planos sobre o futuro. Essa �nfase no amanh� significa que esses indiv�duos limitam o tempo gasto com festas e bebedeiras”, concluem os autores.

O grupo tamb�m cita as preocupa��es de sa�de como um fator importante, al�m da influ�ncia das redes sociais na exposi��o da vida, as mudan�as nos relacionamentos com os pais e o fato de o consumo excessivo de �lcool n�o ser mais encarado como algo positivo nesta faixa et�ria.


Pessoa recusando copo com bebida alcoólica

No Reino Unido, mais de um quarto dos jovens se declara totalmente abst�mia

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O 'caminho' do �lcool pelo corpo

As bebidas alco�licas s�o produzidas sistematicamente desde o advento da agricultura, a 8 mil ou 5 mil anos atr�s, a depender da regi�o do planeta. Isso faz do �lcool uma das mais antigas drogas consumidas pela humanidade.

Basicamente, elas s�o obtidas por meio do processo de fermenta��o do a��car presente em gr�os, frutas e verduras. Esse “trabalho” � feito por leveduras e bact�rias.

O produto final depende do que � fermentado. No vinho, s�o as uvas. Em cervejas, a cevada ou o trigo. Na vodka, a batata. Na cacha�a, a cana de a��car. E assim por diante.

Em termos qu�micos, o �lcool, ou etanol, � uma mol�cula feita a partir de �tomos de carbono, oxig�nio e hidrog�nio.

J� do ponto de vista farmac�utico, as entidades classificam o �lcool como uma subst�ncia psicoativa, capaz de alterar as sensa��es e a percep��o que temos de tudo o que est� ao redor.

Mas qual o caminho de um drinque pelo corpo? Ap�s passar por boca, es�fago e est�mago, essas mol�culas de etanol s�o absorvidas pelo intestino delgado e logo caem na corrente sangu�nea.

A chegada delas ao c�rebro — junto do f�gado, o �rg�o mais afetado neste processo — demora poucos minutos. � ali que o �lcool modifica e “bagun�a” o funcionamento de diferentes neurotransmissores. O primeiro deles � a dopamina.

"Alguns especialistas chamam a dopamina de neutransmissor da alegria. Ela faz voc� se sentir feliz. � por isso que as pessoas bebem �lcool, para ter essa sensa��o de felicidade. Voc� consegue falar e se soltar mais", resume a farmac�utica Jing Liang, professora da Universidade do Sul da Calif�rnia, nos Estados Unidos.

E aqui n�o podemos nos esquecer do aspecto social da bebida: geralmente, os drinques s�o consumidos com amigos, e essa atmosfera gera v�nculos e conversas que, estimuladas ou n�o pela dopamina, tornam todo o contexto ainda mais agrad�vel e convidativo. A maioria das pessoas, claro, vai querer repetir essa experi�ncia outras vezes.

Os outros dois qu�micos cerebrais afetados pelo �lcool s�o o glutamato, que tamb�m tem um efeito excitat�rio, e o Gaba (�cido gama-aminobut�rico), que tem uma fun��o contr�ria, de inibir e diminuir a atividade do sistema nervoso central.

Segundo pesquisas feitas pela professora Liang, uma �nica dose de bebida alco�lica pode afetar o funcionamento do neurotransmissor Gaba por at� 14 dias seguidos.


Jovens bebendo e comemorando

A 'cultura da sobriedade' vem virando tend�ncia entre os mais jovens

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Mas, mesmo que uma bebida alco�lica tenha efeitos bem duradouros, o impacto do �lcool varia segundo uma s�rie de fatores.

"Tudo depende bastante de tr�s coisas: onde o �lcool est� agindo no c�rebro, a quantidade de bebida consumida e at� a gen�tica da pessoa. Tudo isso pode mudar as respostas do corpo", lista a farmac�utica Rochelle Schwartz-Bloom, professora da Universidade Duke, nos Estados Unidos.

Ali�s, outro fator que influencia a rapidez com que a bebida vai surtir efeito � a alimenta��o. Se o est�mago est� cheio, o �lcool chega mais devagar ao intestino Com isso, � absorvido e cai na corrente sangu�nea aos poucos.

Ainda no universo do corpo humano, existem muitas d�vidas sobre a ressaca, ou seja, o cansa�o, a dor e a indisposi��o no dia ap�s uma bebedeira intensa. Schwartz-Bloom aponta que uma mol�cula � a principal suspeita por tr�s dessa sensa��o desagrad�vel.

“Quando o �lcool passa pelo f�gado, h� enzimas que o metabolizam e modificam a sua estrutura qu�mica. Ele passa de etanol para alde�do ou acetil-alde�do”, explica ela.

“Por�m, quando uma pessoa bebe demais ou muito r�pido, as enzimas n�o conseguem fazer esse trabalho de lidar com os alde�dos. Essa mol�cula � t�xica e pode permanecer no corpo por um longo tempo. E � isso que provavelmente est� no organismo na manh� seguinte e provoca dores de cabe�a, problemas na pele e dilata��o de vasos sangu�neos”, complementa a farmac�utica.

Existe dose segura?

Outra mudan�a recente na forma como a sociedade se relaciona com as bebidas alco�licas tem a ver com os limites de consumo, que s�o cada vez mais restritos.

As Diretrizes Americanas de Nutri��o, por exemplo, apontam que adultos acima de 21 anos “podem optar por n�o beber” ou “beber com modera��o, limitando o consumo di�rio a dois drinques ou menos para homens e um drinque ou menos para mulheres”.

J� a Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS) mudou seu posicionamento a respeito dessa quest�o nos �ltimos anos e agora afirma: nenhum n�vel de consumo de �lcool � seguro.

Segundo a entidade, os riscos e danos relacionados ao h�bito de beber �lcool foram sistematicamente avaliados nos �ltimos anos e est�o bem documentados.

A OMS aponta que o �lcool � uma subst�ncia t�xica, psicoativa e indutora de depend�ncia que � classificada como carcinog�nica e est� relacionada a pelo menos sete tipos de tumores diferentes, como os de mama e de intestino.

A organiza��o calcula que o consumo de bebidas alco�licas pode levar a 230 doen�as diferentes e provoca 3 milh�es de mortes no mundo todos os anos.

E mesmo aquela hist�ria de que doses moderadas de �lcool — como uma ta�a de vinho por dia — fariam bem ao cora��o caiu por terra.

Em 2022, a Federa��o Mundial de Cardiologia divulgou um posicionamento dizendo que, ao contr�rio do que � dito na cultura popular, o �lcool n�o � nada bom para a sa�de cardiovascular. O h�bito de beber est� relacionado a doen�as card�acas cr�nicas, segundo a entidade.


Pessoa preparando um chope

N�o existe dose segura de �lcool, diz a OMS

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Diante das evid�ncias recentes de sa�de, a recomenda��o dos especialistas � n�o beber �lcool, se poss�vel, ou consumir o m�nimo para evitar o risco de uma s�rie de doen�as, que incluem n�o apenas c�ncer e problemas no cora��o, mas tamb�m cirrose, depend�ncia e transtornos psiqui�tricos.

Mas os pesquisadores apostam na educa��o para um consumo consciente e recha�am as ideias ligadas ao proibicionismo e ao moralismo — at� porque acabar com a venda de bebidas alco�licas n�o deu nada certo em experi�ncias anteriores, como a implanta��o da Lei Seca nos Estados Unidos no in�cio do s�culo 20.

“Essa foi a mais ampla lei proibicionista sobre �lcool j� implementada. E teve efeitos dram�ticos nos EUA, particularmente na expans�o do crime organizado, que foi capaz de tirar vantagem do enorme mercado clandestino de tr�fico e venda de �lcool que se instalou nos anos 1920”, destaca Toner.

“Todo esse fen�meno foi muito impactante do ponto de vista econ�mico e pol�tico. E levou ao desenvolvimento de uma infraestrutura policial que depois foi mobilizada com mais intensidade na chamada 'guerra �s drogas' dos EUA", conclui a historiadora.