Criança tomando  vacina oral poliomielite

Na Am�rica Latina, pelo menos 14 pa�ses j� fizeram a mudan�a

Marcelo Camargo/ Ag�ncia Brasil
 

 

As gotinhas que entraram para a hist�ria da imuniza��o ao eliminarem a poliomielite no Brasil ganharam uma previs�o de aposentadoria, e a substitui��o da vacina oral contra a doen�a pela aplica��o intramuscular significar� uma prote��o ainda maior para os brasileiros.

 

No �ltimo dia 7 de julho, o Minist�rio da Sa�de anunciou que vai substituir gradualmente a vacina oral poliomielite (VOP) pela vers�o inativada (VIP) do imunizante a partir de 2024. A decis�o foi recomendada pela C�mara T�cnica de Assessoramento em Imuniza��o (CTAI), que considerou as novas evid�ncias cient�ficas que indicam a maior seguran�a e efic�cia da VIP. 

Apesar da novidade, o Minist�rio da Sa�de fez quest�o de destacar que o Z� Gotinha, s�mbolo hist�rico da import�ncia da vacina��o no Brasil, vai continuar na miss�o de sensibilizar as crian�as, os pais e respons�veis, participando das a��es de imuniza��o e campanhas do governo.

A poliomielite � uma doen�a grave e mais conhecida como paralisia infantil, por deixar quadros permanentes de paralisia em pernas e bra�os, for�ando parte dos que se recuperam a usar cadeiras de rodas e outros suportes para locomo��o. A enfermidade tamb�m pode levar � morte por asfixia, com a paralisia dos m�sculos tor�cicos respons�veis pela respira��o. Durante os per�odos mais agudos em que a doen�a circulou, crian�as e adultos com casos graves chegavam a ser internados nos chamados “pulm�es de a�o”, respiradores mec�nicos da �poca, dos quais, muitas vezes, n�o podiam mais ser retirados.

Criança tomando  vacina oral poliomielite (VOP)

Pa�ses de todo o mundo est�o substituindo a vacina oral contra a p�lio pela inativada

Fernando Fraz�o/Ag�ncia Brasil
A partir dos dois meses

A vacina��o contra a poliomielite no Brasil � realizada atualmente com tr�s doses da VIP, aos dois, quatro e seis meses de idade, e duas doses de refor�o da VOP, aos 15 meses e aos quatro anos de idade.

A partir do primeiro semestre de 2024, o governo federal come�ar� a orientar uma mudan�a nesse esquema, que deixar� de incluir duas doses de refor�o da vacina oral, substituindo-as por apenas uma dose de refor�o da vacina inativada, aos 15 meses de idade. O esquema completo contra a poliomielite passar�, ent�o, a incluir quatro doses, aos dois, quatro, seis e 15 meses de idade.


A facilidade de aplica��o e o baixo custo contribu�ram para que as gotinhas tivessem sido a ferramenta para o Brasil e outros pa�ses vencerem a poliomielite, explica a presidente da Comiss�o de Certifica��o da Erradica��o da P�lio no Brasil, Lu�za Helena Falleiros Arlant. A comiss�o � uma entidade que existe no Programa Nacional de Imuniza��es (PNI) junto � Organiza��o Pan-Americana de Sa�de (Opas). Em 2023, o programa completa 50 anos.

"Em 1988, havia mais de 350 mil casos de p�lio no mundo. Crian�as e adultos paralisados. Naquela �poca, o que era preciso fazer? Pegar uma vacina oral que pudesse vacinar milh�es de pessoas em um prazo curto para acabar com aquele surto epid�mico. Eram muitos casos no mundo todo, uma trag�dia", contextualiza Lu�za Helena.

Ci�ncia evoluiu

O sucesso obtido com a vacina oral fez com que a p�lio fosse eliminada da maior parte dos continentes, mas pesquisas mais recentes, realizadas a partir dos anos 2000, mostraram que a VOP era menos eficaz e segura que a vacina intramuscular. Em casos considerados extremamente raros, a vacina oral, que cont�m o poliov�rus enfraquecido, pode levar a quadros de p�lio vacinal, com sintomas semelhantes aos provocados pelo v�rus selvagem.

"Crian�as com desnutri��o, com verminoses ou doen�as intestinais podem ter interfer�ncias na resposta � vacina oral. J� a vacina inativada, n�o. Ela protege muito mais, sua resposta imunog�nica � muito mais segura, eficaz e duradoura. H� uma s�rie de vantagens sobre a vacina oral. Tudo isso n�o foi descoberto em uma semana, foram estudos publicados que se intensificaram a partir de 2000."

Desde ent�o, pa�ses de todo o mundo v�m substituindo gradativamente a vacina oral pela inativada, o que j� foi feito por ao menos 14 pa�ses na Am�rica Latina. A meta da Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS) � que a vacina inativada substitua a oral em todo o mundo at� 2030.

A presidente da Comiss�o de Certifica��o da Erradica��o da P�lio no Brasil acrescenta que a vacina inativada produz menos eventos adversos que a oral, e tamb�m traz maior seguran�a para a pessoa vacinada e para a coletividade.


Para compreender essa diferen�a, � preciso conhecer melhor o funcionamento dessas duas vacinas. A oral cont�m o poliov�rus atenuado, isto �, ainda "vivo", por�m enfraquecido, de modo que n�o cause mais a doen�a. J� a vacina inativada recebe esse nome porque o v�rus j� foi inativado, "morto", e n�o h� mais chances de que possa sofrer muta��es ou e se reverter em uma forma virulenta.

Estudos sobre o tema t�m se intensificado a partir dos anos 2000, conta Luiza Helena, e constatou-se que o poliov�rus atenuado que entra no organismo com a imuniza��o pode sofrer muta��es e voltar a uma forma neurovirulenta ao ser excretado no meio ambiente com as fezes. J� se tinha conhecimento dessa possibilidade, pondera a pesquisadora, mas hoje se sabe que ela � mais frequente do que se acreditava.

"Hoje a gente sabe que o v�rus mutante eliminado pelo intestino pode acometer quem est� do lado, e, se essa pessoa n�o estiver devidamente vacinada, ela pode ter p�lio", afirma ela, que acrescenta que alguns fatores contribuem para elevar esse risco, como as baixas coberturas vacinais contra a poliomielite nos �ltimos anos e a exist�ncia de popula��es sem saneamento b�sico, o que pode provocar o contato com esgoto ou �gua contaminada por fezes que cont�m poliov�rus selvagens ou mutantes.

Segundo a pesquisadora, � importante ressaltar que, enquanto pessoas, especialmente crian�as, n�o estiverem devidamente vacinadas com uma vacina eficaz, preferencialmente inativada, n�o estar�o imunes e podem ter a doen�a. Mesmo que haja um contato com o v�rus, vacinados n�o desenvolvem a doen�a.“Os v�rus da p�lio circulam e podem acometer qualquer pessoa. Se essas pessoas, especialmente crian�as, n�o estiverem devidamente vacinadas com uma vacina eficaz, preferencialmente inativada, n�o estar�o imunes e podem ter a doen�a. Mesmo que haja um contato com o v�rus, vacinados n�o desenvolvem a doen�a.” 

Baixas coberturas 

Segundo o Sistema de Informa��es do Programa Nacional de Imuniza��es (SI-PNI), as doses previstas para a vacina inativada contra a p�lio atingiram a meta pela �ltima vez em 2015, quando a cobertura foi de 98,29% das crian�as nascidas naquele ano.

Depois de 2016, a cobertura entrou em uma trajet�ria de piora que chegou a 71% em 2021. Em 2022, a cobertura subiu para 77%, mas continua longe da meta de 95% das crian�as protegidas.

O percentual a que se refere a cobertura vacinal mostra qual parte das crian�as nascidas naquele ano foi imunizada. Isso significa que n�o atingir a meta em sucessivos anos vai criando um contingente cada vez maior de n�o vacinados. Ou seja, se considerarmos os �ltimos dois anos, 29% das crian�as nascidas em 2021 e 23% das nascidas em 2022 estavam desprotegidas. Como mais de 1,5 milh�o de beb�s nascem por ano no Brasil, somente nesses dois anos foram mais de 780 mil crian�as vulner�veis a mais no pa�s.

Leia tamb�m: P�lio e sarampo: como imuniza��o em escolas pode ajudar a reverter queda da cobertura vacinal

As coberturas nacionais tamb�m escondem desigualdades regionais e locais. Enquanto o Brasil vacinou 77% dos beb�s nascidos em 2022, a cidade de Bel�m vacinou apenas 52%, e o estado do Rio de Janeiro, somente 58%.

�rea livre da p�lio

O Brasil n�o detecta casos de poliomielite desde 1989 e, em 1994, recebeu da Organiza��o Pan-Americana da Sa�de (OPAS) a certifica��o de �rea livre de circula��o do poliov�rus selvagem, em conjunto com todo o continente americano.

A vit�ria global sobre a doen�a com a vacina��o fez com que o n�mero de casos em todo o mundo fosse reduzido de 350 mil, em 1988, para 29, em 2018, segundo a OMS. O poliov�rus selvagem circula hoje de forma end�mica apenas em �reas restritas da �sia Central, enquanto, em 1988, havia uma crise sanit�ria internacional com 125 pa�ses end�micos.

Ator e músico Paulinho Dias

Ator e m�sico Paulinho Dias teve p�lio no primeiro ano de vida e vive com sequelas at� hoje

Arquivo Pessoal
Sequelas

Com a elimina��o da doen�a, � cada vez mais raro conhecer algu�m que viva com as sequelas da p�lio, mas essa j� foi uma realidade muito mais frequente no Brasil. O ator e m�sico Paulinho Dias, de 46 anos, conta que teve a doen�a menos de duas semanas ap�s seus primeiros passos, com 11 meses de idade.

 

"A p�lio afetou meus membros inferiores. Da cintura para baixo, afetou ambas pernas, por�m, a maior sequela foi na perna direita, em que fiz mais de dez cirurgias, entre elas de tend�o, de nervo que foi atrofiando e de alongamento �sseo, porque a perna come�ou a ficar curta, porque n�o acompanhou o crescimento da outra. Antes dessa cirurgia, quase n�o encostava o p� no ch�o."

Paulinho se lembra de relatos da m�e de que in�meras crian�as no entorno tamb�m tiveram p�lio. A falta de informa��o na �poca, em 1977, fazia com que muitas fam�lias buscassem benzedeiras na aus�ncia de outros recursos, dando ainda mais tempo para agravamento dos casos e dissemina��o do v�rus.

 

"Eu sempre fui a favor das vacinas, mas confesso que nunca fui panflet�rio em rela��o a elas at� a pandemia de covid-19, que a gente viveu. E tamb�m, em pleno s�culo 21, com o risco de a p�lio voltar e o risco de outras doen�as preven�veis por vacinas voltarem por conta da desinforma��o, movimentos antivacinistas, medos bobos. Sempre que eu posso, falo para as pessoas se vacinarem, porque � um ato de amor. Vacinem seus filhos, poupem de sofrimento."