
“J� nocauteei homens no treino. Nocauteei homens que me desmereceram e acharam que estavam treinando com ningu�m. A mulher de hoje � forte fisicamente, mentalmente”, conta com naturalidade Norma Dumont, 28 anos, profissional de MMA, professora de sanda, o boxe chin�s, atleta de jiu-j�tsu, dona de casa e tamb�m de academia. Essa mineira de BH � a prova de que perseveran�a, f� e muita personalidade s�o fundamentais para o sucesso pessoal e no trabalho. De contrato assinado neste m�s para ser peso-pena (at� 66kg) do Ultimate Fighting Championship (UFC), principal e mais valorizada organiza��o de MMA, invicta (quatro combates), almeja seguir os passos de brasileiras �cones em diferentes modalidades esportivas. E nocautear a express�o ‘sexo fr�gil’.
Norma � filha do meio de Gladislene Aparecida, que deixou BH para morar na vizinha Ribeir�o das Neves no in�cio da d�cada de 90. Sempre apreciou artes marciais e, inspirada em filmes de a��o na adolesc�ncia, come�ou no jiu-j�tsu, aos 14 anos. Com a m�e de volta a BH ao lado das tr�s filhas, largou o esporte para trabalhar num escrit�rio da Vale, na Savassi, enquanto a matriarca abriu um pet shop na capital. F� de futebol, jogou no time feminino do PIC, mas, aos 21, retornou �s lutas e se apaixonou pelo sanda, estilo difundido no Ex�rcito chin�s e que re�ne golpes de kung fu com chutes, socos e quedas. A partir da�, as portas se abriram: conheceu Johny Vieira, atleta profissional (faixa preta), com quem se casou e de quem teve o incentivo para migrar para o MMA. Mas precisava superar o preconceito. “Em 2012, meu mestre de sanda, o Ivan (Pinheiro, da Sanda Brasil), me levou para treinar numa academia de MMA, mas disseram que n�o era o foco treinar uma mulher. Fui para outra equipe, que me abra�ou. N�o me viam s� como mulher, mas como atleta. Isso melhorou. E tratam as mulheres em alto n�vel, respeito, como irm�s.”
Ela ganhou o apelido de ‘Imortal’ gra�as a uma enorme f�nix tatuada nas costas. Norma divide o tempo entre a academia, o Centro de Treinamento Rules, no Bairro Planalto, em BH, onde atua com o marido e principal t�cnico, Johny Vieira, e d� aulas de sanda. A hist�ria de amor come�ou em 2011, conectando-os ainda mais ao MMA. “Conheci o Johny na academia de sanda. Logo come�amos a namorar. Todo o meu plano de luta � de responsabilidade dele: jogo de quedas, troca��o. Se n�o fosse por ele, n�o teria chegado ao UFC. Viu que as portas poderiam se abrir para mim e abdicou um pouco da carreira para me ajudar”.
O come�o
Eu j� sentia que poderia ser atleta. Gostava muito de filmes de lutas, brincava em casa com as irm�s (Nayane e Nayara). A�, com 14 anos, comecei. Tive que parar, depois voltei apenas como atividade f�sica. Fiz a primeira luta e gostei muito. A�, engrenei. Comecei a lutar sanda com a ideia de migrar para o MMA. Passei a treinar jiu-j�ttsu, queria trocar porrada na grade, com luvinhas. As minhas irm�s me incentivaram. Minha m�e ficou assustada. Ainda n�o gosta de ver luta minha, n�o consegue assistir, chora, fica no quarto esperando acabar. Nunca barrou, mas pediu para que eu n�o lutasse. Tive incentivo de amigos, mas poucos pensaram que eu seria profissional de MMA.
Chegada ao UFC
Achei que ia demorar um pouco mais, que teria de fazer mais algumas lutas. Mas reconheceram meu trabalho. Fiquei um pouco desconfiada, s� acreditei quando assinei o contrato. Sou p�s no ch�o, sei da minha qualidade t�cnica, do meu potencial. Treino sanda h� oito anos, estou no jiu-j�tsu h� seis, e no MMA j� s�o cinco. Sei que tenho qualidade para ocupar o topo da categoria, at� disputar o cintur�o. Venci duas lutas no Jungle Fight, lutei no Federa��o Fight, depois no Shooto... Surpreendi e tudo aconteceu antes do esperado. Quando assinei o contrato, queria s� treinar e parecia aluno novo de academia. Temos mulheres de muita qualidade l�, e quero estar no n�vel delas.
Preconceito
O homem que pensa ou trata a mulher assim � porque nunca reconheceu a for�a da mulher. J� ouvi coment�rios do tipo ‘nossa, voc� � t�o bonita, por que luta?’. Voc� tem de ser feia para treinar e se quebrar toda?! Isso � rid�culo! Na academia, todos me perguntam se eu treino com homem, se os caras pegam leve... Eles tentam � me matar, s� isso. A mulher hoje � forte fisicamente, mentalmente, sempre se esfor�a mais nos treinos. A cobran�a vem de fora para dentro. Isso que fez as mulheres crescerem para mostrar que n�o h� diferen�a. Eu ainda escuto que vou machucar o rosto, que vou quebrar o nariz, que eu sou bonitinha e que deveria ser modelo. A�, penso: poxa, essa � a preocupa��o?. Acho que com muita luta isso vai mudar.
Valoriza��o
Para uma mulher treinar no mesmo n�vel de um homem precisa se esfor�ar mais. N�o temos testosterona e n�o estamos bem todos os dias. Creio que isso ser� reconhecido a partir do momento em que as pessoas perceberem o tanto que a mulher trabalha para chegar ao n�vel de um homem. Isso n�o s� na luta, mas em outras �reas. Tenho alunas das quais sou f�. Trabalham o dia inteiro, cuidam da casa, ajudam filhos na escola, marido, enfrentam rotina di�ria e isso � desgastante. Muitas vezes n�o s�o reconhecidas, pois a galera s� quer resultados. Com o tempo, vamos ter reconhecimento.
MMA feminino
Quando voc� trabalha com mulher, � diferente. Sou professora de academia, tenho atletas que s�o m�es, existe a quest�o hormonal e � preciso saber lidar com isso. Da� vem grande parte do preconceito. No esporte ou na �rea de entretenimento, muitas vezes o pr�prio p�blico n�o valoriza tanto. J� ouvi muita gente falando que � preciso ter paci�ncia para assistir a lutas entre mulheres. As lutas femininas no UFC est�o em um n�vel igual ou at� mais alto que os combates entre homens e essa barreira come�ou a ser quebrada, mas na base da porrada. Temos lutas maravilhosas de atletas, � um n�vel absurdo de t�cnica e prepara��o, com muito g�s, at� mais que muitos homens. Fico com orgulho de ver as mulheres lutando. Quebramos barreiras.
Feminic�dio
� muito triste quando a gente abre o jornal e l� uma hist�ria assim. No esporte, com as mulheres cada vez mais fortes, isso vai diminuir. Geralmente, os homens que cometem esse tipo de crime s�o fracos. E n�o s� de for�a f�sica, mas mental. Quanto mais for�a a mulher ganhar em todas as profiss�es, como empres�ria, atleta, artista, quanto mais presen�a a mulher tiver, vai ganhar mais respeito. A mulher vai entender o seu direito, a sua for�a, possibilidade de sair de um relacionamento abusivo, a causa de grande parte dos casos. A gente precisa bater na tecla de que n�o somos objetos e mostrar a for�a das mulheres. A�, eles v�o temer n�o s� fisicamente, mas ter�o a sensa��o de poder cortada. Minha m�e foi espancada durante 13 anos, vivi isso e sei o quanto s�o covardes. Na vis�o deles, podem fazer isso porque n�o h� puni��o. Mas com o tempo isso vai diminuir.
Exemplo
Tenho �dolos no esporte como a (Cris) Cyborg (lutadora do UFC), admiro o trabalho dela. Gosto muito da (Valentina) Shevchenko (campe� peso-mosca do UFC), adoro o estilo dela. A Marta eu sempre acompanhei, desde quando jogava futebol. O que pretendo � ser para a futura gera��o o que essas atletas representam para mim. N�o desistir, ter muita garra e trazer cada vez mais mulheres para o esporte. Quero ser �dola das meninas que est�o chegando, servir de exemplo de for�a, vontade e determina��o. Mostrar que s� podemos chegar l� em cima com um trabalho bom. Eu trabalho para ser campe�, quero surpreender o mundo com grandes lutas. Quero emocionar muitas gera��es. Quero ajudar as pessoas a valorizar, abrir a cabe�a e mostrar que mulher tamb�m sabe brigar.
