Ele sentiu o gosto da fama. Foi �dolo de tr�s torcidas: Atl�tico, onde tudo come�ou, Bangu e Botafogo. Com a Sele��o Brasileira, disputou a Olimp�ada de Montreal’1976. Chegou a ostentar, pois morou em uma mans�o em Jacarepagu�, no Rio de Janeiro, e tinha uma Mercedes. Mas uma trag�dia – a morte do filho Marlon, com apenas um ano e sete meses, na piscina dessa mans�o – o fez perder o norte. Hoje, doente, vive na periferia de Belo Horizonte, cuidado pelos filhos do primeiro de seus tr�s casamentos. E � com a ajuda deles que M�rio Jos� dos Reis Emiliano, o Marinho, ex-ponta-direita, de 62 anos, tenta dar a volta por cima.
Ele quer voltar a trabalhar e poder seguir com a vida. Sonha tamb�m em rever aqueles que considera amigos de verdade: os ex-companheiros do Galo Jo�o Leite, Cerezo, Heleno, Jo�o Alfredo, Paulo Isidoro, Reinaldo e Marcelo, a quem, carinhosamente, chama pelo apelido dos tempos de juvenil, “Pacote”.
O come�o

A hist�ria de Marinho com o futebol come�ou cedo, ainda crian�a, pois gostava de correr atr�s de uma bola em campos de terra, em especial no bairro onde morava, o Bet�nia. Quando fala desse tempo, lembra-se da m�e, dona Efig�nia. “Ela era trabalhadeira. Enfermeira do Hospital Militar. Mas tinha dias que tinha de lavar defunto. Contava isso pra gente em casa.”
Eram sete irm�os, sendo ele e mais tr�s do casamento da m�e, e outros tr�s de cria��o. “N�o sei onde anda meu pai”, diz ele, olhando pra baixo. Era um per�odo dif�cil, em que o dinheiro era escasso. Dona Efig�nia decidiu, ent�o, quando Marinho fez 11 anos, mand�-lo para o Internato Caio Martins, em Esmeraldas. Queria que o filho estudasse e se tornasse algu�m, talvez doutor. Quando estava em seu segundo ano, a m�e morreu.
Fora do internato, Marinho acabou chegando ao Atl�tico. “Eu fui para o infantil. O treinador era o Z� das Camisas. Cheguei na Vila Ol�mpica e fiquei fascinado. Ver Dario, Tel�... Tinha vergonha de chegar perto deles.”
O tempo foi passando, e Marinho se destacando. Era um ponta-direita veloz e habilidoso, de cruzamentos perfeitos. Isso fez com que Z� das Camisas o indicasse para o treinador do juvenil, Barbatana. Marinho pulou a fila. Ficou muito pouco tempo no infanto e foi levado para o juvenil.
E do juvenil para o time principal foi um pulo. “De repente, eu estava treinando no profissional e jogando no Mineir�o. Era um time fant�stico, que tinha Cerezo, Danival, Reinaldo, Paulo Isidoro, Marcelo. Tenho muita saudade desse time, desses meus amigos. Esses s�o os verdadeiros”, diz o ex-jogador, que conquistou sete t�tulos com o Galo: bicampe�o da Ta�a S�o Paulo (1974/76), bicampe�o mineiro (1976 e 1978), bicampe�o da Ta�a Minas Gerais (1975/76) e campe�o dos campe�es (1978).
Sele��o
E foi no Atl�tico que veio a sua primeira convoca��o para a Sele��o Brasileira, a Ol�mpica, para a disputa dos Jogos de Montreal'1976, no Canad�. “Vestir a camisa da Sele��o Brasileira � um orgulho muito grande. Tinha duas paix�es, o Atl�tico e a Sele��o. Estava realizando meu segundo desejo.”
Vida longe de casa
O ano de 1978 chegou e a vida de Marinho mudou radicalmente. Seu rendimento havia ca�do, segundo o treinador da �poca, Barbatana, porque o jogador se tornara indisciplinado, bebia, dormia pouco e n�o se aplicava mais. Acabou encostado. Isso resultou na sua transfer�ncia para o Am�rica de S�o Jos� do Rio Preto, trocado por outro ponta-direita, Pedrinho.
“S�o Jos� do Rio Preto era um lugar bom. Eu era casado com a T�nia. Dois dos meus filhos nasceram l�, o Marinho, hoje com 39 anos, e a Priscila, 40. L� era muito bom. A torcida gostava de mim. Fazia gols e dava dribles desconcertantes.”
E foi num jogo contra o Bangu, no Rio de Janeiro, em 1982, que come�aria a terceira fase da vida do ex-ponteiro. “Foi um jogo no Rio, acho que pelo Rio-S�o Paulo. Ganhamos do Bangu por 2 a 0. Fiz os dois gols. O Castor de Andrade ficou louco comigo e mandou me contratar.”
E quando fala de Castor de Andrade, bicheiro e na �poca presidente do Bangu, Marinho se transforma. Os olhos brilham. “Olha, ele gostava muito de mim. Ajudou-me demais. Era Deus no c�u e Castor na terra.” Marinho foi morar em Bangu. Tornou-se o �dolo local. E foi jogando pelo Bangu que Marinho recebeu o maior pr�mio de sua carreira, o Trof�u Bola de Ouro como melhor jogador do Campeonato Brasileiro de 1985. O Bangu disputou a final contra o Coritiba, que ficou com o t�tulo.
Ali�s, esse trof�u ainda existe, mas a bola est� toda amassada, com o pedestal quebrado, um detalhe que deixa Marinho, filho do jogador, bastante triste. “Quando trouxemos meu pai para BH, ano passado, fui at� a casa em que ele deveria viver com a terceira esposa. Encontrei as poucas coisas dele jogadas no ch�o de um quarto, todo sujo. Os filhos dele, desse casamento, n�o ligam pra ele. Catei tudo e l� estava o trof�u, partido no ch�o.”
Marinho, agora, n�o larga mais o trof�u. E recorda a conquista de seu �nico t�tulo pelo time do sub�rbio carioca: campe�o da Ta�a Rio'1987. E tinha tamb�m a Escola de Samba Padre Miguel, que tinha Castor de Andrade como patrono. Marinho sempre foi apaixonado por samba. Adora sambar. Desfilou tr�s vezes no Samb�dromo carioca. E ao carregar o trof�u Bola de Ouro, d� sempre uma sambadinha.

Jogo do bicho
Mas a primeira passagem de Marinho pelo Bangu chegaria ao fim e a ida para o Botafogo, em 1988, ocorreu em um epis�dio um tanto quanto estranho. “Olha, o Botafogo queria n�o s� que eu fosse para l�, mas tamb�m o Mauro Galv�o e o Paulinho Crici�ma. Pois n�o � que fomos trocados? Mas n�o foi por outros jogadores. Disseram-me que foi por pontos do jogo de bicho que o Dr. Castor queria. Acertou com o presidente do Botafogo, Emil Pinheiro, que tamb�m era bicheiro.” No Botafogo, foi bicampe�o carioca (1989/90).
A dor maior
O Botafogo era uma realidade bem diferente do Bangu. “L� em Mo�a Bonita era a favela, todo mundo fam�lia, mas no Botafogo a riqueza, a nobreza e, de certa forma, uma solid�o”, conta. E foi no clube da Zona Sul que conheceu a maior dor de sua vida e teve in�cio a derrocada. “Eu estava com a perna quebrada. Uma equipe de televis�o foi at� minha casa, em Jacarepagu�, e l� tinha at� piscina, para fazer uma entrevista. Eu estava s�, em casa, com meu filho mais novo, o Marlon, ent�o com um ano e sete meses. Eu n�o vi quando ele se aproximou da piscina e caiu nela, morrendo afogado.”
O mundo de Marinho virou de cabe�a para baixo. “Meu ch�o desapareceu. N�o sabia mais o que ia fazer. Meu filho tinha morrido, ali, pertinho de mim e eu n�o fiz nada. Foi na minha frente. N�o tinha vontade de fazer mais nada.”
“A partir desse dia, 12 de fevereiro de 1988, me entreguei � bebida. Bebia o dia todo. Em casa, tomava, por dia, uma garrafa de conhaque”, conta ele, que viu a vida familiar se desmoronar. Nem mesmo jogar conseguia mais. Voltou ao Bangu, mas n�o deu certo. “O futebol tinha acabado.”
Ele chegou a morar em sua Mercedes, lembran�a dos �ureos tempos. “Eu acabei saindo de casa e fiquei morando no meu carro por 10 dias. Bebia muito.”
Ele quase n�o se recorda dessa �poca, pois conta que estava fora de si, entregue � bebida. “Eu virei, praticamente, um mendigo. Perambulava pelas ruas de Bangu e Realengo. Dormi diversas vezes debaixo de viadutos.”
Os filhos do primeiro casamento, Jo�o Marinho e Priscila, � que tentavam ajud�-lo. Diversas vezes o tiraram da rua e o levaram para casa, em Realengo. Esse � um per�odo do qual Marinho n�o se recorda bem. E foi quando teve in�cio outra fase terr�vel de sua vida. “Ele contraiu tuberculose e acabou internado num hospital, em Padre Miguel. Mas n�o p�de ficar l�. Fui at� l� no ano passado e o busquei”, conta o filho Marinho. Mas antes disso os irm�os haviam feito tentativas, em v�o, de trazer o pai para Belo Horizonte.

Nova chance
Hoje, Marinho vive numa casa que foi comprada por ele, com o dinheiro do futebol. Ali�s, a �nica coisa que restou. Priscila mora na casa maior do terreno. Jo�o Marinho na menor. L� est�o dois netos, Maria Eduarda, de 11 anos, e Jo�o V�tor, de 13, que tamb�m quer ser jogador de futebol. Eles s�o a paix�o do av�, que sonha com uma nova vida. “Olha, quero me curar. Estou tratando a tuberculose e tamb�m fa�o um tratamento de pr�tese no Hospital Alberto Cavalcanti. Tudo o que est� acontecendo comigo, devo aos meus filhos. Hoje eu n�o sou mais o pai deles, pois eles � que cuidam de mim”, diz Marinho sorrindo e abra�ando os filhos e netos.
Mas ele ainda se recente da falta de amigos e dos irm�os. “Eu gostaria de reencontrar aquela turma do Atl�tico. Os que jogaram comigo e eram meus amigos. O Jo�o Leite, o Reinaldo e o Paulo Isidoro j� me ligaram. Mas gostaria de rever todos. Falo com minhas irm�s pelo telefone, mas muito pouco. Gostaria de reencontrar Terezinha, Eliane e Mariinha.”
A palavra dos companheiros atleticanos
'Ele era muito divertido. Em campo, driblava como ningu�m e batia tanto com a direita, como com a esquerda. Uma vez, viajamos para uma excurs�o na Ar�bia Saudita. L� n�o podia nada, nem beber cerveja, nem sair � rua. Ele estava entediado, como todos n�s. Depois, fomos para a Indon�sia, e l� podia tudo. O Ortiz, goleiro, avisou que tinha cerveja, vinho, tira-gosto no seu quarto. Foi uma festa, principalmente quando o Marinho colocou m�sicas de carnaval. Ele era a maior divers�o do nosso grupo. O problema foi que o Barbatana descobriu.'
Marcelo Oliveira
'O Marinho era impressionante como jogador. � um jogador que fazia, naquela �poca, o que os t�cnicos exigem hoje e quase ningu�m consegue. � o que chamam de arco. Para cruzar, n�o precisa ir � linha de fundo. Ela fazia isso com facilidade. Ele era moderno para a �poca.'
Heleno
'Tive o prazer em jogar com o Marinho desde o infantil. � um dos maiores atacantes que j� vi. Um jogador de for�a e habilidade. Pena que saiu cedo do Galo. Ganhamos tudo juntos, desde o infantil at� o profissional. � um amigo e uma pessoa muito boa.'
Reinaldo