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Estado de Minas DIA INTERNACIONAL DA MULHER

Torcedoras mineiras superam o preconceito nos est�dios

Elas se dispuseram a enfrentar toda forma de discrimina��o para assistir �s partidas do time do cora��o e contam suas hist�rias


postado em 08/03/2020 04:00 / atualizado em 08/03/2020 00:51

Nos anos 1980, Gorete Laignier (E) chegou a ser repreendida pelo chefe por ir aos jogos(foto: Arquivo pessoal)
Nos anos 1980, Gorete Laignier (E) chegou a ser repreendida pelo chefe por ir aos jogos (foto: Arquivo pessoal)
 

A cada ano, o 8 de mar�o ganha mais f�lego na luta das mulheres pela igualdade. N�o por acaso. Ainda � grande a batalha para superar o machismo incrustado em todos os setores e mostrar que o feminismo e sua busca pela equidade de g�nero precisam ser premissas b�sicas de qualquer sociedade. No futebol, a luta � dentro de fora de campo. Nas quatro linhas, com o clamor por mais estrutura para os times femininos. Na arquibancada, com a expectativa de um ambiente mais receptivo para as mulheres. E para mostrar como esse anseio � antigo, o Estado de Minas ouviu relatos de mulheres de todas as idades, que desafiaram os obst�culos para fazer valer sua vontade de estar nos est�dios.


A rela��o de Gorete de Oliveira Laignier, de 67 anos, com o futebol vem da adolesc�ncia. Nascida em Pocrane, no Vale do Rio Doce, ela jogou bola na adolesc�ncia, per�odo em que a mulher era coibida a praticar o esporte. E foi pelas ondas do r�dio que escolheu o time de cora��o: “Em 1962, minha m�e comprou um r�dio para ouvirmos a Copa do Mundo. E assim tamb�m acompanhei o Cruzeiro, campe�o da Ta�a Brasil de 1966 com Tost�o e companhia, e me tornei cruzeirense”.

Desde 1969, ela ia ao Mineir�o eventualmente. A partir de 1971, quando se mudou para BH, passou a ir a todos os jogos do Cruzeiro. Casou-se com Gilmar, igualmente cruzeirense, e as idas ao campo continuaram. Gorete viu muitas mudan�as ao longo desse tempo, sobretudo comportamentais. E tem como provar: nos anos 1980, ela foi v�tima de preconceito por gostar de futebol: “Era funcion�ria de uma multinacional e meu gerente me viu no est�dio. No outro dia, ele me chamou e disse que eu precisava ter uma postura mais adequada, dentro do que a sociedade esperava, que n�o era legal ir a est�dio. Se um funcion�rio da linha de produ��o me visse, eu n�o poderia reclamar se me assediasse. Eu me senti invadida, mas continuei indo aos jogos”.

Discrimina��o, ressalta, restrita ao futebol. “Sempre fui a jogos de v�lei no Minas, antes de haver a equipe do Cruzeiro, e a competi��es de nata��o. Frequentei o Mineirinho desde a inaugura��o. N�o havia estranhamento, discrimina��o com a mulher na torcida. Por que no futebol?”, questiona.

Gabrielle Salazar foi chamada de 'maria-chuteira' por criticar vaia a jogador(foto: Arquivo pessoal)
Gabrielle Salazar foi chamada de 'maria-chuteira' por criticar vaia a jogador (foto: Arquivo pessoal)

A americana Gabrielle Salazar Pereira, estudante de ci�ncias cont�beis, � de outra gera��o – tem 23 anos –, mas tamb�m j� sentiu na pele o preconceito. Foi em 2018. “N�o gosto que vaiem jogador, estamos ali para apoiar. Em um jogo, vaiaram o atacante Luan e fui defend�-lo, porque ele demonstrava ra�a. Fui chamada de ‘maria-chuteira’ por um torcedor. Na vis�o dele, eu o estava defendendo porque queria ter algo com o Luan”.

Ela diz perceber melhorias na conviv�ncia nas arquibancadas, e muito disso vem de campanhas feitas pelos clubes, como o Am�rica, que estimula a presen�a feminina ao franquear a entrada no Independ�ncia. Contudo, cobra: “T�o importante quanto a mulher querer acompanhar futebol � o homem entender que o est�dio n�o � ambiente exlusivo dele. Eles precisam compreender que a nossa paix�o pelo time � igual � deles”.

Curiosa foi a forma como Gabrielle se aproximou do Coelho. Ela foi ao Horto porque o pai, Paulo Pereira, atleticano, queria conhecer o Independ�ncia p�s-reforma. “Foi um jogo do Mineiro de 2012, entre Am�rica e Boa, como domingo (hoje), e me apaixonei pelo Am�rica”, diz, destacando que o pai sempre tentou lev�-la para o lado alvinegro. Sem sucesso. J� ela angariou torcedores para o Coelho: a m�e, Rosiane, e o namorado, Abner.

Casos de fam�lia

A advogada Poliana Oliveira Fonseca, de 40, tem o amor pelo Cruzeiro no sangue. Frequenta o Mineir�o desde crian�a ao lado da irm�, Cinara, de 42, levadas pelo pai, Haldson Fonseca. “A idade foi chegando e o meu pai passou a n�o ir a tantos jogos, mas vou com a minha irm�, que � mais apaixonada do que eu pelo Cruzeiro”, conta. O marido, Gustavo Monteiro, atleticano, s� a acompanhou no in�cio do namoro, como estrat�gia de flerte. “Foi para me agradar”, conta, antes de admitir: “� ruim mesmo estar no est�dio numa torcida que n�o � a do seu time, entendo”.

Poliana Fonseca não só vai a campo como leva a filha, Isabella, de 6 anos(foto: Arquivo pessoal)
Poliana Fonseca n�o s� vai a campo como leva a filha, Isabella, de 6 anos (foto: Arquivo pessoal)

Precavidas, Poliana e Cinara esquematizam bem a chegada e a sa�da do est�dio, medida adotada por muitas mulheres para se sentirem mais seguras: “A gente chega cedo, estaciona no Mineir�o e fica no setor roxo, mais distante das organizadas e com mais fam�lias, pelo menos na minha percep��o”. O cuidado faz sentido: ela costuma levar a filha Isabella, de 6, seguindo a tradi��o familiar. Mas a pequena ainda n�o decidiu se seguir� o cora��o celeste da m�e ou o alvinegro do pai. “Ela tem uma inclina��o pelo Atl�tico, mas respeitarei se for essa a escolha. Quero � que goste de ir ao campo e aproveite muito, porque comigo e o meu pai foi assim, era o nosso lazer favorito.”

Para Renata M�rcia de Morais Nery, de 45, auxiliar administrativo, a paix�o pelo futebol – e principalmente pelo Atl�tico tamb�m � heran�a de fam�lia. Quem sempre esteve ao lado dela nos campos foi a m�e, Angela Bissoli, que morreu em 2013. “Vivemos muitas hist�rias pelo Atl�tico. O �ltimo jogo a que ela assistiu foi Atletico x Tijuana, e a �ltima frase que me disse, quando o Victor defendeu o p�nalti, foi: 'Doido demais, n�?'. Antes de partir, ela me falou que a final da Libertadores seria contra o Olimpia. E acertou!”, conta, emocionada.

 

Renata perdeu a mãe, Angela, em 2013. Até o último momento, acompanhou o Atlético ao lado dela (foto: Arquivo pessoal)
Renata perdeu a m�e, Angela, em 2013. At� o �ltimo momento, acompanhou o Atl�tico ao lado dela (foto: Arquivo pessoal)

Renata diz ter passado pouco aperto em est�dio. “A �nica coisa � que, como ia muito com minha m�e, o pessoal a chamava de minha sogra e ela respondia meio atrevida”, revela, dizendo o que acha que precisa melhorar. “O respeito precisa estar acima de tudo, saber que a mulher pode tudo e sabe tudo, como os homens. O futebol � de todos os g�neros!”, diz, mensagem que quer ensinar �s fi- lhas Rebeca, de 20, e Bruna, de 6.

Let�cia Lopes, de 40, t�cnica de enfermagem, come�ou a acompanhar o Am�rica na adolesc�ncia, pois a base treinava perto da casa dela, no Vale Verde, em Contagem. “Assistia aos treinos da janela do apartamento”, diz. “Era uma gera��o que tinha Som�lia, Ir�nio, e eles foram subindo e continuei seguindo no profissional.”

Letícia Campos (C) vai comemorar a data no Horto com a família e as amigas (foto: Arquivo pessoal)
Let�cia Campos (C) vai comemorar a data no Horto com a fam�lia e as amigas (foto: Arquivo pessoal)

M�e de dois meninos –  Luiz Fernando, de 11, e Marcus Vin�cius, de 17 –, ela est� gr�vida de oito meses da primeira menina, Helena. Onde estar� hoje, no Dia da Mulher? “Vou com meu marido, Kesley, ao Independ�ncia. Precisamos ir para que eu tire foto gr�vida, quero essa lembran�a. O problema � que minhas camisas do Am�rica n�o est�o servindo...”


Let�cia nota mudan�as no perfil da torcida: “H� mais mulheres, de crian�as a jovens e senhoras. � bacana porque mostra que o lugar da mulher � onde ela queira estar”.

A atleticana Leide Botelho, jornalista, de 41, vai al�m. Para ela, o machismo no meio do futebol envolve tamb�m mulheres. “Sempre frequentei est�dio, mas de 2016 para c�, desde aquele desfile de modelos de biqu�ni no lan�amento do uniforme do Galo, eu meio que me desencantei ao ver tanto machismo, at� mulheres defendendo. Ao longo dos anos, mudei muito minha postura como torcedora. Eu gritava ‘maria’, ‘bicha’, em jogo do Cruzeiro. Depois que entrei na faculdade, passei a ver as coisas de forma diferente”.

Para Leide Botelho, o feminismo deve entrar em campo para que a mulher se sinta segura em qualquer ambiente(foto: Arquivo pessoal)
Para Leide Botelho, o feminismo deve entrar em campo para que a mulher se sinta segura em qualquer ambiente (foto: Arquivo pessoal)


Ainda assim, ela diz, a chama permanece acesa. E por um motivo especial: “As bandeiras que levanto t�m me feito resistir, por acreditar que o futebol tem fun��o social tamb�m. Preciso estar na arquibancada ocupando um lugar que tamb�m � da mulher. N�o podemos abrir m�o de estar ali. � preciso que a mulher se sinta confort�vel, segura, em qualquer lugar. Inclusive nos est�dios”.

 

 

Mineir�o incentiva o debate


Neste m�s, o Mineir�o d� in�cio ao terceiro ano do movimento Repense, que prop�e refletir sobre a presen�a feminina nos est�dios. At� o fim do ano ser�o promovidos eventos que discutir�o assuntos como o respeito �s mulheres e o que pode ser feito para que um ambiente ainda t�o masculino seja mais acolhedor a elas.

O movimento surgiu internamente, na busca por melhorias para as funcion�rias do Gigante da Pampulha, e chegou �s torcedoras. Conforme Ludmila Ximenes, gerente de comunica��o e rela��es institucionais do Mineir�o, resultou at� em altera��es pontuais na opera��o do est�dio: “No 8 de mar�o sempre se fala muito sobre o assunto, mas o Mineir�o busca um trabalho mais perene. Com isso, aprendemos e aprimoramos nossa opera��o. A partir do relato delas, vimos que atitudes muito simples teriam grande import�ncia, como a conscientiza��o dos torcedores, pelo tel�o, sobre o respeito �s mulheres; o aumento do efetivo feminino nas portas de banheiros e de seguran�as na revista feminina”.

De 2018 pra c�, o Mineir�o registrou aumento de 40% na presen�a feminina. O Repense � uma oportunidade para debates sobre ass�dio, viol�ncia e mercado de trabalho. “As mulheres querem os homens engajados tamb�m. E o Mineir�o quer abrir o debate e gerar o di�logo”, destaca Ludmila.

Ao longo deste m�s, entre outros eventos, haver� quatro edi��es do Mineir�o Chat, projeto de workshops e sess�es de talks produzidos pelo est�dio com a presen�a de mulheres de destaque em diferentes �reas de atua��o. Aos s�bados, visitas tem�ticas com jogadoras e jornalistas no Museu Brasileiro do Futebol, gratuitas. Ainda neste ano, o museu receber� uma sala totalmente dedicada ao futebol feminino, com os grandes nomes do esporte e as maiores conquistas.

O Am�rica tamb�m promove a��o dedicada �s mulheres. Na ter�a-feira, �s 19h30, na sede administrativa, far� a primeira edi��o da Roda de Conversa “Lugar de mulher � no est�dio!”, em parceria com a Campanha +Mina no Est�dio. A inscri��o � gratuita e torcedoras de todos os times s�o bem-vindas. Participam do debate a psic�loga Aparecida Mendes de Paiva e a delegada de pol�cia Elaine Matozinhos.

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