
Em fevereiro de 2022, a empresa do setor de energia onde Mark trabalha - com sede em Ohio, nos Estados Unidos - disse que ele precisaria retornar ao escrit�rio.
Os patr�es de Mark, que � engenheiro de software, elogiaram sua produtividade durante o trabalho � dist�ncia - afinal, ele nunca havia perdido um prazo. Mas, em uma empresa com mais de mil funcion�rios, o departamento onde Mark trabalha foi o primeiro a receber instru��es para retornar ao escrit�rio tr�s dias por semana.
"Nossa equipe � pequena e todos n�s temos boa sintonia. N�o precisamos estar l�", argumenta Mark (seu sobrenome � omitido para evitar problemas no seu emprego). "Estar no escrit�rio n�o traz benef�cios para minhas responsabilidades di�rias - posso realizar todas as minhas tarefas em casa."
Para Mark, a realidade � que apenas a sua equipe de cinco pessoas e outros poucos funcion�rios est�o de volta ao local de trabalho. "Posso contar nos dedos o n�mero de empregados presentes na maior parte dos dias. Estamos na base da pir�mide e fomos simplesmente informados que precisamos estar no escrit�rio", relata ele.
Mas os colegas de n�vel s�nior da mesma companhia ainda conseguem trabalhar de forma remota. Alguns deles est�o trabalhando enquanto viajam pelos Estados Unidos.
"Eles nunca est�o no escrit�rio", segundo Mark. "N�s tivemos reuni�es com toda a empresa e esses funcion�rios participaram por v�deo em locais tur�sticos. Algu�m deve ter comentado sobre as imagens e eles desligaram as c�meras nas reuni�es seguintes."
Para Mark e sua equipe, essa disparidade entre quem trabalha remotamente e quem precisa voltar ao escrit�rio vem criando atritos. Diferentes funcion�rios s�o submetidos a regras diferentes e parece injusto que o racioc�nio por tr�s das decis�es nunca tenha sido explicado.
"[Essa quest�o] nunca foi comentada pela ger�ncia", relata ele. "N�s podemos apresentar questionamentos sobre o retorno ao escrit�rio durante as reuni�es virtuais, mas eles nunca s�o respondidos diretamente."
� medida que as restri��es causadas pela pandemia s�o suspensas, cada vez mais empresas v�m convocando seus funcion�rios de volta aos escrit�rios, mas as regras n�o s�o universais para todos os trabalhadores. Alguns empregadores est�o abrindo exce��es individuais, ou para grupos espec�ficos de funcion�rios, em decis�es dificilmente explic�veis quando o mundo volta a ocupar o escrit�rio. Enquanto alguns comportamentos s�o exigidos da maioria dos trabalhadores, outros recebem permiss�o para manter acordos espec�ficos.
E, com funcion�rios em uma mesma empresa trabalhando com regras de presen�a muito diferentes, as tens�es est�o come�ando a borbulhar at� a superf�cie, com consequ�ncias para a din�mica do trabalho.
'N�o h� pol�ticas claras'
N�o surpreende que chamar os funcion�rios de volta para o escrit�rio esteja criando dificuldades.
Quando a pandemia chegou, os funcion�rios precisaram adotar o trabalho remoto quase da noite para o dia. Sobrevieram os lockdowns e os trabalhadores enfrentaram enormes transtornos nas suas vidas di�rias.
Os gestores ent�o precisaram ser flex�veis para decidir quando e onde as equipes realizariam seus trabalhos. Em alguns casos, pais mudaram seus hor�rios e pessoas sem espa�o dispon�vel para trabalho nas cidades mudaram-se para o campo.
Dois anos depois, muitos trabalhadores criaram ambientes de trabalho personalizados que os mant�m produtivos fora dos padr�es tradicionais de trabalho no escrit�rio. E os empregadores de alguns desses funcion�rios agora n�o oferecem acomoda��es que permitam manter esse padr�o.
Esse grupo poder� incluir pessoas que se mudaram para longe do seu local de trabalho durante a pandemia e agora querem manter seus empregos de forma remota. E h� tamb�m os novos funcion�rios, j� contratados para trabalho remoto.
Mas uma grande parte da for�a de trabalho est� sendo instru�da pelos mesmos patr�es a voltar ao escrit�rio para trabalho h�brido ou em tempo integral. Isso criou um problema para os empregadores: o aparente favoritismo demonstrado ao conceder flexibilidade a alguns trabalhadores selecionados, ao mesmo tempo em que s�o impostas restri��es � maioria.
� f�cil para os patr�es convocar os funcion�rios que ainda moram a uma dist�ncia razo�vel do escrit�rio e os empregados em n�vel j�nior. Mas os trabalhadores em n�vel s�nior e intermedi�rio podem ter maior influ�ncia para manter os acordos flex�veis.
"Muitas vezes, os funcion�rios com mais experi�ncia defendem vigorosamente seu desejo de pr�ticas remotas ou h�bridas", afirma Helen Hughes, professora da Escola de Neg�cios da Universidade de Leeds, no Reino Unido. "Eles frequentemente j� det�m influ�ncia e capital social, com base nas rela��es e na reputa��o j� constru�das."
Considerando a atual falta de m�o de obra, trabalhadores experientes poder�o tamb�m estar em alta procura - particularmente em setores em que a competi��o por talento � mais intensa. E, se as empresas quiserem manter esses trabalhadores, elas precisar�o fazer concess�es em alguns casos.
Mas oferecer condi��es de trabalho especiais a alguns funcion�rios pode criar a sensa��o de iniquidade, possivelmente dividindo equipes e alimentando ressentimentos. "Se as decis�es sobre quem trabalha de casa e quem precisa ir ao escrit�rio parecerem injustas, com alguns funcion�rios conseguindo acordos melhores, existe o potencial de dividir as equipes que est�o dentro e fora do local de trabalho", segundo Hughes.
Ela acrescenta que essa situa��o traz o risco de intrigas e de divis�o da for�a de trabalho em dois campos - a maioria dos funcion�rios no escrit�rio e uma minoria de trabalhadores remotos -, o que pode criar cis�es entre as equipes.
E a falta de coes�o em uma empresa, aliada ao descontentamento dos funcion�rios, pode gerar uma s�rie de consequ�ncias negativas, com potencial impacto � din�mica do trabalho, segundo Amy Butterworth, diretora consultiva da empresa de consultoria sobre trabalho flex�vel Timewise, com sede em Londres. Para ela, "a qualidade do trabalho ser� prejudicada, existe um forte golpe com rela��o � inclus�o e voc� n�o conseguir� o melhor retorno das equipes".
� medida que as empresas lutam para elaborar pol�ticas de retorno ao escrit�rio, a falta de explica��es plaus�veis dos patr�es pode exacerbar a tens�o acumulada.
Quando Sarah, funcion�ria de uma ag�ncia digital, come�ou no seu novo emprego no norte da Inglaterra, seu patr�o disse que eles precisariam dela no escrit�rio em tempo integral, porque ela morava em local pr�ximo. Mas seus colegas tinham autoriza��o para trabalhar de forma remota porque moravam mais longe.
"Meu patr�o n�o tinha uma pol�tica clara sobre o trabalho flex�vel: ele simplesmente decidia conforme as coisas aconteciam", segundo ela. "Eles disseram que, como para mim era mais f�cil ir ao escrit�rio, eu deveria estar l� todos os dias."
Para Sarah, essa din�mica de trabalho n�o criou ressentimento contra seus colegas, mas sim contra o seu empregador. "No fim das contas, eu estava sendo punida pelo local onde morava. O trabalho flex�vel n�o deve estar relacionado com a sua proximidade do escrit�rio", afirma ela.

'Os pr�prios gerentes s�o fantasmas'
Para selecionar quais funcion�rios precisam voltar ao escrit�rio e quais podem trabalhar de forma flex�vel, os empregadores est�o inadvertidamente criando din�micas de trabalho desequilibradas, o que est� levando alguns trabalhadores a questionar essa tomada de decis�es em n�vel corporativo. No caso de Mark, ele est� particularmente irritado porque a empresa onde ele trabalha deixou de explicar por que os funcion�rios que trabalhavam de forma produtiva em ambientes remotos deveriam ser for�ados a voltar para o escrit�rio.
"Fomos simplesmente informados que precisamos voltar, mas os pr�prios gerentes s�o fantasmas", afirma ele. "Se o acesso � internet for tudo o que � necess�rio para desempenhar suas tarefas, o trabalho n�o deveria ficar restrito a nenhum local espec�fico."
Butterworth afirma que estabelecer pr�ticas de trabalho justas, em �ltima an�lise, resume-se a consultar diretamente os funcion�rios.
"Se um trabalhador reluta em voltar ao escrit�rio, o empregador precisa demonstrar a import�ncia para o indiv�duo, para o seu trabalho e para a equipe como um todo. E, se as pessoas tiverem sido contratadas especificamente para trabalho remoto, � preciso comunicar por que elas t�m uma estrutura diferente", explica ela.
Compreender por que os empregadores permitem que um funcion�rio trabalhe de forma remota e pedem a outro que venha ao escrit�rio pode ajudar a reduzir a tens�o das equipes. Para Butterworth, "a quest�o � examinar as necessidades do cargo, da equipe e do funcion�rio. Se as pessoas entenderem essas decis�es, fica mais f�cil encontrar uma solu��o."
O risco � que, sem estabelecer considera��es cuidadosas e processos transparentes, alguns funcion�rios se sentir�o prejudicados se for solicitado seu retorno ao escrit�rio enquanto outros permanecem em trabalho remoto. Al�m de um ataque instant�neo � sua motiva��o, isso pode criar problemas entre os colegas, causando divis�es profundas no local de trabalho a longo prazo.
Com poucas explica��es sobre os motivos de precisar estar no escrit�rio enquanto outros podem trabalhar de qualquer local, Mark agora est� procurando outro emprego. "[Os gerentes] usam frases como 'constru��o de equipes' e 'colabora��o' para justificar o retorno ao escrit�rio", relata ele. "Mas n�o acho justo que os funcion�rios que n�o s�o essenciais para o local de trabalho compare�am ao escrit�rio. As empresas que forem incapazes de oferecer flexibilidade acabar�o deixando escapar os funcion�rios de qualidade."
Leia a �ntegra desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Worklife.
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