Ator esteve no "Lady Night", de Tat� Werneck, em mar�o do ano passado (foto: Multishow/Divulga��o)
Em tempos de discuss�o sobre a import�ncia de uma certa bagagem para atores em pap�is de destaque na TV, Ary Fontoura surpreende ao dizer que, mesmo com mais de 70 anos dedicados � interpreta��o, ainda se considera incompleto.
"Sempre fiz muita coisa junto e em quantidade, n�o sei se em qualidade", afirma. "Costumo reprovar v�rios trabalhos que fa�o, penso que poderia ter ido melhor. Sou intransigente comigo mesmo. Quando revejo atua��es antigas eu fico louco, se eu fizesse agora seria melhor", conta o artista.
No �ltimo dia 27 de janeiro, Ary comemorou 90 anos de vida, 74 deles dedicados � dramaturgia, ou como ele gosta de dizer, � eterna "procura por emprego". Astro de novelas como "Saramandaia" (1976), "A Indomada" (1997), "Chocolate com Pimenta" (2003) e "A Favorita" (2008), o ator revela que n�o se acomoda nem pensa em aposentadoria t�o cedo. "A energia que sentia antes n�o � a mesma de hoje, eu sei. Mas entendo os passos que posso dar."
No bate-papo, Ary Fontoura tamb�m diz que n�o teme a morte e d� sua opini�o sobre o conturbado momento pol�tico que vive o Brasil, algo que costuma tirar um pouco de seu bom humor. "Como todo cidad�o, estou preocupado com meu pa�s e lamento que tenhamos chegado a esse ponto." Leia a entrevista completa abaixo:
Ary Fontoura interpretou o Bar�o de Ouro Verde, em "Orgulho e Paix�o" (2018) (foto: Raquel Cunha/Globo)
Quase aos 90 anos, que reflex�o faz sobre a vida at� agora?
A coisa mais importante na minha vida � que aos 90 anos eu estou saud�vel. Reconhe�o, n�o s�o todos os que chegam a esse ponto nessa condi��o, mas sempre estou agradecendo, sempre gostei de viver, valorizei a vida, e isso � motivo de confian�a para que eu permane�a por aqui um pouco mais. Existiu um momento em que foi preciso decidir o que eu queria. E tive a felicidade de saber que o que eu desejava mesmo era ser artista.
Quando teve essa percep��o?
Tudo o que acontecia comigo convergia para isso. Estou h� 74 anos trabalhando nesta profiss�o. Na verdade, 74 anos procurando emprego, pois nossa �rea � ingrata. Fazer teatro, cinema, TV, sobretudo no Brasil, precisa ter f�lego, porque � um campo repleto de encruzilhadas e curvas que te surpreendem. Ao longo da minha trajet�ria, fui alimentando certo egocentrismo para tocar isso para frente. � uma profiss�o solit�ria e que at� hoje as pessoas acham que � extraordin�ria. No fundo, � uma grande fantasia.
Algum trabalho o deixou insatisfeito? E algum papel dos sonhos, ainda por interpretar?
Sempre fui fazendo coisas que me eram poss�veis fazer. Tenho sonhos, coisas que ainda n�o fiz. Se voc� se sente excelente e acha que nada falta, � a� que mora o perigo. Por mais que eu tenha tido trabalhos bem-sucedidos, apoio da cr�tica e p�blico, costumo ainda reprovar v�rios trabalhos que fa�o, penso que poderia ter ido melhor. Sou intransigente comigo mesmo, me julgo incompleto. Quando revejo trabalhos antigos eu fico louco, se eu fizesse agora faria melhor.
Se arrepende de alguma coisa na vida?
Sim, de n�o ter feito escola de arte dram�tica. Eu sou autodidata, aprendi vendo os outros trabalharem. Gostaria de ter estudado mais teatro, mas o instinto de sobreviv�ncia me jogou para outro lado. Me faltou coragem para estudar.
Em "Caras e Bocas", de 2009, ao lado da atriz Bete Mendes (foto: Instagram/Reprodu��o)
O senhor tem embarcado num lado mais bem-humorado nas redes sociais. Nesse momento de caos pol�tico, rir � o melhor rem�dio?
Levar a vida com bom humor n�o significa que estejamos alienados aos problemas e n�o entendamos a situa��o pol�tica. Mas perder humor nesses momentos turbulentos n�o adianta, h� coisas que n�o dependem de voc�. Meu humor � constante, mas confesso que �s vezes, diante dessas not�cias de invas�es em Bras�lia, por exemplo, o povo quebrando tudo, fico mais triste e me afeta.
Qual a sua opini�o sobre esses ataques golpistas?
Fico pensando que vivemos numa democracia e podemos fazer reivindica��es dentro do limite, mas essa extrapolou tudo. Isso mexe com meu humor, mas me recupero bem e vejo que tudo passar�. Tempos melhores vir�o, e o povo vai entender que n�o se pode fazer tudo, quebrar tudo, � estupidez. Estou preocupado com meu pa�s, como todo cidad�o, e lamento que tenhamos chegado a esse ponto.
J� dizia Chayene: voa, voa, voa, voa brabuleta! %uD83E%uDD8B Ary Fontoura j� entrou em ritmo de carnaval e, nesta sexta-feira (10), compartilhou nas redes sua fantasia "ousada" para os bloquinhos. %uD83E%uDD23 (+) pic.twitter.com/FzqFDnM108
Sempre fico na expectativa. Tenho recebido convites pelo Instagram. Dentro do meu tempo, vou fazendo uma triagem do que � melhor. Apesar da idade que estou, tenho a possibilidade de escolher trabalhos.
Como se v� daqui a alguns anos? A finitude da vida o assusta?
Sou uma pessoa bastante otimista. N�o tenho medo de morrer, mas, sim, de ficar inv�lido e submetido � boa vontade dos outros. Por outro sentido, a pr�pria forma como vivemos nos d� o tempo. Me parece bom n�o saber o dia da nossa morte, imagina se soub�ssemos? A morte � natural, posso morrer dormindo, acordado, viajando, mas n�o vou ficar pensando. Acredito na vida e fa�o dela o melhor que posso.
O senhor n�o se cansa de trabalhar?
Sempre fiz muita coisa junto e em quantidade, n�o sei se em qualidade. Tudo requer oportunidades, fazer bons trabalhos, mas o sucesso est� sempre escondidinho. S� na Globo estou faz 58 anos com curr�culo grande. Mas continuo sempre procurando trabalho e mantendo contatos. Na terceira ou quarta idade, voc� n�o � mais um garoto e os problemas f�sicos s�o considerados.
A rotina � sempre puxada? Pensa em aposentadoria?
A rotina de grava��es... S�o 10 horas di�rias. Mas consigo bons pap�is. Sempre tem um vov�, um titio, a idade n�o � impeditiva, ao contr�rio, ela por vezes � mais importante pela experi�ncia adquirida. A aposentadoria � o final de tudo, � uma palavra esquisita para mim e n�o me atrai.
receba nossa newsletter
Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor