ALESSANDRA ARAGÃO
Alessandra Aragão
Comunicadora, trabalha com desenvolvimento humano, atuando em terapia sistêmica, mentoria positiva e coaching de vida e carreira
RE(INVENTE-SE)

A revolução de ser menos

Quantas vezes você já foi dormir mais tarde do que deveria porque ficou rolando a tela, sem perceber o tempo passar?

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Abrimos as redes sociais e somos inundados por tutoriais de como ser mais produtivos, mais felizes, mais focados. É como se houvesse sempre algo em falta, um desempenho a melhorar, uma vida a otimizar. Mas quem nos ensina a ser apenas humanos, falhos, cansados, vulneráveis e sem culpa? Talvez isso não dê tanto engajamento, mas certamente traria mais verdade.

Pesquisas mostram que o excesso de tempo nas redes impacta nossa saúde mental e física. No Brasil, a média de uso diário ultrapassa nove horas de conexão, grande parte pelo celular. Esse consumo não se resume a entretenimento: gera comparações, baixa autoestima, sedentarismo, privação de sono e ansiedade. Quantas vezes você já foi dormir mais tarde do que deveria porque ficou rolando a tela, sem perceber o tempo passar?

Estudos realizados em Salvador, por exemplo, revelaram que o uso excessivo das redes entre adolescentes está relacionado a quadros de depressão e improdutividade. Outros levantamentos apontam a chamada “neurose de ansiedade digital”, em que a dependência constante do celular provoca estresse crônico, prejudicando o sono, os relacionamentos e a concentração. 

Soma-se a isso o fenômeno conhecido como Fear of Missing Out (Fomo), o medo de estar perdendo algo. É aquela sensação incômoda de que, se não estivermos o tempo todo conectados, seremos deixados para trás. Esse medo nos mantém presos às telas, mesmo quando já estamos cansados, exaustos e sem presença real no momento que vivemos. Não é curioso que plataformas criadas para aproximar também sejam fontes de afastamento de nós mesmos?

No entanto, seguimos nesse ciclo de expectativa e frustração. De um lado, vemos promessas de fórmulas mágicas para a felicidade. Do outro, sentimos culpa por não corresponder ao padrão de alta performance. Quantas vezes você já se pegou pensando: “Eu rendi o suficiente hoje?”. Quantas vezes forçou um sorriso numa foto quando, na verdade, só queria descansar? Ou ainda, quantas vezes respondeu “está tudo bem”, quando o coração gritava que não estava?

Esse mesmo padrão de cobrança aparece com frequência no consultório, quando aplico o exercício da Roda da Vida. O cliente é convidado a dividir sua vida em 12 áreas e dar uma nota de 0 a 10 para o nível de satisfação em cada uma delas. É comum alguém colocar notas como 8 ou 9, e quando pergunto o que percebe na roda, a resposta vem quase automática: “Pode melhorar, porque o ideal é ter 10 em tudo”.

Mas como é possível ter 10 em todas as áreas? Isso não é humano. Não há perfeição disponível em todas as dimensões da vida, e buscar esse ideal inalcançável é uma fonte constante de frustração. Talvez você possa perceber que essa busca de ser “10 em tudo” não é só uma cobrança pessoal, mas também um reflexo da cultura das redes sociais, que exibe vidas maquiadas, editadas e irreais, criando a ilusão de que a perfeição é possível e até obrigatória.

Talvez a verdadeira revolução digital não esteja em ensinar sempre a ser mais, mas em permitir que se fale do menos. Que alguém possa escrever: “Hoje não fiz nada e tudo bem”, ou “Estou cansada, chorei, e amanhã tento de novo”. Talvez essas postagens não viralizem, mas são elas que poderiam criar pontes de identificação com o real. No fundo, não precisamos de tantos tutoriais para viver; precisamos de permissão para existir como somos. 

Talvez seja por isso que Sócrates, há mais de dois mil anos, tenha repetido a máxima de Delfos: “Conhece-te a ti mesmo.” E eu acrescentaria: e serás livre. A liberdade não está em seguir fórmulas prontas, mas em reconhecer nossa verdade interior, nossas forças e fragilidades. Esse olhar também se reflete nos estudos de Brené Brown, que ao pesquisar a vulnerabilidade, mostrou que é justamente nela que reside nossa maior força. Somos fortes não porque escondemos nossas dores, mas porque temos coragem de reconhecê-las.

Completando essa linha de pensamento, Dag Hammarskjöld, Prêmio Nobel da Paz, aprofunda essa reflexão ao nos lembrar: “A imperfeição é a condição para a compaixão”. É justamente porque falhamos que conseguimos nos conectar ao outro com empatia. Se fôssemos perfeitos, não precisaríamos uns dos outros.

A pergunta que fica não é como ser mais produtivo ou mais feliz, mas sim como ser inteiro.
Como aceitar que a vida não cabe em métricas de engajamento, que não há algoritmo capaz de medir o valor de uma lágrima, de um abraço, de um silêncio.

A felicidade, afinal, não está nos passos prontos, mas na capacidade de nos reconhecermos humanos: imperfeitos, vulneráveis e, ainda assim, profundamente vivos. Ser inteiro talvez seja isso: permitir-se sentir, falhar, recomeçar. Não se trata de desistir do melhor, mas de abandonar a ilusão de que o melhor é sempre mais.

Porque, às vezes, a verdadeira revolução não está em adicionar, mas em ser menos, com menos pressa, menos cobrança e menos máscara, para ser mais presença, mais verdade e mais compaixão.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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