Na carona do motim bolsonarista na Câmara dos Deputados em protesto à prisão domiciliar do ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL), o centrão aproveita para resolver os seus problemas com o Supremo Tribunal Federal (STF). Sem consulta ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), lideranças negociaram a desocupação da Mesa Diretora por parlamentares do PL em torno de uma pauta que os blinda contra processos judiciais: proíbe investigações contra deputados e senadores enquanto não houver aval prévio do Congresso Nacional. 

 

Além disso, congressistas querem estabelecer três graus de julgamento para os processos contra si, retirando os casos do STF, Corte responsável pelo julgamento de parlamentares em questões relacionadas aos mandatos. Razões para tal preocupação não faltam: há mais de 80 inquéritos no STF contra os deputados e senadores por irregularidades e desvios de dinheiro por meio de emendas parlamentares ao Orçamento.

É uma questão de tempo para que exploda um novo escândalo da magnitude do esquema conhecido como Anões do Orçamento, nos anos 90, em que políticos manipulavam emendas parlamentares para desviar dinheiro por meio de entidades sociais fantasmas ou com a ajuda de empreiteiras. Além da mudança de foro privilegiado, atirando em várias frentes, bolsonaristas tentam emplacar a pauta da anistia aos envolvidos na trama golpista e o impeachment do ministro Alexandre de Moraes.

A mudança do foro privilegiado não teria hoje efeito sobre o caso de Jair Bolsonaro, apesar do seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), considerar o dispositivo um “pacote da paz”, porque, segundo ele, diminuiria o que chama de “pressão” da Corte sobre a classe política. Trata-se de um sofisma que encobre a exigência da Corte pôr transparência na destinação de emendas parlamentares.

O processo contra Bolsonaro pai está praticamente em fase de sentença, com a instrução finalizada, sobre um robusto conjunto probatório. Surge aí o que os juristas chamam de “princípio da identidade física do juiz”, a quem caberá dar a sentença. É o que determina o Código de Processo Penal. Além disso, a jurisprudência do STF foi reafirmada por diversas vezes no sentido de que mudanças nas regras não se aplicam a processos em curso ou em fase final de julgamento. 

 

O movimento de aliados de Jair Bolsonaro pelo fim do foro privilegiado – pelo qual tantos políticos lutaram no passado – é, portanto, mais político do que jurídico. Pode impactar inquéritos de deputados e senadores no STF, mas não há mais tempo para alterar o caso do ex-presidente da República.

Todo o barulho promovido pelos bolsonaristas radicais em torno da prisão domiciliar é parte da dinâmica de uma bem construída narrativa de vitimização, que combina elementos estratégicos: “dog whistles” – mensagens políticas codificadas para mobilizar a base radical – e a armadilha de enquadramento (trap framig). O bolsonarismo foi bem-sucedido em disseminar a tese de que o STF – e particularmente Alexandre de Moraes – seria parcial, “um ditador”, dentre outros adjetivos que buscam desqualificar a função de quem julga. Qualquer sentença proferida pelo ministro – e não há motivo para esperar que não seja uma sentença dura, dado que são robustas as provas colhidas pela Polícia Federal do envolvimento do ex-presidente na trama golpista -, será anunciada como persecutória.

Com o apoio dos algoritmos é bem-sucedida a estratégia comunicacional bolsonarista que, neste momento em que o país já está sob os efeitos do dramático tarifaço celebrado por Eduardo Bolsonaro, a pauta segue em torno da prisão domiciliar, estrategicamente provocada por Bolsonaro. Dela se desdobrou um motim de parlamentares radicais, assinaturas reunidas no Senado para a abertura de processo de impeachment contra Alexandre de Moraes. Na prática, todos sabem que o processo não será pautado. Mas, diz muito sobre os recados do Legislativo ao Poder Judiciário, com o qual, hoje, disputa a primazia do Poder da República, face ao enfraquecimento do Executivo, afundado em cenário de colapso do presidencialismo de coalizão.

Guardas municipais

Dentre as 83 guardas municipais constituídas em cidades mineiras, as de Mariana (Central) e de Ipatinga (Vale do Aço) incorporaram práticas típicas das polícias estaduais, constituindo-se mais como polícias voltadas ao patrulhamento ostensivo e às ações repressivas. Tal abordagem, que caracteriza um processo de imitação institucional das instituições militares, se afasta da perspectiva de uma polícia cidadã, voltada mais ao policiamento comunitário, ao diálogo e à solução de conflitos, prevista pela Constituição Federal. Ainda sem completar a inflexão de polícia cidadã para polícia repressiva, as demais guardas municipais das cidades mineiras estão em diferentes estágios no processo de transformação, acompanhando tendência nacional, já consolidada, por exemplo, nas cidades paulistas.

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Estudo inédito

Os dados integram o estudo inédito “A construção do perfil das guardas civis municipais mineiras: tendências e instituições”, promovido pelo Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos, Controle Externo da Atividade Policial e Apoio Comunitário (CAODH), em parceria com Observatório de Controle Externo da Atividade Policial (Oceap), da PUC Minas. Apesar do processo de inflexão pelo qual passam as guardas municipais, 45,8% delas não possuem corregedoria e 55,4% não possuem ouvidoria, ambas fundamentais para o controle das instituições, tanto o interno quanto o externo. Além disso, 24,1% das guardas municipais mineiras analisadas não possuem registros de suas ocorrências e 31,3% as registram em papel. O registro consolidado e padronizado das atividades é importante para a fiscalização das ações realizadas pela instituição, sobretudo quando há uso de arma de fogo.

Maria da Penha

Com 19 anos completos ontem, desde a sua promulgação, a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) segue como pilar no combate à violência doméstica, embora as estatísticas sejam desalentadoras. Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública revelam que, em 2024, foram quatro feminicídios por dia no país, 1.492 ao longo do ano, a pior estatística desde 2015.

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