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Luiz Carlos Azedo
ENTRE LINHAS

Conciliação e golpismo, tradição política republicana alimenta a anistia

Paulinho da Força pretende elaborar texto com anistia para quem não fez nada e redução de pena para quem planejou golpe e abolição do Estado democrático

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O livro “Conciliação e reforma no Brasil, um desafio histórico político” (editora Civilização Brasileira), de José Honório Rodrigues, foi escrito logo após o golpe militar de 1964, que destituiu o presidente João Goulart. Por mais que o tempo tenha passado, aquele momento da história do Brasil transcende as conjunturas, pois o regime militar durou 20 anos e o passado imaginário alimenta o golpismo que nos levou ao 8 de janeiro.


É nesse contexto histórico que essa obra singular nos ajuda a analisar a aprovação do pedido de urgência para votação de uma anistia que beneficie os participantes da mais recente tentativa de golpe de Estado da nossa história republicana, protagonizada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, que foi condenado a 27 anos de prisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF).


Rodrigues destaca que as reformas no Brasil foram promovidas pela via do autoritarismo ou da conciliação, o que resultou na nossa modernização conservadora, que perpetuou as desigualdades e exclusão sociais, uma “revolução passiva”, diria o cientista político Luiz Werneck Vianna. O poder de cooptação das reformas conservadoras sempre foi maior do que a mobilização necessária para a efetivação de mudanças sociais.


O atraso político, o patrimonialismo e o fisiologismo são nós difíceis de desatar, funcionam como garrote para que as mudanças não alterem muito as estruturas sociais, faz com que elas sejam contingenciadas e parciais. Para dar um exemplo histórico, a maior reforma econômico-social da nossa história foi a abolição, que acabou com a escravidão, cuja herança persiste até hoje e dispensa mais comentários.

 


Todos os governos progressistas se depararam com essa contradição, alguns tendo mais sucesso que outros, como os de Juscelino Kubitschek (1956-1961), Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010). Colapsaram os de Getúlio Vargas (1951-1954), que se matou; João Goulart, que foi deposto; e Dilma Rousseff, apeada do poder no segundo mandato, por um impeachment. Hoje, Lula se depara com as mesmas dificuldades, mas essa já é outra discussão.


A crítica à “política de conciliação” decorre desse retrospecto. Sua própria gênese é o Gabinete do Marques do Paraná, Honório Carneiro Leão, no Império. Dom Pedro II implantou um sistema parlamentarista no qual escolhia o presidente do Conselho de Ministros e esse, por sua vez, indicava os demais ministros. Paraná construiu uma “ponte de ouro”, no dizer de José Tomás Nabuco de Araújo, do Partido Conservador, que foi ministro da Justiça, ao formar um gabinete de maioria liberal com participação dos conservadores.


Bolsonaro


Essa história está bem contada por Joaquim Nabuco, na biografia de seu pai, “Um estadista no Império” (Edições Câmara dos Deputados). O presidente Fernando Henrique Cardoso seguiu essa receita durante seu governo, ao promover uma ampla aliança os caciques do PFL Marco Maciel, seu vice, Antônio Carlos Magalhães, José Agripino e Jorge Bornhausen, entre outros, contra a vontade do então senador Mario Covas, que viria a falecer no segundo mandato de governador de São Paulo. Sem essa aliança, o Plano Real e as privatizações teriam fracassado.


Discípulo de Capistrano de Abreu, o primeiro a valorizar a importância do “povo capado e recapado, sangrado e ressangrado” na formação histórica do Brasil, Honório Rodrigues mostrou o lado perverso da política de conciliação. Para ele, a Independência não significou uma ruptura, mas a continuidade da ordem privilegiada das elites escravocratas da época. Em 1822, nas décadas de 1830 e 1840, em 1889, 1930, 1945, 1961 e 1964 deu-se o mesmo.


Em todas as tentativas de golpes fracassadas, mais cedo ou mais tarde, houve uma anistia. “Os poderes dominantes tiveram sempre força para conter as aspirações profundas de mudança e reverter os movimentos de modo a sustentar seu sistema e seus privilégios”, diagnosticou, num dos ensaios da coletânea, intitulado “Teses e antíteses da História do Brasil”.

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Honório também era um crítico do populismo, “uma espécie de primitivismo político (…), um instrumento de agitação irresponsável, de meio desordenado de degradação da política e dos políticos”. Dizia que foi um entrave ao crescimento ordenado e eficiente nas décadas de 1950 e 1960: “A campanha de luta e agitação (…) desgastou o progressismo que se vinha formando e criou barreiras intransponíveis (…). Não uniu, dividiu”. Faleceu em abril de 1987, aos 73 anos de idade. Não teve tempo de atualizar sua leitura da conciliação política no Brasil durante a chamada Nova República.


Agora, a história se repete. Nesta quinta-feira, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), escolheu o deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP) como relator da proposta de anistia aos envolvidos na tentativa de golpe de 8 de janeiro. Apresentada pelo deputado Marcelo Crivela (Republicanos-RJ), o texto original prevê um perdão completo e amplo para todos que participaram das manifestações 'políticas e/ou eleitorais' desde o dia da derrota do ex-presidente Jair Bolsonaro nas urnas até hoje.


“Sou a favor de anistiar Bolsonaro, mas acho que no Congresso não há votos para isso”, avalia Paulinho da Força, que pretende elaborar um texto com anistia para quem não fez nada e redução de pena para quem fez alguma coisa, planejou golpe de Estado e abolição violenta do Estado democrático”, que vai “desagradar os extremos”. Olha aí a conciliação mais uma vez.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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