Série "O Estúdio", da Apple TV+, zomba das crises de Hollywood
Nova série mostra o dia a dia na fictícia Continental Studios, uma das empresas mais tradicionais do ramo cinematográfico, quando ela ganha um novo diretor
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Siga noFoi-se o tempo em que Hollywood apenas se adulava com produções sobre os anos áureos, o glamour e o admirável trabalho artesanal por trás de um filme. Da pandemia para cá, a indústria parece ter criado uma nova obsessão – falar de si mesma por meio de suas crises, muitas vezes tirando sarro das fórmulas que perpetuou e que agora dão sinais de desgaste.
É o caso de "O Estúdio", nova série do Apple TV+ que mostra o dia a dia na fictícia Continental Studios, uma das empresas mais tradicionais do ramo cinematográfico, quando ela ganha um novo diretor.
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Responsável por definir quais filmes serão produzidos, Matt Remick, vivido por Seth Rogen, é um cinéfilo preso no terno de um gestor, um amante da arte que é obrigado a tomar decisões burocráticas. Já no primeiro episódio, ele é forçado a autorizar um filme sobre o mascote de uma marca de suco e a engavetar o que seria o último longa-metragem de Martin Scorsese.
"A série veio de um lugar de frustração, mas também de amor e estima. É legal fazer filmes, mas também pode ser frustrante. Conversando sobre nossas histórias, percebemos que tínhamos material para um roteiro sobre personagens que amam tanto o que fazem que não desistem, mas com elementos de tragédia", diz Evan Goldberg, diretor e um dos cinco criadores de "O Estúdio".
A série conseguiu escalar alguns dos nomes mais importantes do cinema para rirem de seu momento de provação. Fazem participações especiais o próprio Scorsese, franco defensor da agonizante experiência cinematográfica, os cineastas Ron Howard e Sarah Polley e atores como Charlize Theron, Steve Buscemi e Bryan Cranston. Até o chefão da Netflix, Ted Sarandos, dá as caras.
MESMA FÓRMULA
"O Estúdio", porém, não está só. Nos últimos meses, outras grandes apostas de plataformas de streaming se debruçaram sobre o clima de desgaste que toma a indústria audiovisual americana.
Na Max, "A Franquia", de Sam Mendes, caçoou das fórmulas dos filmes de super-heróis e de sua fadiga nas bilheterias, bem como dos efeitos especiais sem vida que têm regido essas produções e da falta de talento dos muitos rostinhos bonitos – e tanquinhos lapidados – contratados por Marvel e DC.
No Amazon Prime Video, "The Boys" e "Gen V" também usam super-heróis para, entre outras coisas, alfinetar a lógica mercadológica e a máquina de publicidade em torno dos principais lançamentos de Hollywood, com relações públicas navegando pelo lamaçal da guerra cultural que se abate sobre os Estados Unidos.
Sem muita preocupação com patriotismo ou corporativismo, "O Estúdio" não está tão distante disso. Numa das cenas mais esdrúxulas da série, Matt Remick discute, com outros executivos, os rumos de um blockbuster centrado em zumbis que infectam humanos por meio de suas fezes.
"Nós fizemos uma sátira sombria sobre negacionismo da medicina, eu não quero que isso se perca", diz ele. "Sim, é um filme muito profundo e complexo, mas eu quero aquela explosão de diarréia", responde o outro.
Professor de cinema na Universidade de Nebraska-Lincoln e autor de livros como "Synthetic Cinema: The 21st Century Movie Machine" e "Movies in the era of transformation", que debatem as mudanças na indústria americana neste século, Wheeler Winston Dixon concorda que o humor é uma forma de lidar com o problema. Mais importante, porém, é que, diante da atual crise, Hollywood precisa continuar vendendo seu peixe.
"A comédia é um mecanismo para lidar com isso tudo, numa indústria que é parte vital da existência humana. Governos podem falhar, guerras podem matar, instituições financeiras podem quebrar, mas sempre haverá cinema. Essas produções oferecem uma versão sanitizada do que é a indústria, deixando o espectador acreditar que é parte desse clube seleto – quando ele é só um espectador", afirma.
Plataformas de streaming que pertencem aos mesmos estúdios de cinema não mostram muita preocupação em manter suas reputações ilibadas. São frequentes, em seus catálogos, séries que exploram crises pessoais de algumas das maiores estrelas de Hollywood – o divórcio entre Johnny Depp e Amber Heard, as acusações trocadas entre Blake Lively e Justin Baldoni, ou o cancelamento de Armie Hammer.
Para Winston Dixon, o pesquisador, Hollywood vive um momento de ambiguidade, porque ainda assim precisa se vender constantemente. Principalmente hoje, após o fim de um monopólio pela atenção do espectador que durou quase um século e que agora esbarra na concorrência vinda de outras telas.
"A verdade é que executivos e produtores estão sem ideias há anos, mas isso não vai pará-los. Eles vão continuar reciclando as mesmas ideias sob o deslumbre de novos efeitos especiais, sem as pessoas perceberem", diz ele. "É como Stan Lee, ex-presidente da Marvel, dizia: ‘Fãs não querem mudança, eles querem a ilusão da mudança’."
• Disponível no Apple TV+, classificação 16 anos.
• No elenco, Seth Rogen, Catherine O'Hara e Kathryn Hahn. Criação Alex Gregory, Evan Goldberg, Frida Perez, Peter Huyck e Seth Rogen. Produção EUA, 2025.