Dá para exigir alguma originalidade de um filme infantil numa indústria que aprendeu a nadar em dinheiro apostando em continuações? É possível que sim, mesmo que "Elio", a nova aposta da Pixar, não seja a melhor resposta para essa pergunta.
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Diferentemente dos melhores filmes da casa, "Elio" arrisca pouco e se preocupa em ser mais para as crianças que para seus pais. Um garoto órfão se apaixona pelo espaço, faz de tudo para ser abduzido por alienígenas e, quando enfim consegue, passa por uma jornada para entender qual sua verdadeira casa.
No meio disso, o protagonista vai aprender e ensinar sobre tolerância, amor ao próximo e como o afeto vence distâncias, culturas, idiomas – partindo do exemplo máximo dos "discos de ouro" das sondas Voyager, que vagam pelo espaço, desde os anos 1970, com uma apresentação do que é a vida na Terra.
Não é um mote tão distinto dos remakes de "Lilo & Stitch" e "Como treinar o seu dragão", em cartaz nos cinemas. São variações sobre um mesmo tema, mas "Elio" pode se destacar se conseguir chamar a atenção dos pequenos em meio à febre pelo alien azul da Disney.
E tem atributos para isso. A trama engata rápido, e logo o espectador se vê rodeado por monstrinhos multicoloridos, em viagens espaciais próximas do alucinógeno. É quando Elio, após aprontar uma confusão na base militar onde mora com a tia, uma major, é levado para um acampamento e acaba abduzido para o Comuniverso, uma espécie de Arca de Noé com líderes de outros planetas.
O menino, então, mentirá, passando-se por um embaixador da Terra, e lidará com as consequências dessa farsa. Doido para fazer parte da comunidade e se livrar da solidão que sente na Terra, ele se dispõe a mediar um conflito com o vilão, que quer acabar com a farra intergalática.
Mais que inspirar bonequinhos, o design desses bichos encanta pela estranheza – há seres como uma arraia telecinética, um robô pedregulho e uma lesma gorducha. Este último, Glordon, é o filho do antagonista, e será a carta na manga para Elio negociar sua estada no tal Comuniverso. Será também o primeiro amigo verdadeiro do protagonista, já que ambos se sentem deslocados em suas famílias.
Bebendo da fonte dos clássicos do gênero, não falta o pique oitentista de um Steven Spielberg, em "E.T. O Extraterrestre", ou de um Joe Dante, em seu injustiçado "Viagem ao mundo dos sonhos". Tudo é conduzido entre microtramas divertidas – como quando Elio cria um clone para substituí-lo em casa –, boa inventividade visual e jogos de câmera realistas.
Os cenários fora de foco no começo do filme ajudam a reforçar Elio como um menino isolado em sua própria casa, num contraste com o delírio cromático do espaço, que assume traços mais sombrios no último terço da trama.
A própria orfandade do garoto se resume a um detalhe – um porta-retrato dele com os pais –, que sugere seu passado com sutileza. O filme tampouco enfatiza a origem mexicano-dominicana do personagem, que não faz diferença ao enredo, nem se rende a gírias fora de lugar na dublagem.
O refresco, porém, não se reflete na trilha sonora ou no acabamento dos coadjuvantes, longe do impacto emocional que a Pixar consolidou no elenco de um "Procurando Nemo" ou "Ratatouille".
"Elio" sabe aproveitar questões universais que casam tão bem com a infância – estamos sozinhos no mundo? – , mas é difícil não sentir um ou mais déjà-vu durante a aventura. Isso não impede que seja emocionante, ao final, mas a anos-luz do memorável.
“ELIO”
(EUA, 2025, 89 min.) Direção: Madeline Sharafian, Domee Shi, Adrian Molina. Classificação: livre. Em cartaz em salas dos circuitos Cineart, Cinemark, Cinépolis e Cinesercla.