Maurício Canguçu é o convidado desta semana no EM Minas. Ator e diretor de teatro, ele é natural de Felisburgo, no Vale do Jequitinhonha. Em entrevista à jornalista Carolina Saraiva, ele fala sobre os 27 anos de trajetória da peça “Acredite, um espírito baixou em mim”. Co-criada com Ilvio Amaral, a comédia acumula mais de quatro milhões de espectadores e já passou por 16 estados brasileiros. O sucesso é tanto que o espetáculo ganhou um primeiro filme em 2006 e, agora, uma nova adaptação cinematográfica, filmada em Belo Horizonte e Catas Altas. Hoje (27/7), a peça tem sessão às 18h30 no Cine Theatro Brasil Vallourec.

A que você atribui o grande sucesso desse espetáculo entre os mineiros?

É um presente dos deuses. Ilvio e eu fomos abençoados. Acho que é um pouco do nosso trabalho, da nossa dedicação... e também os deuses do teatro resolveram nos presentear com esse sucesso, com essas 4 milhões de pessoas que já viram a peça e com tantos projetos que surgiram a partir dela. Foi uma bênção.

Eu mesma confesso que já assisti várias vezes. Nem sei contar quantas. É uma peça que encantou não só os mineiros, porque ela circulou também por outras cidades do Brasil.

Pelo Brasil todo. Fizemos 16 estados e ainda fazemos. A gente roda muito com a peça. Ela continua a todo vapor. Fazemos muito no interior de Minas porque participamos de um projeto que oferece apresentações gratuitas, em troca de alimentos não perecíveis, que são doados para instituições de caridade das cidades. Já estamos há 20 anos nesse projeto. Fizemos mais de 130 cidades pelo interior do estado. Essa peça tem um signo de energia, de sucesso, de felicidade, de alegria. Fizemos um projeto recente pelo Vale do Jequitinhonha. Foram 25 sessões em cidades que nunca tinham recebido teatro. Tinha gente que nunca tinha ido ao teatro, que estava vendo pela primeira vez. E a gente foi com tudo: cenário, luz, caminhão, trupe completa. Foi lindo demais.

A peça virou filme também. Um primeiro lá atrás (em 2006) e agora mais um novo. Quem são os atores que estão nesse novo filme, além de você e Ilvio?

Acabamos de filmar! Filmamos em Belo Horizonte e em Catas Altas. Temos estrelas maravilhosas, Carlos Nunes, Thati Lopes, Otávio Müller, Kayete... É um elencão. Somos 18 atores em cena. A gente entendeu que, no filme, não precisava mais tratar apenas da sexualidade. Esse assunto já está superado. Então fizemos um filme tratando de outras questões. É como se fosse uma continuação da peça de teatro.

Como é manter, por quase 30 anos, uma peça que aborda a homossexualidade de forma tão inusitada?

Quando estreamos, isso era um assunto muito novo. A proposta de dois homens ficarem juntos abertamente ainda era algo muito raro. Atualmente, graças a Deus, isso já é absolutamente comum. Mas, naquela época, era muito inovador mostrar que os dois terminavam juntos, que um homem podia se apaixonar por outro e ficar com ele. A gente teve situações em que pessoas vinham e diziam: “Olha, eu sou gay, mas não tenho coragem de revelar. Gosto de vir aqui ver a peça porque me representa. Já trouxe minha mãe e meu pai para assistirem e verem como é minha vida”. Tem muita família com filhos, com avós que vão assistir. Às vezes, a gente termina o espetáculo e vai abraçar o público e tem lá 10 pessoas da mesma família.

Foi o primeiro beijo gay do teatro em Minas?

Eu acho que sim. Que eu tenha conhecimento, sim. E numa comédia, o que é mais incomum, porque normalmente esse tema era tratado em espetáculos mais pesados. A gente resolveu fazer isso de uma forma leve. Acho que esse é o segredo do sucesso da peça. É uma comédia, e o público já tem uma tendência a ir ao teatro para se divertir. Isso foi a grande sacada: pegar um tema importante e tratá-lo de forma leve.

E você se lembra de algum caso interessante que tenha acontecido nesses 27 anos, com relação à plateia? O público costuma participar?

Já aconteceu de a plateia estar "dura", como a gente diz, aquela que não ri, que não se envolve. Naquele momento, a gente acha que não estão gostando. Mas depois recebemos mensagens dizendo que foi ótimo. Tem gente que ri alto, tem gente que ri mais baixo... Já aconteceu de tudo. Já teve aniversário. A gente já cantou parabéns para alguém na plateia. Na temporada passada, um rapaz pediu a moça em casamento no final. Teve um caso de dois rapazes que se conheceram na plateia do teatro, se casaram, adotaram uma filha. Foram lá agora para comemorar 10 anos de casamento. Eles se conheceram assistindo à peça e voltaram para comemorar. Foi emocionante.

Você se sente realizado como ator e diretor hoje?

Totalmente. Se eu morrer agora, neste momento, você pode dizer a todo mundo: “Maurício era um cara completamente realizado”. Eu sou completamente realizado. Sou feliz, trabalho com o que eu gosto, o público vai me assistir, eu vivo disso, viajo com isso, me sustento com isso. Sou completamente realizado.

A escolha do teatro para os mineiros não é uma escolha fácil, né?

É duro, muito duro. Graças a Deus, Ilvio e eu somos muito privilegiados na nossa carreira. As pessoas reconhecem o nosso trabalho, temos um público que nos sustenta, que paga nossas contas. Mas não é fácil. Temos dificuldade de patrocínio, de apoio, os aluguéis de teatro são caros, a estrutura é cara. Nossa profissão é muito difícil.

compartilhe