Filme 'A hora do mal' assombra com medo e violência
O longa narra o desaparecimento de 17 crianças de uma mesma turma da escola, fato cercado de msitérios inexplicáveis
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Siga noDezessete crianças desaparecem da noite para o dia. São todas da mesma turma e abandonaram suas casas no mesmo horário. As câmeras do bairro não dão pistas suficientes e nada faz sentido. As dúvidas levam ao medo. O medo, à violência. E, de repente, ninguém está a salvo.
Quem introduz "A hora do mal" é uma garotinha. Ela narra algo próximo de uma lenda urbana, mas nega ser o caso. O ocorrido não chegou aos jornais por ordem das autoridades. Deve ser mantido em segredo porque ninguém soube explicá-lo. A partir de uma narradora fácil de se impressionar, somos apresentados a um envolvente jogo de olhares, que conta a história de formas diferentes.
No melhor estilo "Magnólia", longa de Paul Thomas Anderson, o segundo terror de Zach Cregger divide a narrativa entre os personagens, dedicando um capítulo a cada um deles. Há tempo para amadurecer o suspense e despistar até o mais atento aos detalhes. Não exatamente por subvertê-los, mas por construir os símbolos do filme como eco de uma pequena cidade que insiste em compreender o inexplicável.
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A começar pela hora fatídica. Dezessete crianças sumiram às 2h17. A repetição não pode ser mero acaso. Ou seria uma mentira para os que não conseguem encontrar a verdade? Na falta de respostas, também é importante escolher um bode expiatório – Justine Gandy, papel de Julia Garner, a professora presenteada com uma manhã sem gritos e risadas.
Ela é a primeira a conduzir o espectador, distante da população que lhe deseja o pior. Planos em baixo foco servem ao seu isolamento, e as ruas são registradas com a mesma cautela da pária social – são filmadas à distância, convertendo pessoas em grupos de massa e repletos de segredos.
É o caso de quando Justine volta de uma reunião para pais e mestres. A porta se tranca, as cortinas se fecham e a moça vigia a rua: qualquer um pode estar atrás de sua cabeça. A escuridão da casa sugere fantasmas, mas o verdadeiro mal parece estar lá fora.
No dia seguinte, ela faz compras num mercadinho e uma mulher a acompanha, ao fundo. A professora aperta o passo e sua perseguidora tenta seguir o ritmo, escapando da tela, em alguns momentos, ao passear pelos corredores.
Essa lógica de separação entre a protagonista e elementos aparentemente banais amplifica a desconfiança. O perigo vem de onde menos se espera e imagens inofensivas podem resultar em caos. Geralmente, é o que acontece, com casas da vizinhança, latas de sopa e cenas do cotidiano que se tornam assustadoras.
Paranoia
Não demora até que outros adultos sintam a mesma paranoia. Archer Graff, vivido por Josh Brolin, quer saber o que se passava em sala de aula. Pelas manhãs, ele revê a gravação da câmera de sua varanda. Vê o filho correr e ser engolido pelo horizonte. Os movimentos são estranhos, com braços erguidos para trás e o corpo fora de controle.
Granulada e em preto e branco, a filmagem lembra um sonho, digna da mente de um pai atormentado. O arquivo aparece como espécie de signo falho e desnaturaliza as crianças.
Homem bruto, Archer balbucia palavras de amor que não conseguia confiar ao garoto. Ele dorme na cama do menino e tem pesadelos, que passam a assombrar os demais – seja no plano metafísico, entre reflexos e sombras, seja em carne e osso, vão se infiltrando cada vez mais naquela realidade.
É de forma progressiva, inclusive, que Cregger acrescenta elementos voltados ao "body horror" – subgênero do terror que opera por transformações grotescas do corpo humano – e dá consequências físicas aos traumas e instintos acumulados coletivamente.
Ele se interessa menos por cicatrizes específicas, em planos fechados, e mais por representar as sequelas como patologias sociais – algo próximo, de forma mais comercial, do cinema de Kiyoshi Kurosawa, em seu modo de retratar a instrumentalização do corpo. Todos sofrem das mesmas dores e traumas – estão sendo contaminados pelo que levou ao êxodo da criançada?
Esse tipo de destruição corporal é sintoma da mistura entre o horror de orçamentos robusto, a trama é grandiosa e cresce a cada núcleo, e o horror popularizado por produtoras como a A24 – filmes que tentam evitar clichês do gênero e priorizar o psicológico.
O meio termo é indeciso em alguns casos, as sequências em quartos escuros usam cartilhas clássicas, mas evitam inclinações a sustos repentinos, mas valoriza a inteligência do roteiro sem menosprezar o imaginário.
Com beleza, "A hora do mal" impede que suas temáticas se sobreponham ao mistério. O maior trunfo do filme está justamente na teimosia desses pobres coitados ao buscar soluções concretas, embora os maiores medos venham do seu interior. É no choque entre traumas e monstros que Cregger se reafirma como nome digno para se manter no radar. (Davi Galantier Krasilchik)
“A HORA DO MAL”
EUA, 2025, 128min. De Zach Cregger. Com Julia Garner, Josh Brolin e Benedict Wong. Em cartaz nas salas das redes Cinemark, Cineart, Cinesercla e Cinépolis.