Odair José faz o resumo de sua obra em show neste sábado (16/8), em BH
Compositor, que faz 77 anos hoje no palco do Sesc Palladium, é autor do hit Eu vou tirar você desse lugar e da fracassada ópera-rock O filho de José e Maria
Jornalista com experiência em produção de vídeo, com experiência em produtoras de vídeo de São Paulo, Belo Horizonte e Brasília. Curador de dois museus audiovisuais no interior de São Paulo e experiências com cinema independente e documentários.
Odair José define suas canções como "reportagens" sobre o Brasil. Neste sábado (16/8) à noite, ele se apresenta no Sesc Palladium crédito: Bernardo Guerreiro/divulgação
Aos 6 anos, Odair José pediu aos pais um violão de presente de Natal. Ganhou um cavaquinho. “Eles acharam que era um violão pequeno, proporcional para crianças”, lembra o músico, rindo. Do instrumento, que ele guarda até hoje em sua casa na capital paulista, aprendeu pouquíssimo.
“Continuei insistindo com a minha mãe que aquilo não era violão. Até que, meses depois, meus pais me deram um violão de verdade. Aí o cavaquinho ficou apenas como lembrança”.
Foi por meio desse violão que Odair percebeu que a música seria seu caminho profissional. Aos 15 anos, descobriu-se compositor; aos 17, partiu de Morrinhos (GO) para o Rio de Janeiro contra a vontade da família. Passou dificuldades – sem dinheiro, chegou a dormir na rua – até gravar a primeira canção, “Uma lágrima”, em 1969, assinando em seguida com a CBS. O resto é história. E é justamente essa trajetória que Odair resume no show deste sábado (16/8), no Sesc Palladium. Coincidentemente, data do seu aniversário.
Prestes a completar 77 anos – pouco mais de 50 dedicados à música –, Odair José acumula sucessos e fracassos. Enquanto “Eu vou tirar você desse lugar” foi sucesso instantâneo e continua popular, “O filho de José e Maria”, álbum lançado em 1977 pela gravadora BMG (antiga RCA Victor), fracassou na época. O disco desagradou ao governo militar, à Igreja Católica e à imprensa. “Nem minha família gostou (risos)”, comenta.
Em 1973, auge da ditadura militar, Caetano Veloso convidou Odair José para cantarem 'Eu vou tirar você deste lugar' no show 'Phono 73'. em SP. Foi um momento histórico da música brasileira. A dupla foi vaiada por Caetano ousar romper barreiras estéticas e valorizar a canção de um artista popular considerado 'brega' e 'cafona'. O baiano deixou o palco, mas seu desabafo é lembrado até hoje: 'Não há nada mais Z do que a classe A' Reprodução
A ideia era lançar uma ópera-rock com 18 faixas pela Polydor, mas os produtores reprovaram, alegando que queriam um álbum no estilo que Odair já adotava. Ele, então, migrou para a BMG, que aceitou lançar o disco. Quando tudo estava pronto, o governo militar censurou oito das 18 faixas, deixando lacunas na história da ópera-rock.
“O filho de José e Maria” se tornou divisor de águas na carreira do cantor. “Por causa do disco, comecei a fazer concessões. Falei: ‘Bem, vamos fazer o que os caras querem’. Aí, fiz um monte de disco merda. Não que não eram bem-feitos, mas não tinham a minha essência. Olhando para trás, penso que não precisava ter feito aquilo”, admite.
Na época, Odair queria popularizar o rock no Brasil. Ao lado do amigo Raul Seixas, observou a influência da música inglesa e norte-americana no país, especialmente o rock. Peter Frampton e Paul McCartney (com a banda Wings) mostravam caminhos que, segundo ele, “iam rolar” por aqui. “Mas isso só aconteceu nos anos 1980, quando veio aquela onda de muitas bandas no Brasil”, diz.
“Vieram Cazuza, Lulu Santos e uma série de gente que fez exatamente o que eu estava dizendo que tinha de ser feito, mas que comigo não deu certo. Foi muito frustrante para mim, fiquei fragilizado”, relembra.
A frustração o levou a excessos: álcool e drogas marcaram duas décadas de sua vida. A superação ele deve à esposa, Jane, que ameaçou terminar o casamento caso não largasse os vícios.
Inteligência artificial
Apesar de não se identificar com todos os 39 discos que lançou, Odair sempre manteve sua assinatura: canções que funcionam como pequenas crônicas do cotidiano. O último álbum, aliás, recebeu o sugestivo nome “Os seres humanos e a Inteligência Artificial” (2024).
“Uma das conversas que sempre tive com o Raulzito (Raul Seixas) era justamente sobre como deveríamos nos posicionar no mercado. Ele encontrou o caminho dele, eu encontrei o meu: fazer uma espécie de análise do dia a dia. Acho que sou um compositor que faz uma reportagem daquilo que vê”, afirma.
Muitas dessas “reportagens” provocaram a ira de setores da sociedade, principalmente do regime militar e da Igreja. Por causa de “Eu vou tirar você desse lugar”, Odair foi convocado à divisão de censura federal para explicar a letra. Os militares acreditavam que o título da canção remetia à deposição do regime.
“Imagine eu, com 22 anos, chegando lá e falando que não se tratava de nada daquilo. E que a música era sobre um cara que se apaixona por uma prostituta. Piorou tudo! Ficaram mais horrorizados ainda. Disseram que eu estava atentando contra os bons costumes e contra a família”, recorda.
A música não foi formalmente proibida, mas sua execução no rádio não era considerada “de bom tom”. A partir daí, todas as letras de Odair precisaram ser enviadas para análise prévia de censores.
A censura vetou “Uma vida só (Pare de tomar a pílula)”, liberada depois, “A empregada”, que chamava a atenção para o fato de que, na época, doméstica não era considerada profissão formal,, “Na minha opinião”, “A primeira noite de um homem”, “A viagem” e as oito faixas do disco “O filho de José e Maria”.
Entre erros e acertos, Odair José construiu obra marcada pela coragem de falar sobre o cotidiano sem rodeios. Sua música continua a provocar, emocionar e inspirar, o que poderá ser comprovado neste sábado à noite.
Neste sábado (16/8), às 20h, no Sesc Palladium (Rua Rio de Janeiro, 1.046, Centro). Últimos ingressos à venda por R$ 180 (inteira, plateia 2) e R$ 140 (inteira, plateia 3), na bilheteria e na plataforma Sympla. Meia-entrada na forma da lei.