Ouro Preto – O prédio do Museu da Inconfidência nasceu, no final do século 18, início do 19, para sediar a Casa de Câmara e Cadeia. Mais tarde, se tornou presídio estadual. Em 1938, quando foi inaugurado o Presídio de Ribeirão das Neves, Getúlio Vargas, então presidente, destinou a edificação para se tornar o Museu da Inconfidência.
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O Panteão dos Inconfidentes, com os restos mortais de nomes célebres da conjuração, como Alvarenga Peixoto e Tomás Gonzaga, foi inaugurado em 1942 – em uma correção histórica, a partir de 2023 a instituição reconheceu a presença feminina no movimento, homenageando, com lápides, Hipólita Jacinta e Bárbara Heliodora. Já o museu propriamente dito foi inaugurado em 1944.
“Tomás Gonzaga escreveu nas ‘Cartas chilenas’: ‘sobre os ossos e o sangue dos pobres’. Dizer pobre no Brasil é dizer negro. Ou seja, o prédio foi construído sobre os ossos e o sangue dos negros. E ele foi prisão e penitenciária. Na história carcerária brasileira, são os negros, sobretudo, que estão presos. Ou seja, é um museu que sempre foi marcado pela presença negra, mas que não fala dos negros. A gente quer ressignificar o espaço, mostrando essa participação”, afirma Alex Calheiros, diretor do museu.
Uma primeira edição das “Cartas chilenas” (somente em 1863 as 13 cartas foram publicadas em forma livro) ganha destaque nesta reabertura do museu – não havia sido exposta até então. Ainda que a instituição espere a criação de uma nova expografia, aqui e ali há sinais de mudanças.
Lugar de reflexão
“Um museu não só pode, como deve mudar. Ele tem que se atualizar, provocar o visitante, pois é um lugar de reflexão também”, afirma Calheiros. A sala inicial, a chamada Sala das Origens, destaca símbolos da implementação da civilização colonial portuguesa, com quadros da família real, dos poderes estabelecidos, tanto políticos quanto da igreja.
“Mas 90% da população era de escravizados. Então você tinha um território conflagrado. Cadê o conflito nessa sala? O que fizemos foi retirar os instrumentos de tortura, que estavam na Sala da Mineração, e trazê-los para cá, para mostrar que eles não são objetos da cultura negra. Eles pertencem à elite. Nós os colocamos aqui para mostrar que foi a escravidão que sustentou tudo isso. Temos feito essas provocações”, explica Calheiros.
A presença negra é ainda mais sentida no andar superior, na sala que recebe a exposição “Afro brasilidade, arte e memória na encruzilhada”. O espaço era, anteriormente, a Sala dos Oratórios. Hoje, apresenta parte da Coleção Tadeu Bandeira, que está emprestada ao museu. “Grande parte da coleção é de arte dita popular, sobretudo afrodescendente, afromineira”, observa o diretor.
Artistas contemporâneos
Calheiros destaca cetros e coroas de congado, bem como obras de grandes escultores mineiros, como G.T.O. e Maurino, artista fortemente influenciado pelo barroco de Aleijadinho. “Essa sala não se restringe ao século 18. [As obras] Vêm até agora”, comenta Calheiros que, para aproximar a mostra da população local, incluiu trabalhos de personagens célebres em Ouro Preto, como o artista e músico Bené da Flauta e Grilo. Este último está em atividade e participou ativamente da limpeza da cantaria do museu.
Propositalmente, essa exposição foi montada na sala que antecede àquela dedicada a Aleijadinho. “As pessoas costumam chamar as obras de arte popular para diferenciar da arte erudita, da alta cultura. Mas o Aleijadinho, até ser colocado no cânone pelo Mário de Andrade, fazia arte popular. Ou seja: quem estabelece isso? Qual é o cânone? Então, essa sala já provoca uma discussão porque ela representa um corte nesse recorte erudito que o museu sempre primou”, diz Calheiros.