‘3 Obás de Xangô’, sobre Jorge Amado, Caymmi e Carybé, estreia hoje
Documentário do cineasta Sérgio Machado sobre a amizade, a obra e a religiosidade dos três artistas baianos chega aos cinemas nesta quinta-feira (4/9)
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Estudante de jornalismo, Sérgio Machado lançou, em 1993, o curta “Troca de cabeça”. Trabalho de conclusão de curso da Universidade Federal da Bahia (UFBA), aborda a história de uma mulher, moribunda, que faz um pacto com o diabo. Caso sobreviva, ela entregará ao demo a vida de seu primeiro filho. Já rapaz, este deve pagar sua dívida. Em seu caminho, o jovem irá encontrar um louco, um crente, um orixá e até uma espécie de anjo.
“Devo ao Jorge Amado fazer cinema”, diz hoje Machado, diretor e roteirista. Amado assistiu ao curta, que tinha Grande Otelo, Léa Garcia e Mário Gusmão no elenco. Trinta anos atrás, mandou o vídeo para Walter Salles, com o seguinte recado: “Esse menino é interessante. Se você achar que vale a pena, o encaminhe”. Machado estreou, em 1998, como assistente de direção de Salles em “Central do Brasil”, com quem trabalha desde então.
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“É uma linha maluca de coincidências”, afirma o diretor, a respeito dos acontecimentos que o levaram a dirigir o documentário “3 Obás de Xangô”, que estreia nesta quinta-feira (4/9), no UNA Cine Belas Artes e no Centro Cultural Unimed-BH Minas. O filme celebra a amizade entre Jorge Amado (1912-2001), Dorival Caymmi (1914-2008) e Carybé (1911-1997).
Os três receberam, de Mãe Senhora, terceira mãe de santo do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, em Salvador, o título de Obás de Xangô. Por meio da honraria, as pessoas se tornam a representação civil do terreiro junto à sociedade. A conexão com o candomblé foi um dos pontos em comum que os três amigos, irmãos por afinidade, tiveram.
Identidade baiana
O filme os coloca, por meio de uma bem urdida costura com imagens de arquivo, falando da Bahia, da herança afro, como também de machismo, de família e do Brasil. Mostra ainda como a identidade baiana foi construída por meio da música de Caymmi, dos romances de Amado e das pinturas e gravuras de Carybé.
O alinhavo vem por meio de depoimentos de baianos do presente, como o cantor e compositor Gilberto Gil, o sociólogo Muniz Sodré, a escritora e ilustradora Paloma Amado, filha de Jorge e Zélia, e o escritor Itamar Vieira Júnior.
“É um filme claramente sobre afetos, mas também sobre resistência. Uma coisa que me surpreendeu nas primeiras sessões (no Festival do Rio e na Mostra de São Paulo, em 2024) foi que as pessoas choraram muito”, afirma Machado. “Imaginava que elas fossem rir, porque tem muita coisa engraçada. Na sessão em São Paulo foi uma catarse, muita gente chorou. O Waltinho (Salles) falou que achava que era em razão de estarmos vivendo um momento tão duro. E o filme mostra que sem amor não vale a pena viver, que a amizade é o Sol da vida.”
Para ele, “3 Obás de Xangô” é seu filme mais pessoal. Aos 56 anos, o soteropolitano vive metade da vida fora de Salvador – mora atualmente em São Paulo. Segundo Machado, o documentário reúne vários aspectos de sua própria vida. “Minha mãe era uma militante na luta contra a intolerância religiosa, era do candomblé. Desde que me entendo por gente frequento terreiros.”
Ilha de Itaparica
Quando resolveu fazer seu primeiro longa de ficção, imaginou um filme de época que misturasse a obra de Amado, Caymmi, Carybé e do fotógrafo Pierre Verger. No meio da pesquisa, passou uma temporada na Ilha de Itaparica escrevendo com o cineasta Karim Aïnouz.
“A gente não avançou muito nessa ideia. Na época, o (Eduardo) Coutinho era um guru. Ele dizia: ‘Esquece esse negócio de Dorival Caymmi, Jorge Amado, Carybé e faz o filme da sua Bahia. Mais tarde você resolve sua questão com esses caras’. Quando o Coutinho falava, a gente sempre acatava.”
Foi dessa maneira que Machado estreou com “Cidade Baixa” (2005). Um trecho do longa com Wagner Moura, Alice Braga e Lázaro Ramos (narrador de “3 Obás”) está, inclusive, no documentário. Mas são as imagens históricas que trazem vida à obra. As melhores delas foram cedidas por João Moreira Salles, que em 1995 lançou o documentário “Jorge Amado”.
Quando soube do projeto de Machado, Moreira Salles passou para ele cerca de 30 horas de material inédito com Amado, Zélia, Carybé e outras figuras da Bahia. “É um material incrível porque foi fotografado em película pelo Walter Carvalho. Está parecendo que foi filmado ontem”, comenta o diretor. É desses arquivos que vêm momentos saborosos do filme, com Amado pedindo que Carybé cante, e o colocando numa “sinuca de bico por cantar pornografia”, brinca o artista plástico.
A “linha maluca” de coincidências em torno de “3 Obás de Xangô” chega até Belo Horizonte. Em junho, o Cine Humberto Mauro exibiu a retrospectiva “Intérprete do Brasil – Uma homenagem a Grande Otelo”, em homenagem aos 110 anos de nascimento do ator de Uberlândia.
“Troca de cabeça” estava na programação organizada pelo curador Fábio Rodrigues Filho. Ele exibiu uma cópia que estava na coleção “Anjo negro”, caixa com 50 curtas baianos produzida pelo Cineclube Mário Gusmão. Rodrigues Filho enviou uma cópia para Sérgio Machado, que havia “perdido de vista” seu primeiro curta. “Troca de cabeça” foi também o último filme de Grande Otelo, que morreu em novembro de 1993.
“3 OBÁS DE XANGÔ”
(Brasil, 2024, 75min.) – Direção de Sérgio Machado. O filme estreia às 21h30 no Centro Cultural Unimed-BH Minas e às 19h na Sala 2 do UNA Cine Belas Artes