CINEMA

‘A praia do fim do mundo’ é mistério convincente

Diretor Petrus Cariry demonstra habilidade no desenvolvimento da enigmática trama do filme, sobre três mulheres e um velho que recolhe objetos perdidos

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É muito estranha a praia que o mar fustiga e consome em tempo integral. Praia deserta, onde o mar deposita dejetos que um velho recolhe infatigavelmente. Ali vive uma velha senhora, interpretada por Marcélia Cartaxo, com sua filha Alice, que tem uma amiga e interlocutora, Elisa.


Isso já foi um lugar, agora não passa de uma ruína. A vida da velha senhora, a mãe, se resume a olhar com atenção para o mar, como que esperando o retorno do marido, que de lá nunca voltou.


Alice e Elisa se perguntam o que fazer: deixar aquela praia sem futuro ou ficar lá junto com as ruínas? Um velho completa o quadro, recolhendo objetos deixados na praia e os colocando em um saco. Esses objetos foram deixados por quem, se ninguém mais frequenta esse lugar?


Pode existir um significado rápido para tudo isso: o abandono, a necessidade de ir embora, o olhar para o vazio e o gesto sem sentido do homem podem expressar o sentimento de uma parte considerável dos brasileiros de 2021, quando o filme foi feito: anos de pandemia e, sobretudo, de governo Bolsonaro.


Preto & Branco

Mas reduzir o filme a esse simbolismo seria desconsiderar o trabalho do diretor Petrus Cariry. Primeiro, o longa responde bem à fotografia em preto e branco, não pelo peso simbólico, mas pelo apuro ao filmar um horizonte sobre o qual o mar parece avançar mais a cada dia. Não impera aqui o óbvio reflexo político, mas o mistério que o cineasta sabe imprimir aos elementos com que trabalha.


São poucos, como são poucos os personagens. No entanto, o mistério é intenso. O que pode significar cada um deles? O que traz aquela senhora, a mãe, cujo marido desapareceu no mar? Revolta, esperança ou conformismo? E o que carrega Alice, a filha fatalista, para quem a única saída é deixar a casa prestes a ser engolida?


Há momentos em que o filme passa do mistério ao suspense, como quando vemos, por exemplo, alguns dos objetos recolhidos pelo homem da praia. Eles parecem espelhar os que a senhora tem em casa, uma antiga pousada.


Do suspense surge um rápido momento de terror, quando uma onda absoluta, algo que pode ser visto como a onda final, lentamente se derrama sobre a tela, deixando cintilações de fogo na crista e, ao arrebentar, lembrando uma bomba atômica.


Infinitos dias

São momentos como esse, assim como as visões de velhas casas se desfazendo, que marcam este filme. Não o eventual simbolismo político, nem, menos ainda, a alegoria de um Jonas deixando o ventre infernal onde passou poucos, mas infinitos dias.


Dizia o diretor de fotografia Arthur C. Miller que, quando lhe diziam que a fotografia de um filme era muito boa, ele passava a pensar em onde teria errado. Porque entendia que a fotografia nunca devia se sobrepor ao filme.


Aqui, nem a fotografia e os enquadramentos que conferem o belo tom sombrio podem ser creditados a um erro do diretor e fotógrafo Cariry. Já o excesso de símbolos, metáforas e alegorias atravanca um pouco o livre fluxo das imagens, que, por vezes (principalmente no misterioso sótão da pousada), parecem tiradas de um sonho.


“A PRAIA DO FIM DO MUNDO”
(Brasil, 2021, 88 min.) Direção: Petrus Cariry. Com Marcélia Cartaxo, Larissa Góes e Fátima Macedo. Classificação: 12 anos. Em cartaz no UNA Cine Belas Artes (Sala 1, 18h50 e 20h30).

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