Eva Perón (1919-1952), ou Evita, é uma das mulheres mais influentes da história argentina. Teve infância humilde, foi atriz, tornou-se primeira-dama e marcou a política de seu país ao implantar e promover programas sociais, especialmente voltados às mulheres e aos trabalhadores.


A figura épica de Evita, que morreu precocemente, aos 33 anos, está no centro do espetáculo “Balada para sofrer con gusto”, primeira montagem presencial do grupo de teatro Mulheres Míticas, desde a pandemia. A direção é de Sara Rojo, a dramaturgia foi criada especialmente para o coletivo por Éder Rodrigues, Ibi Monte e Marina Viana.


A peça estreou em 2023, como parte das celebrações dos 10 anos da companhia. Sara afirma que, nas temporadas realizadas nesses dois anos, o espetáculo foi se transformando, influenciado pelo cenário político da América Latina.


“O mundo muda, avança, e o teatro tem que ser dinâmico. Não pode ser fixo, como uma maquete. Ele tem que ser como um organismo vivo, e a peça adquiriu essa dimensão de diálogo com a nossa época, com os avanços da extrema-direita”, afirma a diretora.


Manifestações na Argentina

Ela comenta que, em cenários de crise na Argentina, é a figura de Eva Perón que reaparece. “Estive assistindo a uma série de manifestações, sobretudo de jovens, e há meninas de 18 a 20 anos falando ‘Evita, você está conosco’”, conta Sara Rojo.


Na dramaturgia, o corpo de Eva Perón, que ficou desaparecido por 16 anos, é roubado pelo grupo de teatro. A partir disso, três Evitas tomam o palco. Entre elas, há uma personagem mais jovem, que a representa quando começou a ser atriz, e outra mais madura, um retrato de quando se tornou primeira-dama e se consolidou como uma diva no imaginário argentino. Estas personagens são interpretadas por Jéssica Ribas e Luísa Lagoeiro, respectivamente.


Há ainda a Eva criada pelo dramaturgo argentino Copi, outro homenageado do espetáculo. Copi, persona artística de Raul Damonte Botana, escreveu o espetáculo “Eva Perón” enquanto morava em Paris. Na obra, ele constrói uma representação subversiva de Eva e questiona o que ocorreu com o corpo dela durante mais de uma década.


Abordagem crítica da figura histórica

João Santos, que atua pela primeira vez com o Mulheres Míticas, interpreta Copi e a Eva do dramaturgo. Para ele, a personagem é uma fuga às invenções sobre Evita. “Tem algo de grotesco, irônico e debochado nela. Não é uma Eva polida. É uma mulher escrachada e delirante no leito de morte. Copi faz uma abordagem crítica da personagem e dos costumes de uma sociedade que ele entendia viver hipocritamente de aparências”, diz o ator.


Quando o dramaturgo escreveu o espetáculo, a Argentina ainda estava sob ditadura militar. Nesse período, o governo tentou se apropriar da imagem de Evita, com uma construção antagônica à representação criada por Copi, que terminou tendo sua obra censurada. O dramaturgo ficou exilado por mais de uma década.


“Ela era uma figura quase mitológica da qual qualquer regime tenta se apropriar. Só que o Copi tenta mergulhar no que ela tem de mais humano e de mais vulnerável. Ele debate como essa imagem de santa foi construída e como ela nem sempre diz respeito ao que a Eva foi de fato”, afirma João.

Desaparecimento do corpo


Ao longo do espetáculo, são utilizados elementos musicais, do suspense – para criar o mistério sobre o destino do corpo de Eva, tema do livro “Santa Evita”, de Tomás Eloy Martínez, editado no Brasil pela Companhia das Letras – e do teatro de revista, com os figurinos extravagantes e o tom crítico. “É uma atmosfera de ruptura no sentido estético, para quebrar com certos parâmetros e certos cânones”, comenta Sara.


Para a diretora, que nasceu no Chile e está radicada em Belo Horizonte há 30 anos, o espetáculo é fundamental para o diálogo com a América Latina. “Me parece importante pensar na América Latina como conjunto em um momento em que a arte precisa unir e construir pontes”, diz ela.


“Não podemos ficar isolados frente a um movimento mundial [a ascensão da extrema-direita] que de alguma maneira vai atingir todo mundo. Me preocupa que o Brasil fique descolado. Minha insistência no teatro é pensar na América Latina como conjunto para podermos caminhar nesse percurso”, diz.


“BALADA PARA SOFRER CON GUSTO”
Direção: Sara Rojo. Com Jéssica Ribas, João Santos e Luísa Lagoeiro. Desta quinta (4/9) a sábado (6/9), às 20h, e domingo (7/9), às 19h, no Teatro Marília (Av. Prof. Alfredo Balena, 586, Santa Efigênia). Ingressos a R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia), à venda na plataforma Sympla.

* Estagiária sob supervisão da editora Silvana Arantes

compartilhe