Uma das maiores referências da viola caipira no Brasil, o compositor, pesquisador e professor Roberto Corrêa, mineiro de Campina Verde, lançou, há pouco menos de um mês, o que considera ser o livro de sua vida. Como complemento da obra, ele disponibilizou nas plataformas, na sexta-feira (5/9), o EP “Solos de unha e carne”, que traz três músicas inéditas e três releituras – uma delas, “Inhuma para Flausino”, ganhou um videoclipe disponível no YouTube.
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O livro “A viola solo de Roberto Corrêa” reúne todas as suas composições para o instrumento, escritas em partitura, tablatura e cifras, além de textos que revelam histórias, inspirações e aspectos técnicos de sua obra, construída ao longo de mais de quatro décadas de carreira. O livro fecha uma trilogia iniciada com “A arte de pontear viola” (2000) e que seguiu com “Viola caipira: das práticas populares à escritura da arte” (2019), derivado de sua tese de doutorado em musicologia defendida na USP.
“Minha trajetória segue três caminhos: a pesquisa, o ensino e a composição. O livro que lancei em 2000 é fruto da minha experiência como professor na Escola de Música de Brasília, então tem caráter didático. A tese de doutorado foi sobre o avivamento da viola no Brasil, então diz respeito ao pesquisador. Faltava algo sobre minhas composições solo para viola. Acho que essa publicação de agora é um registro da minha existência musical”, diz, destacando que a trilogia não foi planejada, “aconteceu”.
Criação intuitiva
Corrêa destaca que suas músicas foram criadas em momentos de profunda imersão em si mesmo. “Elas dizem do sagrado em mim, por isso considero esse livro o mais importante da minha existência”, afirma. Na apresentação, ele escreve que suas composições estão além de seu conhecimento teórico, são intuitivas, e comumente o surpreendem, não só musicalmente, mas também tecnicamente, porque são muito diferentes do que se conhece de viola e mesmo de música brasileira.
“É como se existisse dentro de mim um violeiro grandão, fantástico, um mestre, o que tem a ver com isso que falo da instância do sagrado. Muito do que desenvolvi de técnica foi para tocar minhas próprias músicas. É a conexão que estabeleço com essa parte minha desconhecida do consciente”, diz. Corrêa se entende como um autor contemporâneo, “meio experimental” – termo que usa para definir o disco “Uróboro”, marco de sua carreira, lançado em 1994 – mas, ao mesmo tempo, diz buscar a ancestralidade.
Ele conta que seu avô, também um violeiro, foi assassinado em 1937, quando tinha 39 anos. “Eu queria saber quem era esse homem e quem eram os violeiros contemporâneos dele. Penso que, na minha pesquisa, fico buscando a música daquela época.” Com relação ao EP “Solos de unha e carne”, ele explica que resulta do desejo de que todas as músicas registradas no recém-lançado livro estivessem referenciadas em gravações suas.
Dupla homenagem
Tanto as três inéditas – “Bocoió”, “Asfixia”, que compôs quando teve COVID-19, e “Tange a violinha, vovô”, em homenagem ao avô – quanto as que revisitou – “Asa Norte”, “Sobressalto” e “Inhuma para Flausino”, que não estavam em sua discografia; foram gravadas por outros artistas – constam no livro. “Como estava escrevendo as partituras, quis gravar as músicas”, diz. Quanto à escolha de “Inhuma para Flausino” para ganhar um clipe, ele justifica que é pela dupla homenagem que ela presta.
Inhuma é o nome de um pássaro e, também, de um toque tradicional da viola. Cada violeiro, em diferentes regiões, cria sua própria “inhuma” – mistura de improviso, autoria e tradição. Corrêa conta que essa música nasceu em diálogo com o legado do compositor e violinista mineiro Flausino Vale(1894-1954), que, em sua obra, fez 26 prelúdios para “violino só”, alguns com temas rurais. O “Canto da Inhuma” é um deles, inspirado no toque de viola.
“Inhuma para Flausino” foi originalmente composta para a Orquestra do Estado do Mato Grosso, que a lançou em disco em 2011. “Faço duas homenagens com essa música, aos violeiros antigos, com o 'Toque da Inhuma', e a esse violinista maravilhoso que foi Flausino Vale”, diz, acrescentando que o clipe embute, ainda, outra referência, a “Uróboro”, com a imagem da cobra que come o próprio rabo. “É um disco que gravei quando tive um problema sério de saúde e achei que ia morrer”, comenta.
“A VIOLA SOLO DE ROBERTO CORRÊA”
• Livro de Roberto Corrêa
• Viola Corrêa Produções Artísticas
• 331 páginas
• R$ 149
• À venda em no site Musimed
“SOLO DE UNHA E CARNE”
• EP de Roberto Corrêa
• 6 faixas
• Disponível nas principais plataformas