“Quando se fica mais velho, você compra um troféu para si mesmo”, afirma Arnaldo Cohen. Pois ele se outorgou o título de “Cidadão Honorário da Filarmônica de Minas Gerais”. A brincadeira é feita no início da conversa com o Estado de Minas, diante do comentário a respeito da constância com que o pianista se apresenta com a orquestra.
Leia Mais
“Hoje em dia, Belo Horizonte é a minha cidade favorita [no Brasil]. E a Filarmônica minha orquestra favorita. Temos uma história muito especial, o que me autoriza a sentir um pouco o apadrinhamento, pois estou com ela desde seu nascimento, como também o da Sala Minas Gerais”, afirma o artista carioca de 77 anos.
A recíproca é verdadeira: Cohen é sempre sinônimo de casa cheia. Os ingressos para as apresentações que ele faz nesta quinta (18/9) e sexta ao lado da Filarmônica de Minas Gerais estão esgotados.
O pianista é a estrela de um dos mais importantes concertos da temporada 2025. Sob a regência de Fabio Mechetti, ele abre a noite com o Concerto para piano nº 5, “Imperador”, de Beethoven. Após o intervalo, a orquestra reúne 100 instrumentistas para interpretar “A sagração da primavera”, de Stravinsky.
Ainda que Cohen tenha sempre um espaço para BH, a oportunidade de vê-lo tocar vem rareando. A agenda de 80 concertos anuais ficou no passado. Atualmente, eles não passam de 15. “Quero diminuir para cinco. Brinco que estou me tornando um pianista amador. Hoje em dia, toco só por amor, mesmo que remunerado. Estou cansado de viajar.”
Volta ao país
Ele está, de certa maneira, em um período de inflexão. Vivendo fora do Brasil desde 1981 e, a partir de 2004, nos Estados Unidos – quando assumiu uma cadeira na Jacobs School of Music da Universidade de Indiana, uma das mais importantes escolas de música do mundo –, está pensando em voltar para casa.
“É meu último ano lá”, afirma Cohen, referindo-se à universidade que lhe concedeu, em 2019, o título de distinguished professor, o mais alto na hierarquia acadêmica norte-americana. Entregou, há pouco, sua carta de renúncia. Fica na escola até o final de abril, para cuidar de seus alunos.
“Tenho vontade de morar [no Brasil], mas não sei se vou conseguir. O importante é ter uma base, mas certamente vou sair de lá [dos EUA]. As coisas estão muito complicadas e, por mais que você esteja enquadrado na vida local, diante do que está acontecendo, não tem como eu não me sentir um estrangeiro. O Brasil, mesmo que se fale das dificuldades, é a terra da gente.”
Caso os planos se concretizem, Belo Horizonte é uma possibilidade. “Gosto dos barzinhos, tem restaurantes ótimos. Tenho amigos e uma intimidade grande com essa cidade, onde me sinto à vontade. E ainda é diferente do Rio e de São Paulo. Por mais que tenha violência, me sinto seguro aqui.”
BH também faz parte do passado dele. “Quando entrei nessa loucura de me tornar músico profissional [aos 24 anos, “velho” para os padrões], foi uma das primeiras cidades que me apoiou. O Palácio das Artes foi minha casa durante muito tempo.”
Música sem amarras
Nessa altura da carreira, Cohen se encanta com pequenas descobertas. Último dos cinco concertos para piano de Beethoven (1770-1827), “Imperador” (1809) já foi executado por ele, obviamente, algumas vezes. É obra da terceira (e derradeira) fase do gênio alemão, “em que ele quase se transforma na ponte entre o classicismo e o romantismo. [No período] Ele fez tentativas de libertação das amarras na composição”, explica Cohen.
No dia em que chegou dos EUA, o pianista já foi ensaiar na Sala Minas Gerais. “Acho que já toquei [o “Imperador”] muito diferente. Se tocasse da mesma maneira, estaria chateado. Estava estudando e descobri hoje [segunda-feira passada, 15/9] uma coisa no segundo movimento. É uma coisinha que só eu entendo, mas, para mim, uma descoberta. Tem momentos que faço um pouco mais lírico, ou expressivo, ou intenso. Acho que temos uma história emocional, um libreto da nossa vida, e tudo que nos acontece influencia nossos passos futuros.”
“O Arnaldo foi nosso primeiro solista convidado, quando começamos. Particularmente, tenho uma afinidade artística grande com ele. Também não escondo minha amizade”, afirma Mechetti.
O regente e diretor artístico sugeriu o “Imperador” – “Esse é um dos poucos imperadores de que gosto”, brinca – para Cohen, justamente pelo grande contraste com a segunda parte do concerto. O balé “A sagração da primavera” foi composto por Stravinsky entre 1911 e 1913. “Beethoven representa o clássico e poderemos ver o grande pulo que foi a ‘Sagração’, o quanto a música evoluiu cento e poucos anos depois.”
A Filarmônica só executou a obra de Stravinsky uma vez, em 2013, no Palácio das Artes. “É um repertório importante para a celebração dos 10 anos da Salas Minas Gerais. E ela, aqui, [na sala], será mais valorizada do que antes”, diz o maestro. Para Mechetti, a “Sagração” tem uma força visceral. “Ela viaja por várias emoções. Tem momentos tranquilos e outros revolucionários, pois ela rompeu, de maneira muito enfática, com a música clássica do final do século 19.”
A obra é curta (são 35 minutos), mas exige um número de musicistas maior do que o da formação mineira – que tem, regularmente, 90 integrantes. Foram contratados trompistas e percussionistas extras, por exemplo. “Ela é ritmicamente complexa, mas já foi mais difícil. Hoje em dia, as orquestras estão preparadas tecnicamente para enfrentar os trechos mais complicados”, comenta Mechetti.
ORQUESTRA FILARMÔNICA DE MINAS GERAIS
Concertos nesta quinta (18/9) e sexta, às 20h30, na Sala Minas Gerais (Rua Tenente Brito Melo, 1.090, Barro Preto). Ingressos esgotados.
