Para os historiadores, encontrar documentos e registros inéditos sobre o período histórico que estudam é como ganhar na loteria. Dito isso, pode-se dizer que o alemão Stefan Hördler ganhou na loteria recentemente, ao encontrar um álbum inédito de fotos intitulado “Memórias”, com a insígnia SS, a polícia do estado nazista, responsável pelo serviço de inteligência e sistema de campos de concentração na Alemanha da década de 1930.


Reconhecido internacionalmente como um dos maiores especialistas do mundo na história dos campos de concentração nazistas e na análise de evidências fotográficas de crimes de guerra nazistas, Hördler foi um dos principais responsáveis pela condenação, em 2015, de Oskar Gröning, o chamado ‘Contador de Auschwitz’. Na época, seu depoimento foi determinante para o resultado do julgamento.


Hördler volta agora ao tema depois de encontrar o álbum de fotografias, que ganhou de um colecionador. Ao todo, são 207 imagens de soldados em ambientes descontraídos, com rostos risonhos, brindando com cerveja e tocando instrumentos. Contudo, há um rosto que se repete com frequência.

Pesquisa registrada


Isso chamou a atenção de Hördler, que decidiu investigar. A pesquisa foi acompanhada pelos documentaristas Barbara Necek, Susann Reich e Kay Siering, que registraram tudo no filme “Desmascarando os assassinos do Terceiro Reich”, disponível gratuitamente no serviço de streaming CurtaOn.


“As fotografias não são autoexplicativas, nem as superfícies visuais das imagens escandalizam automaticamente”, diz Hördler, em depoimento enviado ao Estado de Minas. “A suposta ‘normalidade’ da vida cotidiana reflete simultaneamente a compreensão de servir em um sistema legalizado. Ao mesmo tempo, muitos deles [soldados nazistas] seguem a ideia de permanecer ‘decentes’, apesar dos crimes em massa desumanos”, acrescenta.

Presença frequente nas fotos


Depois de se debruçar sobre as imagens na busca pela identidade do militar que aparece com frequência no álbum, Hördler descobriu que se tratava de Erich Schreiber, um dos responsáveis pela manutenção do campo de Lichtenburg, o primeiro campo de concentração do regime nazista.


A partir daí, Hördler e os documentaristas Barbara Necek, Susann Reich e Kay Siering conseguiram reconstruir a vida do militar, passo a passo, somente por meio das imagens. “Fotos antigas e aparentemente mortas se tornaram uma história nunca antes contada”, diz Susann Reich.


“Também narramos os mecanismos desconhecidos dos anos anteriores à chegada dos nazistas ao poder: anos verdadeiramente cruciais, durante os quais as redes se desenvolveram em segredo”, afirma Susann.


“É muito raro ter fotos da SS desse período. E muitos documentários só começam suas narrativas a partir de 1933. Eles mal cobrem o período anterior a isso. Movemos as camadas em fotos importantes para trazer as pessoas para o primeiro plano e, assim, nos aproximar delas”, diz a diretora.


Essa abordagem permitiu o aprofundamento dos estudos a respeito do campo de Lichtenburg. Com a queda da República de Weimar e a ascensão do nazismo, a estrutura de um antigo castelo foi escolhida para abrigar cerca de 2 mil prisioneiros, entre 1933 e 1939. Inicialmente, eram apenas oposicionistas ao regime, comunistas e socialistas.


Civis fanáticos

Para coordenar os campos, foram designados soldados paramilitares – que viriam a se tornar a SS. Eram civis que, de modo fanático, se alinhavam à política nazista e moravam nas vizinhanças do campo. Entre eles, Erich Schreiber.


Schreiber era filho de lavradores, cresceu no campo e viu sua família passar dificuldades financeiras com a crise econômica que assolou a Alemanha depois da Primeira Guerra. Influenciado pela ideologia emergente que propunha restaurar a dignidade do povo alemão, Schreiber acabou se identificando e entrando para o grupo paramilitar, tornando-se posteriormente um dos responsáveis por torturas e mortes cruéis.


“Sem os perpetradores, não haveria vítimas. Nosso foco estava claramente nas pessoas por trás dos perpetradores: suas origens e também o fato de que são todos completamente desconhecidos do público. Escolhemos um estilo narrativo calmo, frases simples e claras, e deixamos os fatos falarem por si”, diz Susann.

Alianças e redes de apoio


A diretora se recusa a comparar a história de Schreiber com a de extremistas atuais. “Isso me parece uma frivolidade. Apesar de muitas semelhanças, são tempos muito diferentes”, afirma.


“Estávamos interessados em destacar padrões que certamente podem levar ao fortalecimento de sistemas de terror. Isso inclui senso de comunidade, o cultivo da masculinidade, a exclusão e as ideologias étnicas”, afirma a diretora.


“Queríamos mostrar que o poder e o terror começaram em 1933, mas as estruturas para eles – as alianças, as redes – levaram tempo para se desenvolver. É importante hoje reconhecer tais tendências e combatê-las. E, finalmente, o regime nazista foi uma ditadura baseada no consentimento. Isso é essencial para entender que a maioria do povo alemão apoiava esse sistema”, conclui.


“DESMASCARANDO OS ASSASSINOS DO TERCEIRO REICH”
(França, 2025, 57 min.) Direção: Barbara Necek, Susann Reich e Kay Siering. Documentário. Disponível gratuitamente no serviço de streaming CurtaOn.

compartilhe