“Um monte de rebelde criando outro artista e querendo que ele não seja?” Alice Caymmi se sai com essa ao falar da relação com seu pai (Danilo) e tios (Nana e Dori) e sua decisão de trilhar o caminho da música. “Acho que sempre fui compreendida por eles. Meu tio Dori e meu pai queriam que eu andasse livre. Minha tia Nana se envolvia mais, queria que eu cantasse isso ou aquilo.”
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Mas não, Alice não obedece ninguém, ela diz. Foi também dessa maneira que a própria Nana Caymmi (1941-2025) levou sua carreira. O show “Para minha tia Nana”, que será apresentado neste sábado (20/9, no Teatro do Centro Cultural Unimed-BH, nasceu bem antes da morte da primogênita de Dorival Caymmi e Stella Maris, ocorrida no último dia 1º de maio, aos 84 anos.
“Esse show tem alguns anos, foi feito antes dela morrer. Mas já estava acamada, não conseguiu assistir. Recuperei o show para lidar com a passagem, fazer o rito, para mim e para ela”, comenta Alice. Acompanhada do pianista Eduardo Farias, Alice interpreta o repertório de Nana com a “intenção de um tributo”. “Não estou revisitando nem rearranjando. Estou trazendo quem ela era, não quis mexer muito.”
“Resposta ao tempo” (letra de Aldir Blanc e música de Cristóvão Bastos) se tornou uma obra-prima na interpretação de Nana. A emblemática canção é também a preferida de Alice. “Não é só uma canção bonita e também não é de amor, propriamente. E a vida dela foi em torno de canções de amor. Mas essa fala do tempo como realidade. É filosófica, profunda, uma música que resume bem quem era ela.”
Show no Canecão
Aos 35 anos, Alice tem mais de 20 de palco. Estreou aos 12, justamente ao lado da tia Nana, em um show no extinto Canecão, no Rio. Interpretou com ela “Seus olhos” (de autoria de sua irmã, Juliana Caymmi), que havia gravado com Nana no álbum “Desejo” (2001). Em 2012, aos 22 anos, lançou seu primeiro álbum solo, seguido de “Rainha dos raios” (2014), que projetou sua carreira. A música, naquela altura, era alternativa, distante do samba-canção e do bolero que sua tia eternizou.
“Eu só fui entender a profundidade da tia Nana com certa idade. Tinha uns 20 e poucos anos. A obra dela requer experiência de amor e de vida, coisas que você só vai entender quando tiver vivido certas coisas”, comenta Alice. Ela destaca a “identificação maluca” que tinha com ela. Cansou de ouvir: “Ai, como você parece sua tia”.
Outra canção de destaque no repertório do show é “Dora”. “É uma música do meu avô que a tia Nana tomou para si. Ela cantava de uma maneira tão dela. Hoje sou eu cantando, então se tornou uma música que fala de todas as gerações de Caymmi.”
Sem fórmula
Independentemente do repertório, diz Alice, o que mais impressiona na produção de Nana é a interpretação. “É absolutamente única, nunca se repetia, pois não tinha fórmula. Ela tinha um olhar fresco para as canções, nunca vi outra cantora com essa visão na música brasileira, uma visão que nasce e morre com ela.”
De temperamento forte, sem meias palavras, Nana sempre falou o que quis, ao longo de seis décadas de carreira. Mais recentemente, suas posições políticas à direita ficaram célebres por meio de uma entrevista à Folha de S.Paulo, em abril de 2019. Na época, ela lançava o álbum “Nana Caymmi canta Tito Madi”.
Confirmou seu voto em Jair Bolsonaro e desancou Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil (com quem foi casada entre 1967 e 1969). Na mesma entrevista, afirmou que tinha esperança de que Alice fosse trilhar seu caminho na música. “Achei que Alice ia dar mel, mas não deu”.
A roupa suja foi lavada em casa. As pazes já haviam sido feitas havia tempos, afirma hoje Alice. “A gente sempre se amou, se abraçou. Nos bastidores, resolvemos tudo muito antes da passagem dela”, afirma.
A devida "desimportância"
A Sala 2 do UNA Cine Belas Artes exibe diariamente, às 15h40, “3 Obás de Xangô”. O documentário de Sérgio Machado celebra a amizade entre Jorge Amado (1912-2001), Dorival Caymmi (1914-2008) e Carybé (1911-1997).
A conexão com o candomblé (quem recebe o título de obá se torna representante civil de um terreiro junto à sociedade) foi um dos pontos em comum dos três, irmãos por afinidade. “Foram três grandes homens que se dão a devida desimportância. Foi muito bom ver meu avô entre amigos”, afirma Alice a respeito do longa.
ALICE CAYMMI
Show “Para minha tia Nana”, neste sábado (20/9), às 20h, no Teatro do Centro Cultural Unimed-BH Minas (Rua da Bahia, 2.244, Lourdes). Últimos ingressos à venda no Sympla e na bilheteria: R$ 80 e R$ 40 (meia).
